31 de dezembro de 2009

Mulher de verdade

___Neste 2009 foram comemorados os 100 anos de nascimento de Ataulfo Alves (1909-69). Para comemorar a virada de hoje, publico, como última postagem do ano, um pequeno exercício interpretativo sobre a sua mais famosa composição: “Ai, que saudades da Amélia” (1941-42).
___A clássica interpretação popular da música de Ataulfo e Mário Lago toma Amélia como uma mulher submissa, alguém que tudo aceita e que está pronta para obedecer ao seu homem. Até hoje é possível ouvir alguma moçoila revoltada agudamente gritando um “Você está pensando que eu sou uma Amélia?!?”. Inclusive intelectuais que admiro muito, como o grande Idelber Avelar, olham dessa maneira. Em um artigo publicado no dia do centenário, Idelber afirmou que discorda “daqueles que querem relativizar o machismo de uma canção como ‘Ai que saudades da Amélia’.”
___Sem querer comprar nenhum tipo de briga, pretendo, apenas como exercício, mostrar outro modo de ver a música. Deem uma olhada na letra, ouçam a canção mais uma vez (aqui, com o próprio Ataulfo) e vamos para a interpretação.

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___Na primeira estrofe, Ataulfo e Lago mandam




“Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher”


___Graças aos dois últimos versos, é possível perceber que o eu-lírico está falando de outra mulher (com a qual ele está no momento) durante toda a estrofe. Essa outra mulher cobra muito, é egoísta, consumista, não liga para os problemas e necessidades do seu par. Todas, características que não combinam com a Amélia – aquela que, na música, possui as qualidades que uma mulher de verdade deve ter.
___Na estrofe seguinte, deixamos de descobrir Amélia pelo que ela não é (não é egoísta, não é consumista) e passamos a ver o que ela é, o que ela fazia.


“Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: ‘Meu filho, o que se há de fazer!’
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”


___Descobrimos uma Amélia que ficava com o seu amado mesmo se fosse para passar fome, que enfrentava os problemas ao lado dele. Uma mulher companheira, que, na desgraça, dizia ser bonito passar fome. Nos momentos de irritação do seu homem, Amélia não brigava, simplesmente lembrava que nada podia ser feito.
___Aproveitando que isso é apenas uma brincadeira de interpretação, tomo a liberdade de extrapolar um pouquinho. Amélia, além de tudo, é a completa dona da situação. Não sei o motivo para ela e o eu-lírico estarem separados, mas sei que ele a quer de volta, morre de saudades, e ela, até o ponto que os leitores-ouvintes sabem, não dá o menor sinal de que vai voltar para o rapaz. Sem dúvida, uma mulher forte.
___Assim, digo sem pestanejar, se eu fosse mulher, sentir-me-ia honrada caso fosse chamada de Amélia.

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P.S.: Para aqueles que se interessarem pela leitura do texto do Idelber sobre o Ataulfo, aconselho, também, a leitura dos comentários, principalmente os comentários do leitor João Vergílio.

30 de dezembro de 2009

Ainda vai demorar para esta década acabar

___Dezembro de 2009. Praticamente não é possível ligar a TV, abrir um blog, ler uma revista ou receber o sinal de fumaça de um jornal sem encontrar “Quem abalou no cenário musical na primeira década do século”, “As notícias da década”, “Os melhores tons de verde-vómito da primeira década do milênio”. O único problema é que ainda vai demorar mais de um ano para este decênio acabar.
___O calendário adotado pela maior parte dos países do mundo atualmente é o gregoriano. Nele, não existe ano zero. O ano que precede o ano 1 depois de Cristo (1 d.C.) é o ano 1 antes de Cristo (1 a.C.), não o ano zero. Sendo assim, a conta das décadas começa sempre do número 1, não do 0.
___Como um decênio é composto por dez anos, são necessários dez anos transcorridos por inteiro para que uma década acabe. Já que o primeiro ano da Era Cristã começou no ano um, as décadas só acabam mesmo nos anos divisíveis por dez. Por exemplo, a primeira década do primeiro milênio começou em 1º de janeiro de 1 d.C. e terminou em 31 de dezembro de 10 d.C.. Claro que 1+10=11, mas, quando se chega a 1º de janeiro do ano 11, muda-se de década.



___O mesmo é aplicado aos séculos, milênios e afins. Não é a toa que o século I d.C. começou no ano 1 e terminou em 100 d.C. (o ano 101 foi o primeiro ano do século II) e que no ano 2000 nós vivíamos no segundo milênio (do ano 1 ao ano 1000: 1º milênio; do ano 1001 a 2000: 2º milênio; do ano 2001 a 3000: 3º milênio).
___O primeiro decênio do século XXI, portanto, começou em 1º de janeiro de 2001 e vai terminar em 31 de dezembro de 2010. O segundo começará em 2011 e terminará em 2020 e assim por diante. Isso é uma certeza. Minha única dúvida é saber se quem escreve listas de acontecimentos da primeira década do século é ignorante ou acha que os leitores é que são muito burros para entender esse conceito.

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P.S.: Claro que, como uma década é apenas uma medida de tempo, é possível usar a palavra para marcar qualquer passagem de 10 anos. A manchete “Ulisses Adirt foi eleito o homem mais sexy do universo durante todo o decênio de 2000 a 2009”, por exemplo, está completamente correta. Mesmo assim, podem olhar as notícias, não é bem assim que utilizam a palavra década em grande parte dos textos.


Atualização: P.P.S.: Meu amigo Alex, em seu último post, acrescentou algumas frases que ilustram muito bem o conteúdo desta postagem. Como complemento ao famoso "Existem 3 tipos de pessoas no mundo: as que sabem contar e as que não sabem", ele escreveu: "Existem 2 tipos de pessoas no mundo: as que sabem contar e as que acham que a década acaba nesta semana.". E, para fechar com chave de ouro, "Imaginem se todo ano um grupo de idiotas celebrasse reveillon no dia 30 de novembro. Pois é assim q me sinto todo ano terminado em 9.".

28 de dezembro de 2009

Linha tênue

___Manhã de um dia de folga. Como os vizinhos do andar de baixo já me proibiram de treinar sapateado muito cedo, sentei com minha namorada em frente ao computador para escolher um filme. Olhamos os horários dos cinemas próximos e anotamos quais combinavam com a nossa disponibilidade.
___Para escolher um filme entre as opções, olhamos os trailers. Não gosto de ler sinopses, elas parecem um resumo que o roteirista e/ou o diretor não quis divulgar. Por outro lado, os trailers muitas vezes são pré-aprovados pelos produtores do filme e, a não ser que saiam muito mal feitos, não costumam contar algo que estrague a história.
___Entre as opções estava um filme chamado Ervas Daninhas, de Alain Resnais. Segue um dos trailers (outros dois aqui):






___Ou o cara que dirigiu os trailers é genial, ou um completo maluco. Se o filme falar sobre “pessoas ervas daninhas”, pessoas que atrapalham as outras – tal qual Edouard Baer foi atrapalhado pelo estranho André Dussollier –, os vídeos são ótimos. A mensagem principal foi dada sem que isso fosse deixado claro. As outras opções são todas variações dos graves efeitos da lobotomia pela qual o cara que fez os trailers deve ter passado.

24 de dezembro de 2009

Revisitando textos

___Em virtude de alguns acontecimentos virtuais, resolvi revisitar hoje alguns textos publicados neste ano.
___Em março, publiquei em outro local um elogio a alguns escritores que muito admiro. Como o texto se afogou no oceano virtual, segue republicado abaixo, revisto e ampliado.


Minha eterna dívida com o grande Fausto Wolff



___Não deve existir elogio maior para um autor do que um leitor sentir-se eternamente grato por um texto. Fausto Wolff, por exemplo, é um escritor privilegiado, tenho com ele uma dívida eterna. O problema é que a minha dívida não é por causa de um texto de autoria inteiramente do Lobo.
___Em meados de 2007, Fausto Wolff, talvez inspirado por já ter ficado atrás de um espelho, plagiou parte de um texto de um blogueiro. Por conta da repercussão (até eu cheguei a escrever sobre o assunto), conheci o fantástico Marconi Leal.
___Obviamente, antes de escrever meu artigo, fui conhecer o blog do plagiado. Esse ato me custou a madrugada: passei horas lendo e me divertindo com os escritos do autor que, até então, era um completo desconhecido para mim.
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Hoje, entre os blogueiros do Opsblog, o Marconi é, depois de mim, o meu preferido. De toda a blogosfera, ele é figura certa no meu panteão pessoal. Porém, é bom dizer, a cadeira de honra em que ele senta é constantemente disputada por outro escritor genial: o divertidíssimo Almirante Nelson Moraes. Ambos fazem uma comédia inteligente e culta, capaz de deixar até Woody Allen com uma tonalidade rosa púrpura de inveja.
___É claro que cada um tem as suas próprias características – muito positivas por sinal. Enquanto o Almirante, por exemplo, usa bastante as mesmas fórmulas, o Marconi experimenta a torto e a direito. E, também, é claro, o pobre Nelson não tem plagiadores tão ilustres.


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___Além desse texto, creio que também vale revisitar o “Apóie o seu artista preferido”, texto que publiquei aqui no Incautos em julho. Lá eu defendo que quem gosta de um artista deve, sempre que possível, comprar seus livros, pagar por suas peças, ir aos seus shows. O Conselheiro e o artista comem e precisam disso para se manterem produtivos. Os fãs têm de ajudar.
___Neste ano, infelizmente, li três anúncios de bons blogueiros que, por razões diversas, anunciaram que precisavam/queriam se afastar da internet: Idelber Avelar, Alex Castro e Nelson Moraes. O Idelber está parado desde agosto. O Nelson anunciou agora sua greve de textos. Só o Alex é que não parou.
___Os motivos para ele não parar são dois. Membro-fundador dos Alcoólicos Internéticos Anônimos, o Alex precisa constantemente de uma carreirinha. “Olá. Meu nome é Alexandre e eu não olho meus e-mails desde hoje de manhã.” – clap, clap, clap. Além disso, pela graça dos bons leitores, parte da sua renda vem do blog e, se ele parar de escrever, a grana para de entrar. Não é a toa que seu último livro publicado foi custeado pelos seus leitores (eu incluso).
___O dinheiro dado ao Alex é um preço baixo para ter o privilégio de poder continuar a acompanhar seus textos. Pena que o Nelson e o Idelber não precisam de renda de blog para viver. Mas, não elogiei o Nelson no texto republicado e elogio o Idelber a toa, gosto dos escritos deles e com prazer pago um café para qualquer um dos dois em troca de uns parágrafos.

23 de dezembro de 2009

Imagens natalinas

___Mesmo adorando textos, não é incomum que eu brinque um pouco com ilustrações aqui no blog. Para falar um pouco do natal, então, resolvi colocar algumas imagens para vocês.


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___Como divulgo o Doug Allen aqui no Brasil, começo com a brincadeira do “Detector de presente” que ele desenhou para um suplemento de feriado do New York Press.


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___Passo, então, para um gracejo que o metrô de Sampa anda fazendo. Algumas estações tiveram seus acessos decorados com flocos de neve.



___Entre os flocos encontram-se alguns que são feitos com o símbolo do metrô. Achei bem divertido.


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___Continuando com a ideia de associar, no Brasil, neve com natal, o curta Alma torna-se ainda mais próprio para a época (assistam logo, pois, segundo o blog do filme, só ficará disponível até o natal).






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___Para terminar, volto para o Doug Allen. Traduzi uma tirinha natalina do Steven.




___Melhor que a tirinha, entretanto, é o detalhe inicial do Presépio com o Steven-menino-Jesus brindando.


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P.S.: Uma leitora reclamou que minha escolha de traduzir, na tirinha anterior, “cake taker” como “empata foda” não foi feliz. Ela disse que, mesmo combinando com as grosserias da personagem, não era uma expressão grossa em inglês e que minha tradução, portanto, não foi feliz.
___Desta vez, o jogo se inverteu (o que talvez continue deixando minha tradução infeliz): ao pegar Papai Noel tentando disfarçar que praguejou, Steven diz “Cut the crap”, literalmente “Corte a merda”. Acreditei que uma tradução menos grossa – “Corta essa” – seria mais válida por ser mais usual em Língua Portuguesa e por aproximar-se do original. “Não me venha com merda” não é exatamente uma expressão usual; “Para de falar bosta” e “Não fala merda” não encaixam perfeitamente no diálogo.
___Mesmo assim, digo: ficar procurando traduções para expressões é divertidíssimo.

19 de dezembro de 2009

Lixo de pessoas

___Sempre que olho uma lixeira com lixo jogado em volta, fico pensando que tipo de animal incivilizado passou por ali. Agora, respondam-me: em que tronco de árvore foi criado o ser humano que joga o lixo sobre a tampa?




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P.S.: Para aqueles que acreditam em fadas, no Maluf e na salvação da raça humana, e ficaram pensando que o lixo estava sobre a tampa porque o cesto não abria ou estava cheio, deixo uma fotinho extra neste link.

17 de dezembro de 2009

Mitologias II: Adendo

___Mal se completou uma semana que eu publiquei o artigo “Mitologias”, encontrei um escrito de um autor que eu gosto muito falando, assim como eu, sobre religião e mitologia.
___Astrônomo e divulgador da ciência, Carl Sagan sempre foi, para mim, um autor gostoso de ler. Suas obras são instigantes e não apresentam grande dificuldade de leitura. Só que, até hoje, eu só havia lido seus livros de defesa da ciência e divulgação científica.
___Faz uns dias, caiu em minhas mãos um romance que ele escreveu: Contato. Comecei a ler e está me parecendo tão interessante quanto suas obras de não-ficção. Quando cheguei ao segundo capítulo – “Luz coerente” –, tive a grata surpresa de encontrar uma das personagens inteligentes da obra falando do mesmo assunto que tratei em “Mitologias”: que o cristianismo também é uma mitologia. Leiam o mestre:


(...) Ellie nunca havia lido a Bíblia a sério antes e se inclinara a aceitar a opinião do pai, talvez carregada de certa implicância, de que se tratava de ‘histórias bárbaras misturadas com contos de fadas’.”.



___Claro que o pai da personagem principal do romance é bem menos delicado do que eu, mas, no fundo, a ideia é a mesma.

16 de dezembro de 2009

Como obrigar um colega de trabalho a comparecer à confraternização

Colega 1: – Vamos fazer nossa reunião de confraternização de fim de ano no próximo sábado?
Quase todos: – Vamos!
Eu (querendo fugir): – Não posso, gente, vou para a Unicamp no sábado. Mas, podem fazer sem mim.
Colega 2: – E neste sábado?
Eu: –  Tenho de trabalhar na academia de dança. Mas, podem fazer sem mim.
Colega 1: – Então vamos na sexta.
Eu: – Tenho a confraternização do outro emprego. Mas, podem...
Colega 3: – Ei, Ulisses, diga quando você pode com certeza.
___Tentando fugir do programa, jogo um horário bem absurdo:
Eu: – Certeza mesmo... hum... Quinta-feira, na hora do almoço.
___Concordaram.
___Tô achando que no próximo ano eu vou ser sinceramente chato e falar logo de cara que não quero me reunir com ninguém.

14 de dezembro de 2009

O exemplo que Deus nos deu

___Queridos leitores, vocês leram o artigo “Mitologias” que eu publiquei aqui no blog, na semana passada? Vale voltar lá um pouco; não só pelo artigo, mas, também, pela caixa de comentários. O debate ainda está rolando e, tirando as opiniões tresloucadas e irrefletidas de religiosos revoltados – “A Coisa Mais Imbecil q eu ja li ate hj! / ¬¬ / Nao fale daquilo q vc supõe saber querido! / Jesus te abençoe!” –, existem algumas falas interessantes.
___Mas, não estou aqui para falar dos bons comentários e, sim, dos risíveis. Talvez os religiosos malucos tenham razão. Vivem falando que Jesus é fabuloso, que ele é o máximo e tudo mais; realmente, caso tenha existido, parece que Jesus foi um cara bem bacana. Só que eu nunca pensei que ele e o seu Pai estavam tão à frente do seu tempo. Em uma passeata pelos direitos dos homossexuais, um pai e um filho levantaram uma interessante questão:


___É, né? Se a vida de Jesus pode servir como exemplo para que os ignorantes do mundo não impeçam que casais homossexuais adotem crianças, então realmente vale a pena seguir um pouco da mensagem cristã.

10 de dezembro de 2009

Salve o Dramaturgo II

___Graças a Melpômene, todos os boletins médicos sobre o Mário Bortolotto são positivos. Não há sinais de sequelas, o quadro está estável, retiraram os aparelhos de respiração, ele está consciente... Parece que tudo vai terminar bem.
___Quem quiser dar uma ajuda, pode se apresentar na Rua Cesário Motta Jr., 112 – Vila Buarque (São Paulo) –, Santa Casa de Misericórdia, para doar sangue. Eu não posso doar, pois, segundo a enfermeira, tenho uma vida promíscua. Mesmo assim, meus leitores paulistanos mais comportados são bem vindos.
___Além disso, para auxiliar a família do dramaturgo com as despesas médicas, a renda da bilheteria de algumas peças da Praça Roosevelt será doada e alguns ótimos cartunistas vão leiloar originais e produzir um desenho coletivo ao vivo (a ser rifado e sorteado). Prestigiem e ajudem.


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P.S.: Quem quiser ajudar indo ao teatro para ver uma das peças, recomendo Brutal. São dois os motivos: (1) Brutal é do próprio Bortolotto e (2) já vi O Papa e a Bruxa e achei uma droga.
P.P.S.: Mesmo sabendo que o Laerte faz parte dos quadrinhistas que vão leiloar originais para ajudar com as despesas médicas, não sei bem se ele gosta mesmo do Mário. Acompanhem as tirinhas abaixo.
- “Mente”, dia 8/XII:


- “Mente”, dia 9/XII:


9 de dezembro de 2009

Mitologias

Dos Milagres
"O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!" (Mario Quintana)

___Tendo de pagar uma enorme dívida, o deus Loki sai à procura do anão Andvari – dono da maior fortuna do mundo. Para não ser capturado, o anão transforma-se em um salmão e sai a nadar velozmente; astucioso, Loki usa a rede que recebeu de presente da deusa Ran e captura o peixe. Assim, o hábil deus inventa a rede de pesca.


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___Morto de desejos por Io, Zeus escureceu o céu com nuvens negras e, escondido, foi trocar carícias com a ninfa. Desconfiada, Hera desceu do Olimpo para procurar o marido. Ao perceber a aproximação da esposa, Zeus transformou a pobre Io em uma linda novilha branca.


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___Falar de mitologia durante uma aula de História é garantia de sucesso. Não importa se são lendas nórdicas, gregas, egípcias ou ameríndias, é só começar a contar uma que os alunos pedem outra. É possível fazer análises riquíssimas, com salas sempre interessadas.
___Só existe um tipo de história mitológica que causa estranhamento nos estudantes e, portanto, alguma resistência.

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___Após longas horas de pregação naquele lugar deserto, os milhares de ouvintes que atentos escutavam encontravam-se famintos. Quase ninguém havia trazido alimento. Jesus, então, aproximou-se de um garoto com um cesto que continha apenas cinco pães e dois peixes. O Nazareno foi partindo os pães e os peixes em pedaços e distribuindo por toda a multidão. Quando todos terminaram de comer, os discípulos recolheram as sobras e, impressionados, perceberam que com elas era possível encher 12 cestos inteiros.


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___Por conta da força que o cristianismo tem no Brasil e no Ocidente, ninguém encara suas histórias como mito. As pessoas esquecem que controlar o tempo, metamorfosear-se em animais, soltar raios ou possuir armas que não erram o alvo é tão absurdo quanto andar sobre águas, multiplicar pães ou ressuscitar. Mostrar para um grupo de estudantes que a crença deles é tão mitológica quanto qualquer historinha romana causa olhares de espanto, admiração e ódio. O efeito é interessantíssimo.
___Mais interessante ainda é saber que se fosse a civilização egípcia a perdurar e espalhar suas crenças pelo mundo, hoje meus alunos ficariam consternados quando eu chamasse Osíris e Seth de figuras mitológicas.

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P.S.: Já que o assunto é religião, o sempre genial Nelson Moraes passou muito bem o assunto para a linguagem de quem usa Twitter ao dizer que “O Cristianismo é o Judaísmo depois de alguns RTs*.”.
P.P.S.: Já citei algumas vezes, mas vale citar mais umas dez: leiam o texto “Pessoas-que-Acreditam-em-Coisas”, do Alex Castro.
P.P.P.S.: Daniel Lopes, editor do ótimo Amálgama, tornou-se meu vizinho de Ops! com o Index: um blog ateu. Dou meus votos de vida longa e boa sorte.

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* ReTweetings.

7 de dezembro de 2009

Think different

___Sair dos padrões dá muito trabalho; viver à margem da sociedade é extremamente difícil. Em contrapartida, apregoar que se vive de maneira diferente, é fácil e bastante compensador (você se sente melhor consigo próprio e uns compradores de discurso lhe concedem admiração).



___Por mais estranho que seja o humor do Doug Allen, é assim, à margem, que o Steven, sua mais famosa personagem, vive a maior parte do tempo.



___Claro que facilmente alguém pode me retrucar que é só ficção, que é uma história de absurdos, que estamos falando de quadrinhos. Devolvo com um dos meus exemplos preferidos: Jack London. O escritor norte-americano sentiu na própria pele muito do que escreveu. O exemplo que escolho agora, para combinar com a tirinha, encontra-se entre as experiências do rapaz como mendigo.




___“Deixe-me dizer aqui que Otawa, com uma única exceção, é a cidade mais difícil dos Estados Unidos e Canadá para se mendigar uma peça de roupa... (...) Às oito em ponto da manhã eu saí atrás das roupas. Trabalhei com energia o dia inteiro. Juro que andei mais de 60 quilômetros. Conversei com mulheres de quase mil casas. Não parei de trabalhar nem para jantar. E às seis da tarde, depois de dez horas de incessante e deprimente labor, possuía apenas uma camisa, enquanto o par de calças que tinha conseguido era pequeno e mostrava todos os sinais de uma breve desintegração.” (Trecho do conto “De vagões e vagabundos: memórias do submundo”).



___Notem que London utiliza o termo “trabalhar” para falar de sua atividade mendicante. Para muita gente, um disparate sem par. Um olhar mais ameno, entretanto, poderia lhe dar razão. Escolha viver com pouco; decida não ter morada fixa; ande o dia todo a esmolar. Fácil não é. Olhe sem preconceito, não é tão difícil assim encarar a mendigagem também como um serviço. Talvez o pensamento atípico até evite que você, caro leitor, olhe com nojo – como quase todos fazem – para o próximo pedinte que lhe cruzar o caminho.


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P.S.: Minha inspiração primeva para produzir este texto foi uma ótima postagem escrita pelo Marcus Nunes em resposta ao sucesso feito por um interessante escrito do Dahmer.


P.P.S.: O catalisador, que tirou meu texto da pasta de rascunhos, foi a série de exercícios de empatia que o Alex Castro propôs. Se o tema do meu artigo interessou, vale experimentar.


P.P.P.S.: Falando de pensar diferente, fica a indicação do Panóptico.


P.P.P.P.S.: Por fim, fecho com um comentário sobre a tradução da tirinha. No original, as últimas palavras de Steven formam a expressão “cake taker”. A tradução literal (algo como “tomador/ladrão de bolo”) não se encaixa direito em português; mesmo assim, existem várias expressões correlatas. Escolhi “empata foda” porque combina bem com as grosserias típicas da personagem e não escapa da ideia original.

5 de dezembro de 2009

Salve o Dramaturgo

___Final de semana ao mesmo tempo pesado e interessante. Últimas provas aplicadas na quinta-feira; entrega de notas no início da semana. Resultado, um mundarel de provas para corrigir no sábado e domingo. O serviço corre bem; última prova do ano, os alunos dão tudo de si e eu posso ler respostas muito boas.
___Meio da noite, resolvo relaxar um pouco; ligo a internet. Leio que o grande Mário Bortolotto foi baleado em um dos teatros que mais frequento. O crime aconteceu neste mesmo sábado, de madrugada, e as notícias sobre Bortolotto ainda são escassas.
___Vai ser duro voltar a me concentrar.

4 de dezembro de 2009

Baixas de guerra

___Como eu sei que nossa sociedade (incluindo meus inteligentes leitores), tão acostumada com carros, tem dificuldades para perceber o absurdo que é nossa relação com os carros, selecionei dois tweets bem interessantes do meu cicloativista preferido.
@luddista (9/XI): “542 pessoas morreram este ano no trânsito de SP http://is.gd/4QZ6W. No mesmo período, 466 soldados dos EUA morreram no Afeganistão.”
@luddista (10/XI): “No paralelo SP-Afeganistão - http://is.gd/4S5Sm - marines seriam os motoristas e os civis afegãos seriam os pedestres e motoqueiros de SP.”
___Se algum usuário de automóvel consegue ler isso e não repensar o modo como os automóveis são utilizados no Brasil, precisa muito de um tratamento contra a carrodependência.

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P.S.: Quem achou 542 mortos no trânsito de São Paulo entre janeiro e setembro pouco (???), saiba que o número de feridos ultrapassa 18 mil.
P.P.S.: Por fim, uso um tweet de outro escritor que eu gosto muito para uma última cutucada nos carrodependentes. @AlexCastroLLL (27/XI): “A maior ilusão da vida: lá no fundo, todos temos fé de que seremos a exceção. Dessa vez, vai ser diferente. Comigo, não vai acontecer.”. Preciso explicar?

1 de dezembro de 2009

Época certa para decisões importantes


___Vivo a ouvir as pessoas dizendo que é errado colocar os jovens tão cedo na faculdade. “Como é que tão novinhos eles já têm de escolher uma profissão para a vida toda! É uma crueldade com eles. Essa escolha só deveria ser feita por adultos, pessoas que já conhecem bem a vida.”.



___Entendo os argumentos. É fácil errar na escolha da profissão; realmente é uma escolha muito difícil; a pressão é gigantesca. Mesmo assim, esses arautos do sofrimento se esquecem de um ponto muito importante: é bem melhor que os jovens tenham a chance de escolher uma profissão, a atividade que pode pautar toda a vida deles, enquanto ainda são novinhos e cheios de sonhos, vontades e esperanças.



___Horrível seria se a decisão fosse tomada por adultos amargurados e tristes, por pessoas que perderam esperanças e sonhos. Se essa importante escolha pudesse ser deixada para mais tarde, talvez o número de infelizes no mundo fosse ainda maior.


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P.S.: As imagens que dão poesia e enriquecem esta postagem são do incomparável Laerte. Vida longa a esse gênio que largou cursos universitários que não funcionavam para ele e seguiu, vitoriosamente, a carreira de cartunista.

30 de novembro de 2009

A verdadeira Sala dos Professores

___Salas de professores são lugares asquerosos. Nelas se reúnem seres humanos que trabalham com ensino, mas que só pesquisam endereços de pizzaria pela internet; gente que queria estar em qualquer lugar, menos em uma escola.
___É mais fácil ouvir uma discussão sobre a existência de duendes em uma sala dos professores do que sobre ensino. Só se fala dos alunos para tecer críticas. Conhecimentos científicos, então, não são pauta nem dos ratos do local. Não é à toa que, nelas, costumo me sentir deslocado como um klingon em Star Wars.
___Minha experiência com plantões de dúvidas, entretanto, é completamente diferente. Nos plantões, professores de diversas disciplinas ficam em uma sala à espera de alunos que queiram tirar alguma dúvida. Por estarem confinados todos em um mesmo local, é bem comum que um ouça o que o outro está ensinando e que interesses surjam. A proximidade de estudiosos (pela graça de Clio, grande parte dos plantonistas costumam ser mesmo estudantes - estudantes universitários) também costuma ser bastante positiva na hora de se esclarecer as perguntas dos alunos: cada pergunta que a resposta é ignorada por um lente, logo os demais vão em auxílio tentando resolver a questão.
___Como a reunião costuma ser de professores de disciplinas diferentes, não parece haver grande competição, nem receio de confessar uma ignorância. Chega a ser lindo. Torna-se, como deveria ser qualquer canto de uma escola, um local de troca de conhecimento. Vou ver se um ano desses arrumo um trabalhinho extra em uma biblioteca para ver como a carruagem anda.

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P.S.: Para não dizerem que sou intransigente, existe uma sala dos professores que eu adoro e frequento honradamente. Diariamente, ensinando de maneira divertida sobre música brasileira e jazz, Daniel Daibem comanda o maravilhoso programa Sala dos Professores, na rádio Eldorado FM (92,9, aqui em Sampa). Sou ouvinte fiel pelo rádio e pela internet.

27 de novembro de 2009

Jazz Party

___Se eu não fosse me apresentar nesse sábado, teria de fazer um esforço imenso para não ir para o Rio de Janeiro. No Café Cultural Casa de Jorge (Rua da Rezente, 26 – Lapa), a partir das 23h, vai acontecer uma Jazz Party.
___Admito, minha vontade toda não veio da temática da festa (é possível encontrar eventos de jazz aqui em Sampa toda semana), mas, sim, da propaganda. Deem uma olhada no videozinho de divulgação. Foi feito estilo filme de cinema mudo. Podem até me dizer que esse tipo de montagem não é nenhuma novidade; mesmo assim, as cenas de dança selecionadas até o fim do primeiro minuto de vídeo são todas do meu estilo de dança preferido (que tradicionalmente é dançado ao som de jazz), o Lindy Hop. Não teve como não ficar babando.






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P.S.: Por coincidência, a festa tem o apoio da ¡La Cucaracha!, uma loja carioca que está no meu roteiro obrigatório para a próxima vez que eu pisar na cidade.

26 de novembro de 2009

Propaganda enganosa

___A programação desta semana do Cinemark Pátio Paulista, por si só, já valeria uma piada. A diversidade de filmes por lá costuma ser boa e, na teoria, a variedade também é bacana nesta semana. Na teoria.
___Cinco títulos estão sendo exibidos. Um número bom, já que o complexo conta com sete salas. O engraçado, entretanto, é a divisão de salas/filmes:
Sala 1: Os Fantasmas de Scrooge – 3D (15h + sex. a dom. 12h40min); Código De Conduta (17h20min, 19h40min); Bastardos Inglórios (22h).
Sala 2: Lua Nova (13h, 15h40min, 18h40min, 21h40min + sex. e sáb. 00h30min).
Sala 3: Lua Nova (13h, 16h10min, 19h10min, 22h10min).
Sala 4: Lua Nova – dublado (14h40min, 17h40min, 20h40min + de sex. e Sab. 23h30 + de sex. a dom. 11h20min).
Sala 5: 2012 – dublado (15h20min, 18h50min, 22h20min + sex. a dom. 11h50min).
Sala 6: 2012 (14h, 17h30min, 21h + sex. e sáb. 00h20min + sex. a dom. 1050min).
Sala 7: 2012 (14h, 17h30min, 21h + sex. e sáb. 00h20min + sex. a dom. 1050min).
___Fica bem estranho: das sete salas, seis estão sendo usadas para apenas dois filmes e os outros três filmes ficaram espremidos em uma sala só. Nada de errado, claro. O objetivo do cinema é lucrar e essa fórmula “overdose de cinema-pipoca” tem tudo para funcionar. No fim das contas, vale a citação pela programação atípica.

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___O mesmo Cinemark do Pátio Paulista infelizmente continua como assunto da postagem para que eu possa reclamar de um mau atendimento, de uma propaganda enganosa.
___No início do mês, falei sobre a promoção existente nos Cinemarks, em que, todos os dias, acontece uma sessão às 15h por apenas 4 reais. Como vocês podem conferir pela programação que publiquei acima (e que pode ser conferida no site do cinema ou no jornal interno deles), o Cinemark Pátio Paulista prometeu exibir Os Fantasmas de Scrooge, às 15h.
___Mesmo sabendo que uma tarde da semana de estréia do novo filme da Saga Crepúsculo seria complicado para se ir ao cinema, peguei meu spray de pimenta e minha armadura medieval e fui para a fila enfrentar adolescentes histéricas. Para a minha sorte, as adolescentes estavam mais preocupadas em brigar entre si (o grupo das que queriam dar para o vampiro contra o grupo que queria dar para o lobisomem), do que em agredir os não-partidários de Crepúsculo. Depois de bons minutos de fila atípica para uma tarde de quarta-feira, cheguei ao caixa (um só, apesar da tarde cheia).
___Ao pedir o ingresso de quatro reais, o atendente me informou que o horário do Scrooge havia mudado para as 15h05min e que, portanto, não iria me dar desconto algum. Perguntei, então, qual o filme com desconto do dia. “Nesta semana não tem nenhum.”, respondeu o vendedor ao mesmo tempo em que começava a atender um par de garotas que estavam mortas de medo de que todos os ingressos para a próxima sessão de Lua Nova fossem vendidos. Como eu não tinha dinheiro para pagar pelas outras sessões, fui obrigado a voltar para casa.
___O Cinemark deveria aprender que só deve fazer promoções se puder mantê-las ou, quando errar, esforçar-se para não prejudicar seu público. Como eu havia conferido o horário no jornal, no site da empresa e, depois, no jornal interno do cinema, não vejo que atitude eu deveria ter tomado como freguês para não ter passado por essa perda de tempo. A atitude que tomarei, é a mesma que tomei com o Reserva Cultural: se a falta de respeito com os clientes continuar, deixo de frequentar o local.

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P.S.: Antes que alguém me lembre que “A grade de horários está sujeita a alterações sem aviso prévio”, retruco que não estou reclamando da mudança do horário do filme e, sim, da ausência da promoção no dia (ao contrário da promessa da propaganda).

24 de novembro de 2009

Salsa

___Como meus leitores sabem que eu trabalho com dança de salão, volta e meia aparece alguma leitora querendo dançar a dois algum e-mail na minha caixa postal pedindo indicação de leituras, baladas, aulas. Ultimamente, a maioria das perguntas tem sido sobre salsa. Sendo assim, resolvi dar uma dica valiosíssima para quem se interessa pelo assunto.
___Para os leitores que nem imaginam sobre o que diabos eu estou falando, vou começar bem do bê-a-bá: salsa (dança) é um estilo de dança usado normalmente para se dançar salsa (música). Fica um vídeo de exemplo (coreografia de Anita Santos e Adrian Rodriguez):






___Explicado isso, vamos à indicação. O salseiro Gustavo Lilla, um dos melhores professores de salsa com quem já trabalhei, lançou um site que trata principalmente da dança. Por lá, é possível encontrar informações clássicas (como grandes músicos de salsa), outras raras em português (como História da salsa) e outras raras em qualquer língua (como teoria musical aplicada à salsa). Encontra-se dicas para dançar, videozinhos didáticos, glossário com termos da música e da dança. Um prato cheio para interessados de todos os níveis.
___Para aqueles que ainda estão engatinhando, nada melhor do que começar conhecendo a música. O site do Gustavo tem uma rádio online com vários estilos de salsa. Aconselho fortemente a começar pela estação de “Salsa Clássica” e depois pular para a de “Latin Jazz”. Aumentem o som e divirtam-se.

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P.S.: Outro dia troquei uns e-mails com o Inagaki sobre salsa e ele me indicou mais uma fonte para ouvir o ritmo latino. Divido a indicação com vocês.
P.P.S.: Para terminar este texto de indicações salseiras, termino com uma destinada apenas para os leitores que não se influenciam facilmente. O melhor seriado para se ver e ouvir salsa é o do serial killer Dexter. Apreciem com muita moderação. ;-)

22 de novembro de 2009

The Big Bang Theory: o anti-spoiler

___Diálogo verídico:
___– Posso contar um spoiler sobre a nova temporada do TBBT?
___– Não. Prefiro esperar o fim da temporada para assistir tudo de uma vez.
___– Ah, vai, por favoooor. Seja bonzinho.
___– Tá bom. Pode contar.
___– ÊÊÊÊ... A loirinha vai namorar o nerd.
___– Que nerd?
___– O nerd, oras.
___– Mas, só tem nerd naquele seriado.
___– Ah, é...

20 de novembro de 2009

Cotas para brancos

___Primeira aula da manhã. Entro na sala e os alunos vão entrando comigo. O colégio é particular, a sala tem cerca de 40 alunos; apenas um é afrodescendente. Assim que fecho a porta, a aluna negra abre; faço sinal para ela entrar.
___Ela entra; seu cabelo está solto e um tanto armado. Um aluno metido a engraçadinho, fica em pé e fala:
___– Cabelo de preto é que nem bandido: ou tá armado, ou tá preso! – E, na sequência, vira para mim e completa: – Sem racismo, professor, foi só uma piada.
___Antes mesmo que eu pudesse falar algo, a aluna aproveitou o silêncio que ficou na sala e disse:
___– Piada de branco é assim mesmo: ou é racista, ou é sem graça.
___O garoto ficou vermelho e não falou mais nada.

___Acho que vou estabelecer uma cota para as piadas dos alunos brancos, coitados.


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P.S.: O melhor texto sobre o assunto é o “Menina vai para a guerra”, do blog Histórias de menina. Além dele, indico, claro, a série sobre racismo do meu amigo Alex Castro.
P.P.S.: Sobre cotas (para negros), deixo um quadrinho de Barry Deutsch.

19 de novembro de 2009

Devagar

___No mês passado, publiquei um texto chamado “190 km/h é crime. 60 km/h também deveria ser.”, defendendo a redução à velocidade dos automóveis. Alguns leitores reagiram negativamente. No geral, minhas respostas combinaram muito com a utilizada por um grupo de cicloativistas no último sábado.
___No dia 26 de outubro, o ciclista Fernando Martins Couto e o gari Antônio Ribeiro foram atropelados em plena calçada. Ciclistas, parentes e amigos das vítimas, garis e transeuntes se juntaram para prestar uma homenagem aos mortos no dia 14, sábado. Entre as atividades realizadas, foi feita uma ação de pintura do asfalto.
___Minha resposta aos leitores e a resposta das pessoas ao “acidente” foi a mesma. Lembramos que no trânsito nada é mais importante do que o preservar de vidas. O asfalto ficou assim:


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P.S.: Por pura coincidência, minha postagem foi publicada exatamente no dia do “acidente”, dia 26 de outubro.
P.P.S.: Para saber mais sobre a homenagem do último sábado, aconselho a leitura do que foi publicado no + Vá de bike! + e no apocalipse motorizado.

17 de novembro de 2009

As imagens do desabamento do Rodoanel



___Vamos fazer um pequeno exercício? Abra a homepage do Google e/ou do Yahoo! e digite “Guerra”. Agora clique em “Imagens” (de preferência com o SafeSearch/Filtro Familiar desativado). Horrível, não? Agora digite “Guerra” e, também, “Afeganistão”. Mais cenas grotescas. Troque “Afeganistão” por “Vietnã”. Imagens fáceis de deixar qualquer um chocado. Acha bom trocar de tema? Quer algo mais recente? Tente “Furacão” e “Ida”. Mesma coisa: fotos tristes de destruição. Agora apague tudo e digite “Desabamento”. Destroços, construções destruídas. Quer ver agora a pior de todas? Digite “Desabamento” e, também, “Rodoanel”. Isso mesmo, procure pelas imagens do acidente nas obras do Rodoanel Mario Covas, aqui em São Paulo – acidente ocorrido na última sexta-feira, dia 13. O que achou? Medonho, certo? Vou reproduzi-las abaixo.
___Google:


___Yahoo!:




___Achou? Eu também não. O Google mostra só cenas calmas: o Rodoanel, o governador José Serra, mapas, máquinas trabalhando. Nenhum desabamento; nem mesmo um destroço.  O Yahoo!? O Yahoo! fica em uma situação pior ainda: não mostra nada. Aparece simplesmente a mensagem “Não foram encontrados resultados sobre ‘desabamento rodoanel’.”.
___O que é isso? Que falta de vergonha na cara é essa? De onde vem essa censura velada?
___Nem imagino se a ordem para esconder as imagens veio de coação do governo estadual, de suborno da Dersa (empresa responsável pela construção) ou do Chuck Norris em pessoa. O fato indiscutível é que o acesso às fotos do acidente foi dificultado e isso queima bastante a credibilidade desses serviços de busca.
___Quanto às imagens, elas obviamente existem, soltas pela rede. Deixo algumas delas abaixo.

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P.S.: O furo, obviamente, não veio da grande imprensa, mas, sim, das mídias sociais. Recebi a dica da minha vizinha de portal Camila Pavanelli, que encontrou a notícia no blog Estado Anarquista e no Cloaca News. Não achei mais ninguém falando disso, mas, também, os procuradores não ajudaram. Ainda bem que não precisamos mais contar somente com grandes empresas para saber de alguma notícia.

15 de novembro de 2009

Com olhos de Chico Buarque

___Uma leitora me indicou o blog Homem é tudo palhaço. Assinei o feed, fui lendo o que ia sendo publicado e me esbaldando de dar risada com vários textos. Quando a encontrei pelo MSN, agradeci pela indicação:



Eu: Um dos blogs q vc me indicou tem me divertido bastante.
Ela: qual deles, o HTP?
Eu: Sim. Esse.
Ela: é mto bom né?
Eu: Sim. É um tanto afetado, mas eu me divirto bastante.
Eu: os textos são bacanas, com umas tiradas mto boas...
Ela: PEOR é q eu super concordo com tudo o que elas escrevem
Eu: rs...
Eu: Ainda bem q eu não vivo no mundo monogâmico das pessoas comuns... por isso dou mta risada.
Eu: Fico impressionado como as pessoas baunilhas sofrem por pouco...
Ela: ah meo
Ela: tem umas coisas q eu acho mto foda
Ela: tipo sair com a menina e nao contar q namora
Ela: acho isso péssimo.
Eu: hahaha
Ela: pq né? cria toda uma expectativa
Ela: ai a fuefa acha q descolou um bofe legal
Ela: e qdo vê, o cara é um puta dum palhaço
Ela: q tentou dar uma de esperto.
Ela: eu mando tomarnocu fácil e sem dó
Eu: rs... tá certo... achei o último texto q o HTP falou disso divertido...
Eu: peraí... deixa eu pegar um dos comentários q eu chamo de afetados.
Ela: ah, eu tb! até usei uma frase desse texto com um loser esses dias
Ela: ahahahhahaha
Eu: Achei. Tá aqui o trecho:


[Parte do relato de uma leitora do HTP:] 'Saimos de lá e eu fui ao aniversário de uma amiga. Na volta, passei na casa do malandro. Vimos um filme e dormimos juntinhos, conchinha...'
[Comentário de uma das autoras do
HTP:] Pausa para um breve comentário: está tudo tão lindo que estou quase às lágrimas, mas quero alertar as moças de plantão que esse lance de dormir de conchinha banalizou. Não é sinal de porra nenhuma.


Eu: em q momento da história humana conchinha foi sinal de algo???
Ela: oieeee
Eu: Dormir de conchinha é gostoso e fim.
Eu: A regra é simples: se a pessoa é cheirosa, não chuta durante o sono, nem é a Sharon Stone em Instinto Selvagem, é claro q dá vontade de dormir abraçadinho... fim... Tem de acreditar mto em príncipe encantado para pensar em algo a mais.
Ela: dormir de conchinha, pras mulheres, é romantico.
Ela: denota um certo interesse/vontade de se envolver
Ela: tem toda uma psicologia
Ela: leia com olhos de chico buarque xuxu
Eu: Leio... com os olhos do Chico, autor da música “Folhetim”.
Ela: hahahahaha
Ela: nao nao
Ela: ai nao vale
Eu: rs
Ela: tem que ser com olhos de "Tatuagem"

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___Cada um escolhe o Chico Buarque que quer.

13 de novembro de 2009

Cenas de porrada de Asterix e Obelix – Adendo

_____A melhor definição que eu já vi sobre os caminhos que o Orkut traçou no Brasil, foi do André Dahmer, na ótima tirinha abaixo.



_____Realmente, o Orkut, que já foi palco de conversas interessantes, tornou-se, no geral, uma pocilga infrequentável. Mesmo assim, como até em entre alunos da Uniban dever ser possível encontrar algum que valha a pena (teoricamente), ainda existem comunidades que são interessantes nessa rede social.
_____Uma delas é a comunidade Asterix - fãs brasileiros. Lá é possível acompanhar discussões interessantes, boas citações, notícias sobre as personagens de Goscinny e Uderzo. Além de tudo, ela é muitíssimo bem frequentada. O grande Ota, ex-editor da Mad e editor do estranho Otatube, por exemplo, é um de seus participantes – ativo, inclusive. Além dele, os outros fãs ativos, demonstram bastante conhecimento das personagens.
___Não foi à toa que a comunidade descobriu meu texto “Top 10: Asterix e as melhores porradas que os gauleses já deram nos romanos”. Não apensas o descobriu como fez bons comentários e ótimas indicações de complementos. Sendo assim, acrescento agora algumas cenas de porrada que faltaram no Top original.
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- Asterix Gladiador
___Eu já havia citado o Asterix Gladiador no Top 10, com uma cena em que Asterix, com apenas um soco, bate em vários legionários, enquanto Obelix bate em outros soldados e coleciona seus capacetes. MN Desouza, na comunidade, citou também o momento em que os gauleses invadem o acampamento romano de Petibonum. É uma sequência bem divertida, pois não apenas mostra a prévia da invasão e tira um sarro das famosas manobras romanas...



... como, também, seleciona alguns quadrinhos com sopapos clássicos de Asterix e Obelix.

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- Asterix e o caldeirão

___Outro adendo veio da leitora Fimbrethil. Ela citou essa cena, em que um legionário romano tem o rosto esmagado pelo caldeirão do título do álbum.

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- A Cizânia
___A melhor de todas as citações veio de Mauricio Pereira, o dono da comunidade e único freqüentador do lugar que ostenta um nome normal. Muito simpático, ele inclusive scaneou uma imagem que eu tinha vontade de colocar no Top 10, mas não consegui pela dificuldade de deixá-la legível no computador. A letra ainda é bastante pequena, mesmo assim cliquem na imagem para ampliá-la e deliciem-se com a gigantesca “Batalha da Aldeia”.

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- O Escudo Arveno
___O último adendo é pessoal.
___Quando se faz um Top 10, deixa-se muito material bom de fora. Fiquei morrendo de vontade de colocar o par de quadrinhos que dá início ao livro O Escudo Arveno e aproveito a oportunidade para fazê-lo.
___Vercingetórix foi um importante chefe gaulês que conseguiu, de maneira inédita, reunir várias tribos da Gália para lutar contra o invasor. Mesmo com essa união, a revolta gaulesa contra os romanos acabou sendo derrotada em Alésia, em 52 a.C.. Seguindo um costume guerreiro, Vercingetórix lança suas armas aos pés do vencedor: Júlio César.
___A cena é famosa e já foi retratada inúmeras vezes.

___Na versão de Goscinny e Uderzo, entretanto, o derrotado Vercingetórix depôs suas armas nos pés de César. O resultado é que, mesmo que de maneira indireta, um gaulês causou dor a um romano e, portanto, fecho estes adendos com essa última pancada.





12 de novembro de 2009

Sorte?

___Acabei de receber uma ótima notícia. Um pouco bobo de felicidade, abro meu e-mail e vejo que tenho quatro mensagens novas e um spam. Clico primeiro no spam para deletá-lo. O e-mail abre automaticamente e, em letras garrafais, aparece: “Prepare-se! Sua sorte pode estar prestes a mudar!”.
___Que gente chata. Além de mandar spam, ainda querem atrapalhar a felicidade alheia.
___Deletei mesmo.

11 de novembro de 2009

O hábito não faz o monge

___Em pleno século XVI, o escritor François Rabelais, autor de Gargantua e Pantagruel, cunhou o dito “O hábito não faz o monge”. Para ser mais exato, a frase completa foi “O hábito não faz o monge, e há quem, vestindo-o, seja tudo menos um frade.”. A genialidade do autor e da expressão a mantiveram viva até hoje; só é triste saber que ela continua não só absurdamente atual, como, também, ainda não foi aprendida por inumeráveis grupos de ignorantes.
___O exemplo mais clássico é o do judiciário. Ao obrigar o uso de camisa social, calça e sapato (ou até terno e gravata para homens e a ridícula proibição de calças para mulheres), os membros do judiciário não só excluem parte da população como, também, parecem deixar claro que o respeito a eles devido não vem do seu mister, mas, sim, das suas roupas.
___É possível encontrar diversos outros exemplos pelo país. Desde o Congresso que obriga que seus membros usem terno e gravata (e, vale a repetição: parece ficar claro que o respeito a eles devido não vem do que fazem, mas, sim, das suas roupas), a faculdades vagabundas que tentam expulsar uma estudante por utilizar uma roupa “inadequada” ao ambiente “escolar” – após a aluna ter sido agredida pelos colegas “estudantes”.
___Como professor, frequentemente encontro escolas que proíbem o uso de bermudas. A medida, para dizer o mínimo, é burra. O objetivo do professor é ensinar seus alunos. A instituição de ensino que proíbe o uso de uma vestimenta que pode deixar o docente mais à vontade em um dia de calor está descaradamente atrapalhando a aula. Uma calça comprida em uma sala quente desconcentra o professor e, portanto, deixa o seu raciocínio mais lento e a aula pior.
___Já cansei de ver advogados, políticos, estudantes e professores com os mais “dignos” trajes. Muitos deles, afirmo sem medo, vestindo aquelas roupas eram tudo, tudo menos bons... “frades”.

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P.S.: O Mauro Castro tem uma ótima crônica chamada “Para não dizer que não falei de roupas” que toca levemente no assunto do meu texto. Não encontrei o escrito pela internet, mas ele está no Taxitramas – Diário de um taxista, o livro que ele publicou. Confiram e leiam (com os trajes que vocês preferirem) o restante do livro que vocês vão se divertir até não poderem mais.

7 de novembro de 2009

Tempo, o fósforo do meu cinema

___Piadinha clássica:




___O homem é condenado a 10 anos de prisão, trancado em uma cela solitária. O diretor da prisão pergunta:
___– O que você gostaria que colocássemos dentro da sua cela para que você possa se entreter pelos próximos 10 anos.
___– 10 milhões de maços de cigarro. – responde o prisioneiro.
___Lotam a cela do rapaz de cigarros e o trancam lá dentro.
___Dez anos depois, abrem a porta. O ex-prisioneiro, com a maior cara de acabado, sai rastejando com um cigarro na mão dizendo “Fóóóóóósforo... fóóósforo, por favor!”.


___Claro que o meu caso não é tão grave. Mesmo assim, algo bem parecido vai acontecer comigo na segunda-feira.
___Adoro cinemas. Mesmo assim, minha conta bancária não permite que eu os frequente tanto quanto eu gostaria. Isso não significa, claro, que eu vou pouco. Tudo o que é sessão mais barata dentro do meu horário, pode contar que estou por lá.
___Os Cinemarks, por exemplo, todos os dias, às 15h, possuem uma sessão por apenas 4 reais. Toda semana vejo, no mínimo, um filme na rede. É ótimo.
___Segunda, dia 9/XI, todas as salas do Cinemark irão exibir filmes nacionais por apenas 2 reais no 10º Projeta Brasil. Na mesma segunda-feira, os cinemas da rede Kinoplex, na Festa do Cinema, irão exibir qualquer filme por 6. Acostumado a uma cidade que não costuma ter bons cinemas em qualquer horário por menos de 14 reais, saber que não vai ser possível aproveitar as duas promoções até o osso é quase como ficar na cadeia sem fósforos.

5 de novembro de 2009

..., e obrigado pelos livros!

_____Caio de dar risada quando leio textos bem feitos dizendo que Literatura não serve para nada. O infeliz do autor sabe ler e escrever bem, consegue argumentar e refletir sobre a realidade e não percebe que faz isso porque leu muito na vida. Quem lê bastante (e direito) sabe muito bem que as idéias, os argumentos e as visões de mundo dos não-leitores costumam ser bastante pobres.
_____Meu avô sempre foi um grande exemplo para mim. Além de ter feito diversos trabalhos interessantes na vida, a leitura sempre figurou como uma de suas principais atividades de lazer. Provavelmente foi por causa dele e da minha mãe que hoje eu não apenas gosto de ler, mas, também, argumento de maneira consistente nos meus textos.
_____Como não sou mal-agradecido, agradeço-os pelo que sou hoje. Como não sou ingrato, agradeço, também, aos livros. Grande parte do que eu sou e do que sei não caiu do céu, caiu da estante.
_____Demonstro meu agradecimento quando tento fazer com que meus alunos gostem de ler; ao escrever sobre algum livro no blog; quando divulgo uma boa iniciativa literária. Por isso mesmo aproveito para divulgar, como já fiz outras vezes, a edição deste ano da Copa de Literatura Brasileira e o site dOs Viralata.
_____A Copa convida autores interessantes e bem diferentes para escreverem “partidas” entre livros brasileiros lançados no ano passado até que todos os derrotados sejam eliminados e só reste o campeão. É sempre uma leitura válida (dos textos aos comentários).
_____Os Viralata é um site que tem como objetivo divulgar o trabalho de escritores independentes. Lá é possível encontrar escritores já publicados por boas editoras que resolveram publicar um trabalho independente, bons escritores rejeitados pelas editoras, malucos que escolhem títulos de romances que dificilmente seriam publicados se não fosse de maneira independente e, claro, escritores ruins que resolveram publicar às próprias custas.
_____Aproveito para propagandear Os Viralata por dois motivos: (1) Albano Martins Ribeiro, vulgo Branco Leone, o dono do site, reformulou-o. Vale a pena ver como ficou. (2) Querendo divulgar melhor o site, Albano está fazendo a promoção “Divulgue e ganhe um livro.”. Quem quiser colocar um banner dOs Viralata em seu site, blog, livraria, casa de tolerância ou açougue receberá um livro como forma de agradecimento.
_____O primeiro banner da promoção, vale dizer, já valeria a divulgação por si só. Olhem aí.


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P.S.: Para quem entendeu a referência no título, não se preocupe, nenhum "Até mais" é necessário no início da frase.

3 de novembro de 2009

Infância

_____Vantagem de ser criança: é possível se divertir facilmente em qualquer lugar.



_____Metrô paulistano, final de semana: um grupo de crianças que estava indo para um lugar qualquer com os pais resolveu aproveitar o espaço para bater figurinhas. Eles pareciam estar se divertindo até não poderem mais. Uma graça.


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_____Vai ter algum chato falando de infância roubada pela vida contemporânea?

30 de outubro de 2009

A Definição de Poesia

_____Queridos leitores, para quem não sabe, poesia é a figura que eu posto logo abaixo desta frase.



_____Não, meus queridos, não me tomem como um novo Marcel Duchamp, não é nada disso. Estou apenas reproduzindo o que aprendi em uma aula de Literatura.


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_____Gosto de ser professor; gosto de dar e de ver aulas. Acho uma graça alguém montar toda uma performance para explicar algo que a humanidade criou ou descobriu. Por isso mesmo, sempre que posso, paro e assisto aulas dos meus colegas de trabalho. Outro dia, entretanto, cheguei a me arrepender desse costume.
_____Parei na porta de uma aula de Literatura literatura que um professor qualquer estava dando. A aula havia acabado de começar.
_____Fazendo a maior cara de dono do saber, o professor depois de escrever o tema da aula na lousa – “Poesia” –, vira para a turma e pergunta:
_____– Vocês sabem o que é poesia?!?
_____Antes mesmo que alguém esboçasse qualquer tipo de resposta, o professor cara que estava dando aula, levantando a voz, respondeu.
_____– Eu sei que não sabem! Vocês ainda são novos demais para saber MESMO o que é uma poesia. Mas, agora, prestem atenção que eu vou dizer. Agora vocês vão saber o que é uma poesia.
_____Ele parou por uns dramáticos segundos e mandou a “definição”:
_____– Poesia é inspiração. É INSPIRAÇÃO, porra! – Gritando e batendo na mesa ele repetia. – É isso que é poesia! É inspiração! Inspiração, sabem?!? Não é aquela merdinha que vocês fazem a qualquer hora. Não é aquele troço que vocês fizeram por obrigação porque a professorinha de Português mandou. Poesia é inspiração! Vem daqui!
_____E assim, apontando para o próprio peito e repetindo “Daqui! Inspiração, manja?!” ele concluiu a “explicação” e mandou os alunos pensarem nisso e produzirem um poema.

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_____Talvez ele esteja certo. Eu que devo ser um escritor medíocre. Cada texto que vou escrever, fico horas e horas, dias e dias para produzir. Leio e releio dúzias de vezes. Depois de publicado ainda acho que é possível melhorar alguns detalhes e, às vezes, até reescrevo uma parte. Isso porque, excetuando raríssimas exceções, só produzo prosa. Talvez se eu esperasse a inspiração, todo texto sairia com mais facilidade, melhor, mais poético.
_____Deve ser isso mesmo. Posso até imaginar em uma manhã de outono, num momento de inspiração, Luís Vaz de Camões sentando e escrevendo Os Lusiadas, em uma tacada só. Claro. O que mais pode explicar aqueles 10 cantos, aquelas 1102 estrofes, aqueles 8816 versos todos, todos decassílabos? Foi inspiração, só pode ter sido. Todo o poema dividido em estrofes de oito versos com rimas fixas ABABABCC é um claro sinal de inspiração. E é essa inspiração, que dá para sentir de longe, que define o épico camoniano como poesia. Só isso.

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_____Deixando as ironias de lado, será que aquele imbecil não sabe o que é trabalho duro? Não, com toda a certeza não sabe. Não sabe do trabalho duro dos poetas, nem do trabalho duro de se estudar um tema antes de dar aula sobre ele.
_____Poemas não podem ser definidos como inspiração. Isso nem chega perto de uma definição. Diga-se de passagem, a inspiração pode até ajudar na produção de um poema, mas, com certeza, ela não é o único ponto para a sua feitura. Pelo menos não dos bons poemas.
_____E, se algum “poeta” discorda de mim, pode dar uma olhada nesta oferta. É possível adquirir um ótimo poema, quase um clássico, por menos de 400 reais.

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P.S.: Dizem as más línguas que o autor-tema da última postagem, Edgar Allan Poe, inspirou muita cocaína antes de produzir seu mais famoso poema – “O Corvo”. Talvez o infeliz que deu aquela aula medíocre de literatura estivesse falando do Poe.
P.P.S.: Não posso deixar de indicar o texto “Coisas que fluem”, do Alex Castro. Nas palavras dele a um jovem escritor, “meu amigo, eu disse, com vontade de bater em seu ombro, o que flui é a sua urina quando mija. Arte é uma construção consciente.”.

27 de outubro de 2009

Um passarinho preto me contou

_____Se você não está na idade, nem no país certo para bater de porta em porta dizendo “Doces ou travessuras?”, não se preocupe, eu tenho a solução. Pelo menos a solução para quem, assim como eu, gosta de Literatura (e não tem dinheiro).*
_____A Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura irá realizar uma programação especial no Dia das Bruxas. Não exatamente no “dia”, já que a ideia é organizar eventos “macabros” durante a noite e a madrugada do dia 31 de outubro para o 1º de novembro.



_____Recitais de poesias malditas, filmes, peças e exposições com temática voltada para o terror, performances de dança e música gótica e, claro, contações de histórias que causam medo. Quase tudo isso com Edgar Allan Poe como ponto principal. Nada melhor do que usar um autor sombrio para festejar o Halloween.
_____Deem uma olhada no site para conferir a programação completa. Podem me procurar que, no meio da madrugada, eu estarei por lá. E digo mais, quem se interessar, é bom ir mesmo, porque o evento na Casa das Rosas, com Poe como tema principal, só vai acontecer este ano por causa da comemoração do bicentenário do escritor. Em outras palavras, vá agora ou nunca mais.

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P.S.: Deixo como extra mais uma ótima tirada do cartunista Liniers.




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* E está em Sampa.

26 de outubro de 2009

190 km/h é crime. 60 km/h também deveria ser.

_____Cruzei faz pouco com a campanha 190 km/h é crime.
_____Meu comentário não é exatamente sobre o mote da campanha. O vídeo e os adesivos lembram que dirigir a 190 km/h é crime. O fato é que, como já falei aqui antes, carro é uma arma. Dirigir a 190 km/h é crime; fabricar carros que possuam velocímetros que chegam a 190 km/h também deveria ser. Produzir carros que consigam atingir 190 km/h deveria ser crime, assim como comerciais que louvam a velocidade também deveria ser.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=IHDlEXOlYe8[/embed]


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_____Vocês sabem qual a diferença entre atropelar uma criança a 64 km/h e a 48?

[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=HeUX6LABCEA[/embed]


_____Como diz a menina no vídeo, “Se você me atropela a 40mph (64km/h), há cerca de 80% de chance que eu morra. Se você me atropelar a 30 (48km/h), há cerca de 80% de chance que eu sobreviva.”.


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_____Permitir que se ande a 60 km/h em uma cidade, por si só, já deveria ser considerado um crime. A vida humana é mais importante do que os minutos dos assassinos em potencial que utilizam automóveis.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=9wJue7HHieQ[/embed]


_____Claro que eu não sou ingênuo a ponto de achar que existe alguma chance de uma política pública mudar esse disparate. São Paulo é uma cidade que tem o azar de contar com o monstro Alexandre de Moraes como Secretário Municipal dos Transportes. O ogro proferiu no dia 31 de março de 2009, na Associação Paulista do Ministério Público, a seguinte frase: “Há medidas para ampliar a segurança, mas não implantamos, pois prejudicam o trânsito.”. Já seria algo horrível se o ajudante de homicidas não fosse, além de Secretário Municipal dos Transportes, também Presidente da São Paulo Transporte S/A (SPTrans) e Presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Mais um pouco e será necessário pedir a benção para o Herr Alexandre antes de se sair à rua.


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_____Motorista, deixando de lado o que Herr Secretário Municipal de Transportes de São Paulo diz, lembre-se: o pedestre nunca é culpado. Quem está portando a arma é você.
_____Para os céticos que pensaram em dizer que as propagandas apresentadas são montagens, fecho o texto com um ótimo vídeo produzido depois de uma simples andada de bicicleta do blogueiro Luddista pela Avenida Paulista.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=WzUQ0CERdOM[/embed]