28 de maio de 2007

O tamanho ele não informou

_____A peça de teatro Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, conta a história de Cyrano, um talentoso espadachim, apaixonado por uma mulher chamada Roxanne e, principalmente, o portador de um grande, muito grande nariz. Pouco após o início da peça Cyrano é atacado por um homem que lhe que diz seu nariz é muito grande. Antigo conhecedor da causa de ser narigudo, o espadachim (antes de desafiar o outro para um duelo) demonstra como existiriam muitas outras maneiras melhores de tê-lo ofendido ao falar de seu grande nariz. Reproduzo, abaixo, o engraçadíssimo trecho:

VALVERT- (dirige-se a Cyrano) O senhor tem um nariz... um nariz... muito grande.

CYRANO- É mesmo.

(Valvert, amedrontado, apenas sorri.)

É tudo o que tinha para me dizer?

(Valvert gagueja. Cyrano continua, improvisando versos.)

Isso é breve e não tem graça nenhuma,

poder-se-ia dizer tanto, em suma!...

...variando o tom de voz, preste atenção:

AGRESSIVO: Tamanho narigão,

se fosse meu, lhe apararia o topo!

CORTÊS: Ele vai mergulhar no copo,

Prefira um jarro para beber melhor.

DESCRITIVO: É um rochedo! Não, maior!

É um monte! Não, é o Novo Continente!

CURIOSO: O que faz com tal recipiente?

Serão tinteiro as suas fossas nasais?

GRACIOSO: Adora as aves matinais

a ponto de dar, bondoso e fagueiro,

aos seus delicados pés um poleiro?

TRUCULENTO: Se, como um aprendiz,

a fumaça soltar pelo nariz,

parecerá uma chaminé que arde.

PREVIDENTE: A cabeça que se guarde!

O peso pode dar-lhe um trambolhão!

TERNO: Ponha-lhe um toldo, um pavilhão,

senão, talvez a luz do sol empane-o.

PEDANTE: Só o monstro Aristofâneo,

Hipoelefantocamelo, afinal,

teve tamanho apêndice nasal.

CAVALHEIRO: Isso é um gancho de mau gosto?

Pendure um chapéu: ficará bem posto!

EMPOLADO: Só um vento pampeiro

poderá, nariz, constipar-te inteiro!

TRÁGICO: É o Mar Vermelho quando sangra!

PASMADO: Chamariz de bugiganga!

LÍRICO: É a concha da deusa Afrodite?

RESPEITOSO: Um monumento, acredite!

RUDE: Caramba! Isso é nariz de sobra:

mais parece uma couve... ou uma abóbora.

MILITAR: Apontar! Cavalaria!

PRÁTICO: Apostá-lo na loteria?

Vai ser a sorte grande, certamente.

E, para encerrar com versos plangentes:

Nariz fatal, que aos traços do senhor

tolhe a harmonia. E cora de pudor!

Eis, meu caro, o que diria, a contento,

se pudesse dispor de algum talento

ou conhecesse as finas letras, porém

logo se vê que talento não tem...

E letras, só as da palavra tolo!

Mas, se tivesse um pouco de miolo,

para dizer, perante este auditório,

um gracejo, tornando-me irrisório

mas não teria dito nem metade

de um verso pois, para falar a verdade,

de mim aceito uma pilhéria boa,

mas não o aceitarei de outra pessoa.

_____Ninguém melhor que o próprio narigudo para saber como ofender quem tem um nariz grande. O trecho já foi diversas vezes reproduzido e parodiado. Agora, de cabeça, lembro-me do Eddie Murphy, em O professor aloprado (Tom Shadyac, 1996). Murphy interpreta Sherman Klump, um obeso professor que, em determinado ponto do filme, é ridicularizado por um humorista por seu excesso de peso. Grande conhecedor da causa de ser gordo, Murphy (naquele momento do filme interpretando Buddy Love, alter-ego magro e extrovertido do professor) humilha o humorista, demonstrando seu conhecimento muito maior do assunto “como ofender um gordo”.

_____Ronald Rios, do blog Fotos da Sandy Pelada, fez um curta sobre o que se escuta quando se é muito alto. Grande conhecedor que é do assunto ser muito alto, o vídeo de Ronald ficou impagável. Confira, é grande, mas é muito legal:


P.S.: Mesmo tendo acabado de reproduzir o Cyrano dando bronca de quem fala algo podendo fazer um comentário melhor, vou deixar aqui um curto comentário sobre o fato do Hugo Chávez ter fechado o canal que se opunha a ele na Venezuela (RCTV): PORCO!

25 de maio de 2007

Como agredir os estudantes

_____Entendo e de diversas formas tenho de concordar com a paralisação que ocorre nas últimas semanas na USP. Dessa vez, alguns estudantes e funcionários decidiram invadir a sede da reitoria da Universidade para atacar o governo e chamar a imprensa. Entretanto, como estratégia de contra-ataque, admito que a tática do governo é melhor. Acompanhe:
1) Os estudantes, para apoiar a paralisação e chamar a atenção, invadem a reitoria da Universidade de São Paulo (03/V/07);
Ocupação da reitoria
2) Nos tribunais, fica decidido que os estudantes devem se retirar da Reitoria (16/V/07);
3) Sem nenhum dos seus pedidos atendidos, os estudantes – obviamente – não se retiram;
4) PM começa a se organizar para retirar os estudantes (18/V/07);
5) Estudantes aumentam as barricadas em frente do prédio da reitoria da USP;
6) Reitora põe fim nas negociações e manda os estudantes se retirarem (22/V/07);
7) Estudantes não obedecem e continuam resistindo a ordem de reintegração de posse;
8) A Tropa de Choque da Polícia Militar, de saco cheio, avisa que vai invadir e colocar todo mundo para fora da maneira menos delicada possível (22/V/07);
9) Estudantes continuam com suas barricadas na sede da reitoria, acampados até do lado de fora;
10) Madrugada mais fria do ano é registrada em São Paulo (25/V/07);
11) Secretário da Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Guimarães Marrey, marca reunião com os estudantes para segunda-feira, dia 28/V/07;
12) Os estudantes ficam mais alguns dias passando frio...
Ocupação da reitoria - Frio

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Imagens: A primeira foto é do Centro de Mídia Independente Brasil e a segunda da Folha Imagem.

24 de maio de 2007

Sorriaa, você está sendo filmado

r
anti-RIAA
_____Depois de ter lido mais uma notícia de mentira no Cocadaboa – sobre um “Brasileiro [que foi] multado ao entrar nos EUA com MP3 ilegais” –, acabei me lembrando de um monte de casos reais (bem mais chamativos do que o da manchete do Mr Manson) que envolviam a RIAA (Record Industry Association of America): processos contra idosos que nada entendiam de computador, contra menininhas de 12 anos, censura descarada, tentativa de oligopólio, etc.. Representante de empresas como BMG, Capitol Records, Columbia, MTV, Sony, Warner o poder político-financeiro da RIAA é, sem-dúvida, altíssimo. Mesmo sendo uma notícia forjada, os abusos já cometidos pela RIAA (e pelos norte-americanos) para atingir seus objetivos fazem com que a possibilidade de se parar alguém em um aeroporto e processá-lo pelo conteúdo que leva em um CD para lazer seja bastante plausível.
_____A prática, diga-se de passagem, não é nada nova. Quando era a Inglaterra a mandar no mundo, só para citar um exemplo, os ingleses instituíram o Bill Aberdeen. Lei promulgada, em 1845, na Grã-Bretanha, o Bill Aberdeen deixava claro que os navios ingleses tinham o direito de abordar navios que singravam para o Brasil e apreendê-los caso traficassem escravos.
_____O objetivo principal dos ingleses era atacar a escravidão. Mas, do mesmo modo que os EUA hoje buscam “espalhar a democracia” enquanto adquirem um pouco de petróleo extra, os ingleses (que desde a Revolução Industrial, no final do século XVIII, tinham uma indústria têxtil cada vez mais forte) procuravam aumentar seu mercado consumidor, algo que escravos não tinham muito como ser.
_____O site da RIAA parece um grande panegírico sobre a luta deles (os bonzinhos), contra a “abominável pirataria”. Sinceramente, eu acho mais fácil acreditar nas boas intenções da Microsoft...

20 de maio de 2007

Atualizações (in)diretas

_____Nenhum dos blogueiros que eu vou citar dialogou diretamente comigo, entretanto as postagens que escreveram, pouco após as minhas, servem maravilhosamente como complemento aos meus últimos textos.
_____Mr Manson, do Cocadaboa, tratando de outro assunto, usou a expressão “hype-jornalismo” ao falar de uma reportagem “vazia e cheia de clichês” sobre Second Life
. A expressão (e a própria crítica de Manson) serve muito bem para completar minha postagem anterior (“A matinê da Divina Comédia”).
_____O Almirante Nelson, por sua vez, louvou muito bem as nove musas das artes com um gostoso poema “Por onde andam as nove musas?
no dia seguinte à minha postagem “Musas violadas ou bem louvadas?”.
_____Se gostaram das minhas postagens, não deixem de ler essas outras que eu indico. Os textos ficam tão mais ricos com bons complementos, mesmo que indiretos.

18 de maio de 2007

A matinê da Divina Comédia

_____Um guia de final de semana anunciar um show que vai lotar de jovens, eu entendo. Fazer uma reportagem especial sobre o evento, também faz parte. Entretanto, comparar Grease com High School Musical passa do ponto. A chamada de capa do guia do Estadão de hoje é a seguinte: "A matinê de Grease. Sem a malícia do filme de John Travolta, High School Musical vai levar 65 mil crianças e adolescentes (e seus pais) ao Morumbi". Dentro, uma reportagem fraca, fechada por quase uma página comparando os dois filmes.

_____Grease pode ter seus problemas, só que HSM é malfeito, é ruim, extremamente ruim. As músicas podem até divertir, mas o filme é tão mal montado, com tantas falhas e com uma história tão fraca que não é possível suportá-lo. A comparação entre um filme e outro cabe tanto quanto comparar a Commedia, de Dante Alighieri, com o Diário de um mago, de Paulo Coelho, porque os dois falam sobre peregrinação e redenção. Credo!

_____Talvez não seja mesmo o trabalho de um jornal mostrar para um bando de fedelhecentes que o filme que está na moda e que eles idolatram é horrível. Talvez. Mas, isso não quer dizer que a reportagem de capa tem de fazer uma comparação estapafúrdia dessas. Concordo, plenamente, com uma blogueira que tenho começado a acompanhar: "livros inteligentes devem ser tratados com inteligência" quando trabalhados com os jovens. E, acrescento: livros ruins também devem ser tratados com inteligência. Assim como filmes. Se quem tem a oportunidade de fazer bons comentários sobre coisas ruins não aproveitar a deixa, a massa inculta é que não vai ter uma epifania para fazê-lo. Se fosse, o futebol aqui no Brasil já não teria mais tanta audiência.

_____Acho melhor não falar nada, nesta semana deve ter rolado uns baseados redação dO Estado de São Paulo. Os efeitos da maconha foram a única explicação que eu consigo encontrar para ler, no mesmo guia, uma crítica também elogiosa ao filme O hospedeiro, de Bong Joon-Ho, lançado nesta semana no Brasil. Não acredita em mim? Acha que eu estou mal-humorado e pegando muito pesado com esses dois filmes? Oras, vá até a locadora, alugue High School Musical e, depois, ao cinema para ver O hospedeiro e comprove que tenho razão em reclamar. Vá, pode apostar que você não VAI se arrepender.


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Postagem relacionada: "Manifesto pelos textos bem escritos".

16 de maio de 2007

Musas violadas ou bem louvadas?

____Os freqüentadores de museus sabem: museu fica aberto de 3ª a domingo. Normalmente, já que abrem aos finais de semana, eles ficam fechados às segundas-feiras. Diga-se de passagem, gostoso é ir ao museu (assim como ao cinema) de terça, quarta e quinta, dias em que está tudo vazio (o que ajuda a evitar filas) e fica fácil de se apreciar as obras sem levar trombadas ou com gente entrando na sua frente enquanto você olha para uma pintura.

_____O Masp, principalmente depois de certas crises, é um dos museus mais caros de São Paulo, R$ 15,00 a entrada inteira. Entretanto, às terças-feiras, o museu era de graça. Como uma das escolas em que leciono (às terças e quintas) neste ano fica razoavelmente perto da Avenida Paulista, virei um freqüentador mais assíduo ainda do museu. Praticamente toda terça dos últimos dois ou três meses eu ficava no Masp até minha namorada (que mora perto) voltar da faculdade para almoçarmos juntos. Era maravilhoso. Eu pude olhar certas obras com uma atenção que nunca dispensei antes, apreciei várias vezes a maravilhosa exposição das gravuras do Goya, aproveitei o ar condicionado do museu nos dias de calor e vi em primeira mão a atípica exposição sobre Charles Darwin.

_____Ontem, terça-feira, combinei de ir ao Masp com minha namorada para ela também ver a exposição do Darwin. Cheguei antes e fiquei lendo até ela chegar. Quando chegou, fomos pegar os ingressos (nos dias gratuitos, o homem da bilheteria simplesmente entrega o ingresso sem nem olhar para a sua cara). Estranhei a fila. Minha namorada, que enxerga melhor que eu, disse que viu um homem pagando. Sai da fila e li, ao lado da bilheteria que as terças-feiras não eram mais de graça. Sai puto e acabamos indo ao cinema ao invés do museu.

_____Fiquei a conjecturar o que havia acontecido com o museu. Será que o pessoal do Masp, revoltado porque nos dias úteis, apenas a terça-feira ficava bem cheia, acabou com o dia gratuito? A palavra museu vem do grego mouseion e significa templo/casa das Musas, divindades mitológicas que inspiram as artes. Eu, revoltado por saber que por R$ 15,00 eu não poderia entrar no Masp mais do que duas vezes por ano e que um monte de gente não poderia freqüentar as exposições por falta de grana (assim como não podem ver as exposições da Oca), fiquei a xingar o diretor do museu de porco capitalista, que estava violando as Musas, etc., etc.. Resolvi que escreveria uma postagem aqui no Blog reclamando do absurdo.

_____Para escrever, obviamente, fui pesquisar um pouco antes. Minha raiva, então, transformou-se em uma grata surpresa: o Masp passou a cobrar de terça-feira pois, agora, funciona diariamente. As segundas-feiras, novo dia de funcionamento, é que passaram a ser gratuitas. O jornal O Estado de São Paulo não sabia (informou errado no guia desta semana), nem os bem informados redatores do Sampaist; só a Folha de São Paulo deu a informação da troca de horários e de desconto (sem alardear, diga-se de passagem, só trocou os horários no guia de final de semana). Apesar da inexistente propaganda da mudança de horário, a iniciativa de fazer o museu funcionar mais é fantástica. Sou obrigado a dizer que as Musas acabam de ser, na verdade, muito bem louvadas.

11 de maio de 2007

Mórbida semelhança

Serra, Bento e Lula
_____A foto acima, publicada hoje pela Folha de São Paulo, tem, sem dúvida, uma semelhança muito grande com a famosa foto abaixo.
Rabin, Clinton e Arafat
_____A segunda foto, tirada em 1993, tornou-se praticamente um símbolo da busca pela paz no Oriente Médio. Nela, o líder palestino Yasser Arafat cumprimenta o, então, primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, no selar de um acordo de paz, sob os olhos do presidente norte americano da época, Bill Clinton.
_____Dependendo de quem olha as fotos, entretanto, as semelhanças podem ser bastante mórbidas. Ainda mais se lembrarmos que Yitzhak Rabin (à esquerda, como José Serra, na primeira foto) foi assassinado pouco tempo depois e que Yasser Arafat (à direita, como Lula* na primeira foto) não conseguiu melhorar em nada a vida de seu povo (que, diga-se de passagem, só começou a vislumbrar uma leve melhora – e bota leve nisso – quando Arafat morreu).
_____De qualquer modo, acho melhor não deixar nenhuma estagiária** lá do Vaticano chegar muito perto do Bento XVI.
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* Juro que não teve nada de proposital escrever “à direita, como Lula”.
** Ou um coroinha, sei lá...

9 de maio de 2007

Sabendo provocar

_____Existem diversas formas de se provocar, de incomodar nossos adversários. Entretanto, às vezes, os adversários são quase que intocáveis e, portanto, uma das formas que muito me agrada de aporrinhá-los é a da crítica nas entrelinhas. É algo para lá de válido criticar alguém sem que o criticado tenha um mínimo de noção do que está acontecendo. Até falei um pouco disso no meu artigo “Como se fosse...”, sobre o conto “Mariana”, de Machado de Assis.

_____Hoje, o papa Bento XVI chegou ao Brasil. Não o admiro nem um pouco, tanto pelo seu passado, como pelas suas atitudes presentes. Acredito que não sou o único. Não duvido, por exemplo, que o Leonardo Boff até tenha uma foto do papa atrás da porta, na qual ele atira dardos.

_____Diga-se de passagem, o Leonardo Boff é exatamente parte do assunto. Boff, para quem não sabe, foi um dos principais entusiastas da Teologia da Libertação aqui no Brasil. A Teologia da Libertação tinha como uma de suas principais prioridades os excluídos e ela foi bastante desmantelada graças ao então cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento XVI.

_____Nem eu, nem o Leonardo Boff tem como incomodar muito o papa nesta visita. Entretanto, Helvécio Ratton, querendo ou não, jogou sua pedrinha ao dirigir Batismo de Sangue. O filme Batismo de Sangue, lançado há poucas semanas, foi baseado no livro homônimo de Frei Betto e conta a história do próprio Frei Betto, de Frei Tito e outros dominicanos, simpatizantes da Teologia da Libertação, lutando contra a ditadura militar. Sabem? Simpatizantes daquela mesma Teologia da Libertação arrasada por Bento XVI.

_____Lançar o filme perto da visita é, sem dúvida, uma ótima crítica... indireta.

7 de maio de 2007

Espero que seja útil como adubo

_____Espero mesmo que ele seja útil como adubo agora que morreu, pois o dr. Enéas Carneiro só prestou desserviços como político enquanto esteve vivo. Só fico a lamentar a morte dele, pois agora vou ter de agüentar um monte de chatos ignorantes beatificando o inútil só porque ele foi ver a grama crescer pela raiz.
_____Como homenagem ao defunto, deixo as palavras do sábio Alexandre Inagaki: “Se o voto fosse facultativo, iriam às urnas apenas os que têm convicção, os que buscaram informações, os que realmente acreditam em seus candidatos. Estaríamos livres dos milhares que desperdiçaram seus títulos de eleitor votando em Enéas, Miguel Mossoró ou Débora Soft.”.

P.S.: Espero não ter incomodado o Inagaki ao citá-lo para essa mórbida “homenagem”. Ele é sempre tão bonzinho que não o imagino chutando cachorro morto como acabei de fazer.

3 de maio de 2007

O inferno de se ler em público

_____Ler é uma das minhas obrigações e também uma das minhas maiores diversões. Como professor de História eu, teoricamente, deveria ler o máximo possível e fico feliz de fazê-lo. Acho, inclusive, desprezíveis aqueles profissionais da área de Ciências Humanas que não lêem um bom tanto de livros (para falar a verdade, são poucos os professores que conheço que não acho desprezíveis em qualquer área que seja). Como uma pessoa desvinculada de minha profissão, leio por puro prazer. Para falar a verdade, quase por vício (se me trancarem em um banheiro sem nada o que ler, pego o vidro de xampu e começo a me esforçar para ler as miúdas letrinhas). Não que eu goste de tudo, é claro; troco muito bem um livro ruim por uma boa peça de teatro (troco até um livro mediano por uma boa peça...).
_____Por precisar e gostar de ler, acabo lendo vários livros ao mesmo tempo (um de cada vez, é claro), em diversos lugares: um que eu levo para a cama antes de dormir, o que leio virtualmente, o que eu sempre levo ao banheiro quando estou em casa, aquele que leio na sala, etc.. Diga-se de passagem, tenho alguns livros selecionados para ler em determinadas situações. Por exemplo, quase sempre carrego comigo dois livros quando saio de casa: um livro de bolso e outro maior.
_____O livro de bolso é escolhido exatamente pelo formato (o preço também costuma ajudar). Como ele é pequeno, fica fácil de carregar e, portanto, posso ler andando, enquanto espero o ônibus, quando estou de pé no metrô, em uma fila, etc.. Esse, vale dizer, é ótimo para se ler em público, pois consigo abstrair quase que completamente do ambiente à minha volta.
_____Meu problema é com o livro maior. É um inferno ler o livro maior em público. Enquanto o livro de bolso eu leio quase sempre em movimento ou em lugares pouco confortáveis (em que não costumam puxar papo), o maior eu pego para ler quando consigo algum lugar mais confortável para poder sentar e ler (pode ser banco de metrô, um sofá qualquer, uma praça). E é só eu sentar calmamente para ler que aparece alguém querendo puxar conversa, como se a pessoa fosse entender o livro só por conversar comigo naquele momento ou fosse me salvar da doença da leitura. Parece que eu leio com uma placa: “Venha falar comigo que eu dou dinheiro na hora!”.
_____Certa vez, comprei em um sebo uma edição das obras completas do Oscar Wilde, da editora Nova Aguilar. Quem gosta de livros deve conhecer a coleção de obras completas da Nova Aguilar: livros de capa dura, resistentes, papel bíblia (é esse o nome mesmo. É um papel bem fininho, que você vira a página sempre com medo de rasgar), traduções boas. Voltando ao assunto, comprei o livro e comecei a ler por aí, onde quer que eu pudesse sentar. Só que não era possível ler. Como o livro tinha um monte de páginas, capa dura, etc., etc., apareciam um monte de religiosos me perguntando se eu também sentia prazer em ler a Bíblia, qual era minha igreja, se eu também estava indo para o culto e coisas do tipo. O horror, o horror.
_____Atualmente, o livro “grande” que carrego comigo é o Um homem sem pátria, do Kurt Vonnegut (“Kurt está no céu agora.”), como eu já havia falado por aqui. O problema é que estou terminando e o próximo da lista é o Declínio e queda do Império Romano, do Edward Gibbon. Sabem qual é o problema? O problema é que o livro de Gibbon é razoavelmente grosso (não a ponto de me perguntarem, novamente, se estou lendo a Bíblia*) e, acredite, parece que o número de chatos que aparecem para interromper e atrapalhar você é proporcional ao número de páginas. Vou passar os próximos meses, enquanto leio o livro, sendo interrompido pelos motivos clássicos e por pessoas que resolvem perguntar coisas inteligentíssimas como “Você está mesmo lendo esse livro enorme?” e “Nossa! Posso ver quantas páginas tem?”.
_____Deve ser por isso que a promoção do livro no Submarino é a seguinte: Declínio e Queda do Império Romano - EDWARD GIBBON + Whisky Red Label - Johnnie Walker. Pode conferir.

Promoção do Submarino

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* Vale dizer, nada contra ler a Bíblia. É uma literatura para lá de interessante.