29 de dezembro de 2010

Unhas e sofrimento

___Nunca fui de prestar muita atenção às unhas das mulheres. Por isso mesmo, sempre gostei de esmaltes escuros (como vermelho) ou com cores que fogem do padrão do corpo (como verde e azul-claro), pois assim eu percebia a pintura.
___Quando comecei a dançar, minha falta de atenção começou a mudar. O clássico gesto de tirar as moças para dançar – estendendo uma mão, para que a dama coloque a dela por cima, caso aceite – fez com que eu dirigisse meus olhos para as mãos que eram colocadas sobre as minhas. Consequentemente, acabei por reparar e gostar cada vez mais de unhas.


Tirando para dançar


___De tanto reparar, passei a elogiar os esmaltes que me agradavam. Nisso, acabei percebendo um padrão estranho. 90% das vezes que eu elogiei algum esmalte, a moça, ao invés de aceitar o elogio, agradecer ou coisa que o valha, a moça se encolhia e dizia algo como “Já está velho, descascando. Não olhe muito...”.
___Só mesmo quando elogiava pouco depois da manicure – “Você reparou? Pintei hoje. Que bom que você gostou.” – é que eu via reações positivas. De resto, as próprias donas das mãos depreciavam as unhas que ostentavam.
___Por que dessas reações negativas? Será algum tipo de auto-depreciação em busca de mais elogios? Será a modéstia que a sociedade considera de bom tom demonstrar? Produto de milênios de submissão? Ou é o caso de uma mentalidade consumista que só considera o excessivamente novo, comprado/feito hoje, realmente digno de elogio? Sinceramente, não sei. Só sei que o uso do esmalte, que deveria ser algo para deixar as mulheres que escolheram usar mais animadas, parece deixá-las incomodadas na maior parte do tempo.
___Se não é para ser feliz com as unhas pintadas, se elas vão incomodar você depois de um, dois dias, não pinte. Unhas não pintadas são bonitas. Gostar de si própria, também.


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P.S.: Fiquei um bom tempo com esta postagem na gaveta. Agora, como o meu amigo Alex Castro publicou um interessante texto sobre “Unhas de Mulher”, eu aproveitei para publicar o meu, mostrando outro ponto.
P.P.S.: Já que eu tirei o texto da gaveta por conta do Alex, vale fazer uma propagandazinha para o moço: ontem chegou à minha casa os exemplares da segunda edição do livro LLL – Crônicas, que eu comprei para presentear algumas pessoas queridas. Essa nova edição é de bolso e está uma graça. Para quem ainda quiser presentear alguém, fica a recomendação.

27 de dezembro de 2010

Funcionários dedicados

___Precisando de um livro para uma pesquisa, empreendi o roteiro básico. Comecei procurando pelo PDF na internet. Como não encontrei, fui atrás das bibliotecas que eu frequento. Como o resultado também foi negativo, suspirei, conferi se aquele símbolo negativo havia desaparecido da minha conta bancária e recorri às livrarias. Para o meu desespero, descobri que o livro estava esgotado.
___Apelando para os sebos, acabei descobrindo o nome da editora do livro. Escrevi para lá e consegui descobrir que eles tinham exemplares em estoque (só não descobri como esses exemplares não chegavam às livrarias). Como a editora ficava aqui em Sampa, pensei em ir lá para comprar.
___Antes de sair de casa, liguei:
___– Alô?
___– Alô. Bom dia. É da Editora X?
___– É, sim. Pode falar.
___– Por favor, eu gostaria de saber se é possível comprar livros avulsos aí na sede da editora.
___– Claro. Fique à vontade.
___– Que bom! Até que hora vocês ficam abertos?
___– Até as 18h, mas... Olha: chega antes porque o chefe nunca está aqui nesse horário e nós vamos embora mais cedo.
___Pelo menos foram sinceros.


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Nota: Não pensem que se trata de um caso de empresa em ritmo de fim de ano. Isso realmente aconteceu comigo há alguns meses; o texto é que ficou na gaveta até agora.

25 de dezembro de 2010

Sebastianismo: à espera de um milagre

___Portugal foi uma das maiores potências européias nos séculos XV e  XVI. Rico, dominador dos mares, dono de terras na América, entrepostos comerciais na Ásia. Não se questionava a força do Império Lusitano. Por conta dos revezes da Fortuna, a dinastia de Avis, quando acabou, levou todos aqueles tempos gloriosos consigo.

Retrato de Dom Sebastião, o Encoberto

___Aconteceu o seguinte: o jovem rei Dom Sebastião I, o Desejado, antes de se casar, foi à África, batalhar contra os muçulmanos. Infelizmente (para ele e para os lusitanos), na Batalha de Alcácer-Quibir (ou Batalha dos Três Reis), as tropas portuguesas apanharam mais do que massa de pão. A sova foi tão grande que o rei morreu em batalha. Vale citar, morreu sem deixar herdeiros.

Batalha de Alcácer-Quibir ou Batalha dos Três Reis

___Quem assumiu o trono, no mesmo ano de 1578, foi o Cardeal Dom Henrique, tio-avô do morto. Henrique I, já velho, morreu dois anos depois, levando Portugal a uma grave crise de sucessão. Tanto que quem acabou por ficar com o trono português, no fim das contas, foi Felipe II, rei da Espanha – dando início à conhecida União Ibérica (1580-1640). Isso rendeu, inclusive, uma divertida quadra popular que diz



“Que o cardeal-rei Dom Henrique
fique no Inferno muitos anos,
por ter deixado em testamento
Portugal, aos castelhanos.”.


___Depois de ter passado pelas mãos da Espanha, Portugal nunca mais voltou à sua glória anterior. Não foi à toa que por lá cresceu o sebastianismo.
___A sova que os portugueses tomaram na Batalha dos Três Reis foi tão grande que, como eu já disse, o próprio rei, por lá, foi morto. Mais do que isso, a zona era tanta que não tiveram mais certeza do corpo do rei após o conflito. Isso tudo, mais a pindura em que Portugal caiu após a morte de Dom Sebastião, fez com que surgisse o sebastianismo, a crença de que o rei não estava morto, mas, sim, apenas desaparecido. Mais do que isso, a fé de que, um dia, Dom Sebastião voltaria e, quando isso acontecesse, Portugal voltaria à sua maravilhosa época de bonança.

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___Ensinar isso em sala de aula é uma diversão ilimitada. Existem mil lendas para se contar, histórias de batalhas, conflitos políticos. É um assunto que atrai atenção com facilidade.
___Nos últimos anos, tenho conseguido uma diversão extra com o tema, exatamente quando vou falar sobre a existência do sebastianismo. A brincadeira funciona mais ou menos assim:
___Explico o que é sebastianismo, leio poemas sobre o assunto. Falo sobre o crescimento da crença. Relato os casos de pessoas que diziam ter visto o Desejado, sobre os corpos que afirmavam ser de Dom Sebastião e dos caras que se diziam o próprio rei. Nisso alguns alunos já riem ou fazem pequenos comentários sobre pessoas que acreditam em qualquer coisa.
___Vou em um crescente. Falo que décadas se passaram e que a crença se mantinha. Os alunos riem. Conto que, mesmo depois da época em que não seria mais viável que Dom Sebastião estivesse vivo, ainda existiam muitos a propagar a crença de que o rei voltaria. Nisso já começo a ouvir, em meio a risadas, comentários do tipo “Isso tinha que ser coisa de português.”, “Só português mesmo para acreditar, depois de tanto tempo, que o rei morto pode voltar.”.
___Mudo de continente. Começo a contar que, mesmo com Dom Sebastião tendo “desaparecido” em 1578, aqui no Brasil, durante o século XIX, mais de um movimento messiânico-sebastianista surgiu. Como um pregador empolgado, falo mexendo as mãos para chamar o máximo de atenção, “Imaginem a bizarrice das pessoas seguindo um doido que fala que um rei, que morreu, que ‘desapareceu’ no século XVI, lá no norte da África, vai reaparecer, aqui no Brasil, no século XIX! O que essa gente fumava?”. Os alunos gargalham, a classe vai ao delírio.
___Aproveitando esse apogeu da animação dos alunos com o assunto, paro, sento na mesa, faço uma cara sarcástica e, elevando um pouco o tom de voz, digo: “Imaginem, então, que tem gente que acredita que um cara que morreu crucificado pode, três dias depois, ressuscitar. Mais do que isso imaginem que essa crucificação aconteceu no século I da Era Cristã e, hoje, em pleno século XXI, tem gente que ainda acredita em um disparate desses.”. As risadas vão desaparecendo. Alguns alunos ficam de olhos arregalados, outros sorriem e alguns olham com rancor. Na classe reina um silêncio sepulcral.

Jesus Cristo crucificado

___Aproveitando a quietude, baixo o tom de voz, “Vocês acreditam que existem pessoas que creem que um cara conhecido como Jesus Cristo morreu crucificado e, mesmo assim, conseguiu ressuscitar três dias depois? Acreditam que esse tal Jesus Cristo morreu no século I da Era Cristã e, hoje, em pleno século XXI, existem pessoas que acreditam que ele voltará? É verdade, gente! O nome dessa crença é Cristianismo.”.
___Sem um só ruído na sala além da minha voz, concluo:
___– Contem para mim, queridos: vocês ainda acham o Sebastianismo, a crença de que um rei que morreu no século XVI vai retornar para salvar Portugal, tão absurdo assim? Vocês nunca pensaram que absurdo pode ser o que vocês e os seus conhecidos acreditam?
___Ser professor é fantástico, não?

21 de dezembro de 2010

Conhecendo as Lendas

___Mesmo empreendendo exaustivas pesquisas, mesmo admirando certas personagens históricas, um historiador normalmente não pode se aproximar dessas figuras. Não estou falando de historiadores buscando isenção em meio a uma pesquisa biográfica, estou falando de não poder se aproximar por pura impossibilidade material de alguém do século XXI d.C. chegar perto de, digamos, Sócrates, que viveu no século V a.C.. Ainda que o pesquisador conheça muito da vida do filósofo, mesmo que tenha certeza sobre suas intimidades e a sua cara feia, a aproximação é sempre parcial. O contato real, pessoal, nesse caso, é impossível.
___Imaginem então um contato bem direto: tocar Sócrates, conversar com ele, sentir seu cheiro. Quem sabe até passar uma receita de cicuta com uma rodela de limão. Impossível, certo?
___Pois bem, podem me criticar à vontade. Podem dizer que sou metido, que danço mal, que maltratam prisioneiros em Guantánamo com a comida que eu cozinho. Mas, ninguém pode questionar meu talento como historiador. Não estou falando do fato de que consigo entreter os alunos, deixá-los interessados e que, nas minhas aulas de História, todo mundo aprende. Não vim aqui para falar de aulas, mas, sim, de contato com personagens históricas. Digo: como historiador, ontem, tive mais contato com duas importantes figuras históricas do que muito pesquisador veterano.
___Eu conversei com Sócrates, andei ao seu lado, ele me fez perguntas, flertou comigo e até sentou no meu colo.
___Sim, mas não foi só ele. Eu disse duas importantes figuras históricas. A outra, é uma figura histórica contemporânea, que qualquer historiador ainda pode entrar em contato. Uma lenda viva, um dos mais importantes nomes do teatro nacional: José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso.
___Sabem o que o Zé Celso fez? Conversou comigo, andou ao meu lado, me fez perguntas, flertou comigo e até sentou no meu colo. Ontem, no Teatro Oficina, assistindo ao Banquete, tive o privilégio não só de ver uma ótima peça, como, também, de conviver, por algumas horas, com duas importantes figuras históricas – Sócrates e Zé Celso – no corpo de um homem só.


Zé Celso/Sócrates

17 de dezembro de 2010

Resultados impossíveis

___Convidei os alunos para verem uma exposição comigo, na Pinacoteca, sem valer nota, sem obrigação, no domingo de manhã. Amanheceu um domingo frio, bem frio. Na volta, minha cunhada, também professora, disse, “Não foi ninguém, né?”. Feliz, respondi, “Foram mais de 20 alunos.”.
___Montei um curso fora da grade normal da escola para analisar historicamente o Decameron, do Boccaccio. Toda semana era necessária a leitura de pelo menos um conto. Minha mãe disse, “Isso vai dar trabalho para os alunos, não vão nem cinco.”. Até o fim do curso, tive uma média de 30 alunos por aula.
___Montei um curso extra sobre Mitologia Nórdica. O diretor do colégio disse, “Devem aparecer uns 30.”. Tiveram dias com mais de duzentas pessoas.
___Juro que não entendo o que essas pessoas do mundo falam sobre alunos desinteressados.


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___Lecionei para vestibulandos. Curso de sábado, eu dava a última aula. Eles passavam o dia todo tendo aula, desde as 7h da matina e eu só chegava depois das 17h. Ninguém mais devia aguentar ficar na carteira. Sabem o que acontecia? Quando eu entrava, alguns aplaudiam, muitos sorriam. Ouvia coisas como, “Agora é o Ulisses. Esperei o dia todo por isso.” ou “Ainda bem que é o Ulisses. É pro dia fechar bem.”.
___Não vou mentir e dizer que 100% dos alunos 100% do tempo estão interessados. Mas, o número não fica muito longe disso na maior parte das vezes. Não sei como os outros professores conseguem viver sem isso. Parece que todo mundo acha que os alunos são sempre pessoas desinteressadas e que é impossível isso mudar.
___Não pensem que todas as aulas que eu dou são boas, que todos os assuntos ensinados são divertidos. Porém, em todas eu tento fazer com que o assunto seja claro e interessante, procuro exemplos divertidos e curiosidades históricas, atividades diferentes e recursos atípicos, bibliografia estranha e a clássica. E, digo: dá um trabalho do cão. Quando falha, fico puto, mas levanto, tento descobrir o que falhou e melhoro a próxima.
___Alunos interessados e empolgados por alguma matéria, com algum conteúdo, não é só coisa de filme. Só é necessário se esforçar de verdade. Com sorte, talvez até alguns subam nas carteiras recitando partes de um poema de Whitman.


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P.S.: Antes que alguém venha atacar algum professor do mundo, nunca se esqueçam: mesmo as melhores aulas poderiam ser ainda mais primorosas com boas condições – materiais de qualidade, poucos alunos por sala (nunca mais que 25), bons salários, etc..
P.P.S.: Para os mais céticos, saibam que os exemplos que eu citei não são um apanhado dos melhores da minha vida, são apenas bons exemplos deste ano. Duvidam? Perguntem para os meus alunos.

15 de dezembro de 2010

Conselho para atores

___Se alguém, hoje, vier me perguntar o que eu acho que um ator deve aprender antes de subir em um palco, eu citaria um trechinho dO filho eterno, do Cristovão Tezza.




Lembra do exercício de Stanislavski dos seus tempo de comunidade, a cena realista e a cena falsa: a atriz procura o alfinete que perdeu, em gritos canastrônicos; Bem, diz o diretor, se você não encontrar mesmo o alfinete, será despedida. E ela passa a procurá-lo num silêncio tenso, centímetro a centímetro, a dramaticidade contida mas verdadeira, para a felicidade de todos” (p.173).



___Quanto ao resto, que quebre a perna.

13 de dezembro de 2010

Incautos Clássicos

___Faz um tempo, cogitei deixar na barra lateral direita uma seleção de alguns bons textos do Incautos. Desde então, tive dois problemas, um de espaço e outro de competência.
___O de espaço é que as barras laterais da direita foram ganhando cada dia mais itens. O que foi acrescentado (o banner do Submarino e os feeds do O Pensador Selvagem) não é precisamente meu, mas é importante para o blog. O portal que abriga o blog (e me manda uma latinha de caviar todo mês) precisa de publicidade e grana para sobreviver e, portanto, justificadas estão as propagandas. Só que elas ocupam espaço e, portanto, a barra lateral, superlotada, não me parece ter espaço para algo extra.
___O problema da competência, é a minha completa incapacidade de escolher o que colocar como clássico da casa. Como uma criança em carrinho de doces (ou em buffet de salada, caso alguém não goste do blog), eu não sei o que escolher. Mas, de orelha puxada por alguns leitores (publicamente pelo João O.), acabei me vendo obrigado a respirar fundo e terminar a seleção.
___Portanto, mesmo sem colocá-la por agora na barra lateral, mesmo sendo uma lista da qual eu não tenho bem certeza se escolhi os textos certos, ficam, abaixo, alguns textos mais famosos ou apreciados do blog.


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- “A história se repete”. Com um dos poucos poemas que eu publiquei aqui no blog.
- “Literatura, bengalas e espadas” e “A proximidade dos infiéis aumenta a santidade de Compostela”. Algumas das minhas brincadeiras  interessantes de historiador. Se eu quisesse sentar para pesquisar, poderiam virar uns ensaios interessantes, mas, como tenho feito outras pesquisas, deixo essas amostras grátis.
- “Ex-sonhadores”. Indicado pela leitora RoCosta, é um texto que chorei enquanto escrevia e que chorei, mais de uma vez, relendo.
- “Diferentes perspectivas”. Normalmente, as crônicas que eu escrevo sobre o que aconteceu comigo durante o meu cotidiano são cheias de passarinhos*. Essa, entretanto, é 100% verdadeira e, melhor de tudo, ficou bem divertida.
- Entre as análises literárias que faço, selecionei o ensaio “Como se fosse...” – comentando o conto “Mariana” (1871), de Machado de Assis, – e a postagem recente “Elvis, Madona & Machado de Assis” –, associando o conto machadiano “As Academias de Sião” com o novo livro do Biajoni.
- A categoria que recebeu mais críticas na história deste blog é a “Sem carro por escolha”. Nela trato dos absurdos da nossa sociedade carrocrata, que dá mais valor aos automóveis do que à vida humana. Queria indicar muitos artigos dela, mas resolvi que três que ilustram bem o meu ponto de vista sobre o assunto já são o bastante: “190 km/h é crime. 60 km/h também deveria ser.”, “‘Acidente’” e “Dê passagem ao rei”.
- “Quase um lorde”. Um dos poucos contos de ficção pura e simples que eu publiquei por aqui.
- “NoCu da professora”. Pode não ser, nem de longe, o melhor texto que eu escrevi, mas, sem sombra de dúvida, é um texto necessário para qualquer um que tenha um mínimo interesse que seja em Educação.
- Selecionei dois textos sobre política nacional: o primeiro (indicado pelo leitor João Ota) desmentindo um desses e-mails-spams que bóiam por aí; o segundo, um mais recente, sobre as mentiras do PSDB sobre a Educação. Não sei se são textos tão bons assim, sei que são datados, mas achei que valia à pena um parzinho dos textos sobre política que costumo publicar aqui.
- “Think different”. Não só é uma postagem com uma das minhas traduções de tiras, como eu ainda trabalho com ideias diferentes que me agradam bastante.
- “Petit gâteau fast food”. Não entendo nada de cozinha, mas essa minha receita é bem válida.
- “Como foi feito o Eclipse do Yahoo!”. Depois de muita pesquisa, expliquei nesse texto como o Yahoo! conseguiu fazer um eclipse.
- “Minhas camisetas do Che”. Dicas para quem quer me dar um presente.
- “Boa sorte para dançarinos”. Dançarino que sou, achei que valia a pena ensinar às pessoas como desejar boa sorte para quem trabalha com dança.
- “Top 10: Asterix e as melhores porradas que os gauleses já deram nos romanos”. Creio que esse é o único Top 10 que eu fiz desde que fundei o blog. Saiu bem interessante, principalmente para quem gosta de quadrinhos.
- “Mitologias”. Essencial para quem pretende pensar religião, não simplesmente acreditar. Os comentários são uma diversão à parte.
- “Não vamos confundir nossas crianças: manifesto contra quem quer tornar o mundo um lugar pior”. O texto em si já é interessante, mas, também, fica melhor ainda com os comentários.
- “Meu precioso…”. Alguns dos meus pontos de vista sobre uma discussão eterna: o Amor.
- “O Auto da Barca da Censura”. Uma pequena paródia do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Provavelmente é um texto um pouco datado, mas eu gostei do resultado.
- Por fim, o texto mais famoso do blog (indicado pelos leitores Melissa e João Ota), “O pai dos argumentos estúpidos”.


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___Espero que apreciem a seleção. Mais um pouco, lanço um livro. ;-)


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* Para quem não sabe o que é um passarinho em um texto, recomendo essa crônica do Mario Prata e essa da Carol Costa.

8 de dezembro de 2010

O Processo

___Há pouco mais de um ano vi, na porta de uma sala de aula, um pequeno aviso: “Excepcionalmente hoje, a aula das 19h não será ministrada nesta sala. Mudou DA SALA 28-M PARA A SALA 51-A (5º andar do Bloco A)”.


Assessoria de horários - O Processo


___A mensagem em si não tinha nada demais. Bizarro, para mim, é saber que, para se colocar um aviso bobo desses na porta de uma sala, foi necessário conseguir uma assinatura da “Assessoria de horários”. A organização burocrática das escolas sempre me parece por demais kafkiana.


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P.S.: Lamento ter demorado mais de um ano para publicar a foto de uma parte do aviso. Demorei, pois, antes de publicá-la, eu precisava da autorização do diretor Josef, assinada em três vias, reconhecidas em cartório, na folha de permissão A-38 –, que só pode ser conseguida após o preenchimento do verso da terceira folha do formulário azul calcinha, nos anos pares, durante os dias chuvosos da primavera.

6 de dezembro de 2010

Promessas vazias

___Queridos leitores paulistas: bem vindos a dezembro. Por sorte, meus queridos, novembro acabou e, talvez, o PSDB, o partido eleito para continuar a governar o estado de São Paulo, já tenha se cansado de fazer os seus eleitores de otários. Acho que o PSDB não cansou, que continuará a governar para poucos e a transformar a vida de muitos em algo pior, mas o que sei eu.
___Para explicar melhor minhas reclamações, para ajudar aqueles com memória fraca, permitam que eu desanuvie a memória de vocês.


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Segurança
___Lembram do que o governador eleito Geraldo Alckmin falou sobre segurança durante a campanha? Deem uma olhada, caso necessário, nos primeiros minutos do vídeo abaixo, do canal oficial da campanha no You Tube:








___Vou transcrever o trecho inicial: “É a nossa prioridade a questão da segurança pública e eu queria colocar o seguinte: primeiro, valorização policial, valorização policial, condições de trabalho para o policial...”. Flap, flap, flap. Não é lindo? O Sr. Geraldo Alckmin não só falou que iria valorizar os policiais, como repetiu isso. Puxa, quer dizer que depois de 16 anos de governo do PSDB em São Paulo, depois de 16 anos pagando salários vergonhosos o então candidato a governador disse que iria valorizar os policiais! Infelizmente, depois de eleito, o Sr. Alckmin mostrou que sua promessa de campanha era, apenas, uma mentira deslavada.
___Alckmin foi um dos governadores eleitos que se dirigiu, em novembro, para Brasília para fazer um apelo aos parlamentares para que, este ano, não seja aprovado o PEC 300 – que trata da criação de um piso salarial nacional para policiais e bombeiros. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, Alckmin disse: “Isso deve ficar para o ano que vem, depois da posse dos governadores e da presidente eleita. Aí discute-se segurança pública e a melhoria salarial dos policiais.”. Salário baixo no rabo dos outros é refresco, né? Falar, em campanha, que vai valorizar os policiais, mas, já antes de assumir, lutar para atrasar um projeto de aumento de salário é, no mínimo, a atitude de um crápula.
___Antes que alguém venha defender uma atitude dessas, faço minhas as palavras de Ivan Valente, o meu deputado federal: “Quando os governadores foram candidatos — agora eleitos ou reeleitos — diziam que a prioridade era educação pública, saúde pública e segurança pública. Mas todos sabiam das limitações. (...) Os governadores não querem mexer na estrutura de pagamento da dívida, mas não têm dinheiro para pagar um salário melhor para os profissionais de educação, saúde e segurança pública. Não concordamos com esse raciocínio. Não há nenhuma irresponsabilidade fiscal nisso. O que existe, por parte dos governos federal e estaduais, uma irresponsabilidade social. (...) As pessoas dizem que não podemos votar um piso para a Polícia Militar porque aí os professores, que têm piso de R$ 1.024 por 40 horas semanais, vão ficar reclamando. É lógico! Se é concedido um piso de 3 mil e tantos reais para uma categoria, por que o professor ganha mil, essa miséria?”.


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Transporte
___Para não concluir o texto com uma pedrada só e ajudar os paulistas de memória fraca, creio que pode ser válido lembrar outra promessa: estações de metrô.
___Quem anda pelo metrô paulistano cansou de ver as incontáveis propagandas do ExpansãoSP, nas quais se falava sobre as melhorias que estavam sendo feitas pelo governo estadual. A palavra “Expansão” foi escolhida, obviamente, para associar os planos do governo não às pequenas melhorias, mas à expansão das linhas, à inauguração de novas estações.
___E as promessas foram muitas.




___Citando o portal do governo estadual, com o parágrafo ainda no ar (print screen aqui, se necessário), “Um dos grandes destaques nas intervenções do Metrô é a construção da Linha 4-Amarela (Vila Sônia-Luz), que terá 12,8 Km. A primeira fase da linha começa a funcionar até o fim de 2010 com as estações Butantã, Pinheiros, Faria Lima, Paulista, República e Luz. Na segunda fase entrarão em operação as estações Vila Sônia, São Paulo-Morumbi, Fradique Coutinho, Oscar Freire, e Mackenzie-Higienópolis.”.
___Deixem-me repetir um trecho: “A primeira fase da linha começa a funcionar até o fim de 2010 com as estações Butantã, Pinheiros, Faria Lima, Paulista, República e Luz.”. Apesar do que foi dito, das 6 estações da Linha 4-Amarela prometidas até o fim de 2010, apenas 2 (DUAS!) foram entregues à população. A estação que eu estava aguardando, a Butantã, estava prometida para novembro. Assim como os 6 orgasmos múltiplos que prometi ontem para minha namorada, a estação ficou só na promessa. E olha que eu, pelo menos, entreguei 5.


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___Assim como zumbis se alimentam de cérebros, políticos vivem de propagandas. Só que o cumprir ou não dessas promessas tem efeito direto na vida dos cidadãos e, por isso mesmo, achei que valia a pena recordar algumas. Para os insatisfeitos com os governos paulistas do PSDB ou com outros governos por aí, a caixa de comentários está aberta para que promessas não cumpridas sejam lembradas. Só, por favor, se forem lembrar algo (e demonstrar que a promessa foi vã), façam como eu, citem as fontes, não acusem com boatos.

3 de dezembro de 2010

Suicídio e sensatez

... foi então que Cíntia percebeu que o suicídio era a única atitude sensata a ser tomada. Felizmente, ela nunca foi uma mulher sensata.



27 de novembro de 2010

Nunca um gentleman

___É tão interessante estar atento a algo. Como vocês bem sabem, ando com mancadas de atores à cabeça. Por isso mesmo, sorri em demasia para um trechinho literário que, talvez, em outro momento eu desse pouca atenção.
___Eu estava lendo A volta do parafuso, de Henry James, quando, no quinto capítulo, a tutora começa a descrever para outra personagem, a Sra. Grose, o homem que ela havia acabado de ver. Após uma breve descrição do rosto do homem, a tutora termina dizendo “Ele me dá a impressão de se parecer com um ator.”, ao que se segue o seguinte:




___– Um ator!
___Era impossível comparar qualquer imagem com a de um ator para a Sra. Grose naquele momento.
___– Nunca vi nenhum ator, mas é assim que os imagino. Ele é alto, elegante, ereto, mas nunca – não, nunca! – um cavalheiro.*



___Sei que a palavra cavalheiro/gentleman tem outras mil acepções, mas, no momento, irritado que estou com os atores do mundo, esse pequeno efeito de ambiguidade me agrada.


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* No original:

“He gives me a sort of sense of looking like an actor.”
“An actor!” It was impossible to resemble one less, at least, than Mrs. Grose at that moment.

“I've never seen one, but so I suppose them. He's tall, active, erect,” I continued, “but never – no, never! – a gentleman.”


26 de novembro de 2010

Artistas de rua

___Sou um tipo estranho na rua. Quase sempre andando rápido e com um pocket book na mão. Se a luz permite, não só seguro o livro como ainda leio caminhando. Mais estranho ainda, são os momentos em que não tenho horário para chegar a lugar algum e ando sem pressa. Paro por tudo. Olho pessoas interessantes, fico lendo em bancos de praça para ouvir conversas. Ou, se acho uma construção atípica, uma casa com mais de um século, fico dezenas de minutos a estudá-la. Porém, de todas essas diversões de rua, minha preferida são os artistas. Chega a me doer o coração quando vejo um bom artista de rua e eu estou atrasado para algo e não posso parar.
___Não sou um cara de grandes posses (e também não sou de grandes gastos), mas sempre tenho uns poucos níqueis no bolso para depositar em um potinho de uma estátua viva ou em um chapéu de mímico. Claro, só desembolso as moedas se acho o artista talentoso; gosto de ajudar quem parece estar a fazer um bom trabalho.
___Quando encontro um bom músico, ouço contente e, se estou (bem) acompanhado de uma dançarina, aproveito para dançar. Normalmente os tocadores apreciam e o público (e as moedas) aumenta(m). Para minha abençoada sorte, os músicos que tentam arrecadar uma grana na Avenida Paulista costumam ser bons.


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___Dia desses, tudo parecia ideal para uma brincadeira do tipo. Sem pressa nenhuma, eu passeava pela Paulista, muito bem acompanhado pela minha namorada (que, mesmo não sendo profissional, é um par maravilhoso para se dançar). O dia claro, nenhum sol forte na cabeça. De longe, avistamos um sanfoneiro sentando perto da Estação Brigadeiro, acabando de arrumar seus apetrechos. Paramos de longe, esperando ele começar.
___Ele começou. As primeiras notas não saíram muito bem. Talvez ele estivesse se ajeitando, vai saber. Esperamos o fim da primeira música. Os gemidos de dor que infeliz instrumento emitia no início da segunda canção demonstraram que aquilo não iria melhorar. Com dó da pobre sanfona, resolvemos seguir nosso caminho.
___Ao passarmos pelo “sanfoneiro”, vi que ele tinha um cartaz ao lado – “Ajude um artista.”. Quis ajudar, mas não vi nenhum artista por perto. Acho que ele conseguiria arrecadar mais moedas se escrevesse algo como “Preciso de dinheiro para pagar um professor de música.”. Eu teria dado uma nota de cinco.


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(Texto que estava esquecido na gaveta desde 2007.)

25 de novembro de 2010

Malditos atores!

___Escrever, dançar e coisas do tipo faz com que eu já tenha feito amizade com um número razoável de atores. Ser amigo de artistas significa muitas coisas: ser convidado para peças, conhecer os bastidores, conversar muito sobre textos e, principalmente, ouvir os atores reclamando que trabalhar com teatro não dá dinheiro, que ninguém paga nada para eles, que nunca surge trabalho, flap, flap, flap, blá, blá, blá...
___Tudo bem, eu concordo, não é uma profissão fácil. Manter-se financeiramente bem como ator não é tão simples como para médicos, advogados, blogueiros ou cafetões. Amante de teatro como sou, acho extremamente triste que não seja tão fácil assim para os atores viverem confortavelmente.
___Por isso mesmo, tento sempre apoiar bons trabalhos. Já indiquei mais de um aqui no blog, vivo recomendando peças para os meus alunos e, sempre que posso, estou em algum teatro assistindo como pagante. Inclusive, faz uns 3 meses, tive uma ideia interessante para animar uma das minhas aulas, aproximar os alunos do teatro e dar trabalho para um ator.
___Em uma das escolas em que eu leciono, estou trabalhando, desde o começo do semestre, com o Decameron, de Giovanni Boccaccio. Toda semana, os alunos leem pelo menos uma das cem novelas do livro e, juntos, fazemos uma análise histórica. Para proporcionar aos estudantes um dia diferente (e para ajudar quem trabalha com teatro), pensei em contratar um ator para apresentar um dos contos durante uma aula.
___A ideia básica era de uma apresentação curta (no mínimo 15, no máximo 30 minutos), com a interpretação de uma novela à escolha do artista, com total liberdade para a montagem. Entrei em contato, por e-mail, com cinco atores, para pedir orçamento. Dois nem me responderam, uma disse que estava ocupada. Os dois que sobraram ficaram debatendo comigo o que poderia ser feito.
___Fechei com um deles. Duas semanas antes do dia marcado para apresentação, o maldito me escreveu dizendo que havia sido convidado para gravar um comercial no dia combinado e não poderia mais se apresentar. Tentei o segundo ator. Marcamos tudo certinho, mas, no dia combinado, o infeliz não apareceu (apenas me mandou uma mensagem no celular dizendo que não poderia ir). Puto da vida, não entrei mais em contato. Procurei outros atores. Todos, cada um por uma razão, acabaram por não aceitar o trabalho.
___O último com quem entrei em contato disse que só teria disponível o dia 3 de dezembro, último dia de curso. Respondi que tudo bem, que seria legal fechar o curso com uma apresentação, e passei a negociar o preço. O ator disse que não sabia o quanto cobrar, para que eu fizesse uma oferta. Ofereci pela apresentação em uma aula, o que eu receberia por uma manhã completa de aulas. Ele retrucou que precisaria de cinco vezes mais. Incapaz de arcar com tanto, agradeci e dispensei os serviços do rapaz.


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___Tudo isso me chateia. É horrível ver tantos atores reclamando da falta de trabalho arrumando desculpas para não trabalhar. É extremamente incomodo um ator marcar uma apresentação e não aparecer. É chato ver que minha oferta do que eu recebo por uma manhã de trabalho não ser aceitável para que um ator aceite se apresentar por meia-hora.
___Neste momento, estou um tanto puto com os atores do mundo. Espero que todos quebrem suas pernas.

23 de novembro de 2010

Yen Dorado

___É necessária muita coragem para se fazer determinadas escolhas. Ser um dançarino, em um mundo preconceituoso como o nosso, é uma dessas escolhas difíceis. Em dança de salão, os homens, além de encarar o preconceito, encontram o enorme obstáculo que é conduzir:  levar a parceira a executar os passos que o condutor escolheu. A maioria dos homens nem pensa em começar a dançar. Muitos dos que começam, desistem por conta dessas dificuldades.
___Escolher ser um dançarino profissional, então, acaba por ser um desafio absurdamente maior. Se não existissem os problemas já citados, sustentar-se como dançarino não é das tarefas mais fáceis. Mesmo assim, trabalhando com dança por quase uma década, conheço um número bem grande de dançarinos profissionais que vivem exclusivamente disso.
___Neste triste novembro, morreu Yen Dorado. Além de enfrentar os preconceitos clássicos de ser um homem dançando, ultrapassar a barreira da condução, profissionalizar-se como dançarino, Dorado enfrentou um obstáculo maior ainda ao escolher competir em campeonatos profissionais com seu parceiro Eli Torres.
___No ESPN World Salsa Championships, em 2007, Yen Dorado e Eli Torres chocaram os interessados em salsa ao competirem como um casal de dançarinos do mesmo sexo. A trajetória deles não viveu só do brilho do atípico, mas, sim, da habilidade de ambos: em 2009, Dorado e Torres venceram o Mayan World Salsa Championships, o mais antigo dos campeonatos mundiais de salsa.
___A coreografia vencedora segue abaixo:








___Que o corajoso Yen Dorado descanse em paz.

21 de novembro de 2010

Caçando assuntos

___Escrever com frequência significa, também, viver a caçar assuntos. Qualquer fato atípico vale uma anotação, qualquer cena estranha, uma fotografia.
___Tarde dessas, andando pela Paulista, encontrei um cara vestido de Dom Quixote, conversando com outros dois fantasiados: Sherlock Holmes e Wolverine. Comecei a procurar meu celular para tirar umas fotos, mas, infelizmente, eu havia saído sem o aparelho.
___Na hora, fiquei incomodado. É chato perder uma oportunidade dessas.
___Continuei o meu caminho. Dois quarteirões depois, avistei um par de meninas jogando peteca, perto de um semáforo de pedestres.
___Eu continuava sem o celular para tirar fotos, mas passei a sorrir: andar por São Paulo é encontrar, o tempo todo, com o atípico. Sem contar que, mesmo sem fotos, não é tão difícil assim transformar essas (não-)cotidianices em crônicas.




18 de novembro de 2010

Elvis, Madona & Machado de Assis

Nota: Recomendo a leitura prévia do conto “As Academias de Sião”, de Machado de Assis, e do livro Elvis & Madona, de Luiz Biajoni, para que ninguém apareça a reclamar de spoiler na minha orelha.


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___Com o objetivo de divulgar o projeto Brasiliana USP, o grande Idelber Avelar montou mais uma edição do Clube de Leituras dO Biscoito Fino e a Massa. O Brasiliana USP conta com um acervo interessantíssimo de livros digitalizados e, para a conversa literária, o Idelber escolheu o conto “As Academias de Sião”, de Machado de Assis – digitalizado da 1ª edição do livro Historias sem data, com dedicatória assinada pelo Machado.
___Folgado que sou, tomo a liberdade de aproveitar a divulgação que o Idelber resolveu fazer para divulgar outra obra: Elvis & Madona, do Luiz Biajoni.


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___Acabei de ler o livro do Biajoni e foi impossível reler o conto “As Academias de Sião” sem pensar, a todo instante, no Elvis & Madona.


Elvis & Madona


___O conto machadiano tem como mote os acadêmicos de Sião debatendo “por que é que há homens femininos e mulheres masculinas?” por conta da índole feminina do rei Kalaphangko. Depois de conflituosas discussões entre as quatro academias locais, chega-se à conclusão que isso acontece, pois “Umas almas são masculinas, outras femininas. A anomalia que se observa é uma questão de corpos errados.”. A conclusão acaba por levar o feminino rei a trocar sua alma com a belíssima – mas, de alma masculina – Kinnara, a flor das concubinas reais.
___O livro Elvis & Madona, de Luiz Biajoni, conta a história de um travesti (Madona) e uma lésbica (Elvis), completamente resolvidos sobre suas preferências sexuais, mas que acabam por se apaixonar. O conflito sobre o feminino em um corpo masculino e vice-versa percorre a obra toda.
___As atitudes das personagens de Biajoni são, em grande parte da obra, características do gênero que escolheram para levarem suas vidas. Por mais forte que seja a personagem do travesti Madona, ela é doce, carinhosa, sonhadora. Na hora do grande perigo, quando João Tripé tenta assassinar ela e Elvis, Madona simplesmente desmaia. Por seu lado, a lésbica Elvis veste-se tal qual um homem, usa casaco de couro, anda de motocicleta. Homem da relação, é Elvis que enfrenta João Tripé; é Elvis que derrota o inimigo, defendendo Madona, sua frágil mocinha.*
___Kalaphangko e Kinnara adoram a troca de almas – ficando a alma masculina no corpo masculino e a feminina, no feminino. Não é à toa que, no fim do conto, quando ambos têm de fazer suas almas voltarem ao corpo original, entram “no barco real [...] ambos de má vontade, saudosos do corpo que iam restituir um ao outro.”. Elvis e Madona também não pensam em mudar suas respectivas condições de travesti e lésbica-homem, mesmo ficando juntos.
___Por fim, é exatamente na troca de corpos que Kalaphangko e Kinnara conseguem gerar um filho. Como o Idelber lembra muito bem, “O nome de Kinnara alude à amante por excelência nas mitologias budista e hindu, meio humana e meio cavalo (ou pássaro), que jamais procria.”. Só com a troca de almas que Kinnara consegue engravidar.** Com a confusão de gostos, com o travesti Madona (que gosta de homens) se apaixonando pela lésbica Elvis (que gosta de mulheres) é que o casal consegue engravidar. O travesti e a lésbica teoricamente não gerariam filhos; a Kinnara mitológica não pode procriar; a mistura fabulística consegue resultar na gravidez.
___Pode não ter sido, nem de longe, o objetivo de Machado, mas, estabelecendo esta leitura, fica impossível não pensar no conto “As Academias de Sião”, como o que é o livro Elvis & Madona segundo o autógrafo que o Biajoni me deu: um libelo pela tolerância.


Elvis & Madona - Autógrafo


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* Sobre os ideais de gênero, conferir o PDF do doutorado de Marta Cavalcante de Barros (Espirais do Desejo: Uma visão da mulher nos contos de Machado de Assis), p. 52.
** Vale apontar que o nome de uma personagem ser o nome de uma figura mitológica – Kinnara –, só fortalece mais ainda a brincadeira de comparar o conto de Machado, com o livro de Biajoni. Kinnara (segundo A dictionary of hinduism, de Stutley – citado na nota 49 da tese de Marta Cavalcante de Barros) é “um ser mitológico, com corpo humano e cabeça de cavalo, ou o contrário”, tal qual Madona tem corpo de homem, travestido de mulher, e Elvis o corpo de uma mulher, um pouco masculinizado.

14 de novembro de 2010

Cozinha mal-humorada

___É possível fazer tantas tarefas de maneira bem-humorada, é possível ficar em tantos cantos de uma casa sorrindo e brincando. Só a maldosa cozinha não é lugar para isso. Não se pode relaxar, não se pode ficar a sorrir, não se pode nem fazer uns poucos malabarismos com ovos sem que a mal-humorada cozinha se vingue e obrigue você a ficar limpando tudo por um tempão.



9 de novembro de 2010

O ENEM e sua eterna ausência de credibilidade

___Existem diversas formas de mostrar que, hoje, a Educação no Brasil é muito deficiente. Poucas, entretanto, conseguem demonstrar isso com tanta clareza quanto o ENEM.
___Para quem não sabe do que se trata, ficam as palavras do site oficial: “Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica.”.
___Nos seus primeiros anos, o Exame foi tão fraco que praticamente só serviria para avaliar se os alunos eram capazes de contar com o auxílio dos dedos e ler. Era o próprio Exame Nacional do Ensino Medíocre. Um governo que considera aquilo uma avaliação do que os alunos deveriam sair sabendo do Ensino Médio deveria fechar as escolas logo na 4ª série do Ensino Fundamental.
___O ENEM era uma piada tão grande entre as pessoas alfabetizadas que, tentando moralizar a porcaria para, inclusive, utilizá-lo como vestibular de universidades sérias, nos últimos anos resolveram lhe dar uma nova roupagem e chamá-lo de Novo ENEM.


Quadrinhos dos anos 10 - André D.


___A prova ficou levemente mais difícil, o número de questões aumentou, mas o ENEM continua uma vergonha. Se não é mais uma vergonha pela mediocridade do exame, agora o é pela falta de cuidado com ele.
___Locais de prova distantes, prova furtada, exame adiado, divulgação de gabarito errado, site de inscrição que não funciona, edição do meio do ano prometida e não cumprida, dados pessoais dos inscritos vazando na internet. Se já não fosse o bastante, na prova do último final de semana, regras foram desrespeitadas, alguns alunos receberam provas com questões faltando e todos os candidatos receberam o gabarito com falhas na impressão (e, em alguns lugares, a demora para instruir os estudantes quanto a como proceder com os gabaritos errados demorou mais de duas horas). Para piorar, o ministro da Educação Fernando Haddad insiste em defender que o Exame foi um sucesso e se recusa a anular a prova. É o próprio Estorvo Nacional do Ensino Médio.
___Não sei se em algum momento vão conseguir transformar o ENEM em algo que preste, só sei que, até agora, nunca consegui olhá-lo de outro modo que não fosse com asco.

5 de novembro de 2010

Qual é o seu signo?

___Posso não ser a pessoa mais sociável do mundo, porém, precisando, sei conversar. Não que eu entenda de tudo (provavelmente não entendo de nada), só que estabelecer conversas cotidianas simples não costuma ser um grande desafio, mesmo quando é um assunto que pouco me interessa. Só tenho um calcanhar de Aquiles: signos.
___Juro que não consigo entender como pessoas adultas, donas de todas as suas faculdades mentais, conseguem falar de signos como se fosse algo minimamente sério.
___– Nossa, você também gosta de Ultraje a Rigor?
___– Sim, gosto bastante. – respondo, esperando o início de uma conversa sobre música. Porém, ao invés disso, vem um “Puxa, que bacana. Qual é o seu signo?”.
___Abalado com aquela pergunta um pouco fora de lugar introduzida de supetão na conversa, gaguejo a resposta, um tanto em tom de pergunta “Ah... er... A-Aquario?”.
___– Ah, é por isso que você gosta. Pessoas de Aquário apreciam ironias e brincadeiras.
___A conversa muitas vezes tende a tropeçar nesse ponto. Não sei exatamente o que falar para continuar o assunto, “Ah é? E as de Câncer?” ou “Mesmo? Achei que eram as de Virgem e Sagitário.” ou “Meu horóscopo diz que as pessoas de aquário sempre são sérias, casmurras e com tendências psicóticas.”. Não vejo sentido em falar mais nada. Se a pessoa está colocando na conversa algo estapafúrdio como signos, só tenho vontade mesmo de colocar outra coisa bizarra como um “Jura? E você sabia que o Sandman sonha em aprender a dançar samba de gafieira?”.


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P.S.: Como extra, ficam alguns dos meus quadrinhos preferidos da série Horóscopo, da revista beleléu.


Capricórnio - Plinio Fuentes


Aquário - Pablo Mayer


Áries - Eduardo Arruda

2 de novembro de 2010

Coleção Chico Buarque

___Comprar CDs originais de música tornou-se um hábito razoavelmente raro; entendo perfeitamente e não critico quem não compra. CDs costumam ser caros, complicados de serem carregados/armazenados e seu conteúdo pode ser baixado, sem grandes dificuldades, pela internet. Por isso mesmo, atualmente, um dos poucos motivos que podem me levar a comprar um CD de música, é se encontro com ele mais do que apenas música.
___Essa foi, para mim, uma surpresa muito positiva da Coleção Chico Buarque. Convidado pela agência de comunicação e relacionamento digital Grudaemmim para divulgar a Coleção aqui no blog, tomei contato com o primeiro disco. Não só o conteúdo musical é ótimo, como, também, o livreto que acompanha o CD é bastante interessante.
___Deixem-me explicar qual a ideia da coleção. Toda semana é relançado um disco do Chico. Exatamente isso, relançado. Um determinado disco é escolhido (veja cada um deles aqui) e lançado tal qual o original: com as mesmas músicas, ordens, capa (mas, claro, em formato de CD). Além do próprio disco, cada número da coleção vem com um livreto. É aí que está o extra que fez com que eu me empolgasse.


Coleção Chico Buarque - Volume 6


___Cada livrinho conta a história do disco que o acompanha (como foi o lançamento, se as músicas sofreram censura), um pouco da biografia do Chico Buarque e uma seleção interessantíssima de fotografias da época*. Em um curso de História, esse material (com o disco, claro) seria diversão garantida por um bom tempo.
___Quem se interessou, pode adquirir a coleção em bancas de jornal ou no site. Comprando por este link aqui do blog, os leitores recebem um desconto de 20% (maior que o do site da Abril). Quem se interessou, mas não pode gastar, dê uma passada no blog da Coleção; sempre rolam alguns textos interessantes sobre os discos lançados e afins.


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Nota: Depois do rolo que aconteceu –, com blogueiros acusando a Abril de ter colocado a foto de Serra na década de 70 no encarte do primeiro CD como artimanha política e com o editor da Coleção se defendendo –, achei melhor deixar para publicar este texto agora, pós-eleições.


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* Claro que fotografias de época podem ser uma desvantagem. O Chico ficava horrível de bigode. ;-)

29 de outubro de 2010

Serra e a educação

___Vocês já viram que linda a ideia do “Pacto pela Educação” sugerido pelo candidato José Serra?








___Já puderam ver suas propostas para a Educação?








___Lindo, não? Não!


Serra e a Educação Pública, por Carlos Latuff


___Não é lindo. É nojento. Causa asco. O Serra falando que vai fazer algo para melhorar a Educação é algo extremamente ofensivo para alguém que, como eu, adora ser professor. E, saibam, posso dizer isso com conhecimento de causa, com muito conhecimento de causa. Não só sou professor de Ensino Médio de uma escola estadual, como sou professor da melhor escola estadual de São Paulo. Sim, é isso mesmo, eu sou professor de uma das escolas que o PSDB usa para esfregar resultados na cara dos outros. Eu sou professor da ETESP, da Escola Técnica Estadual de São Paulo.
___Ótimo centro educacional, a ETESP tem o processo seletivo mais disputado das escolas estaduais paulistas. Os alunos, portanto, costumam ser bem inteligentes e preparados. Além disso, parte do corpo docente é extremamente dedicada e a ativa Associação de Pais e Mestres faz muitos dos investimentos que o estado deveria fazer. Por fim, os resultados acadêmicos dos alunos superam o de qualquer escola estadual paulista, seja no vestibular, seja em outros critérios.
___O porém é que nenhum desses méritos da melhor escola estadual de São Paulo existe por conta do governo do PSDB, nenhum existe por conta do Serra. A escola se mantém com ótimos resultados graças aos alunos inteligentes e esforçados, a uma Associação de Pais e Mestres participativa e a um punhado de professores-sonhadores-idiotas que se matam para fazer tudo funcionar.
___Faz muito tempo que o governo estadual não faz grandes investimentos na ETESP, inclusive, nos mais de três anos em que José Serra foi governador do estado, a escola só viu seus recursos minguarem (novas salas foram abertas, sem que a escola recebesse estrutura para tanto). As salas são superlotadas (quantas vezes já não tropecei em algum aluno enquanto dava aula) e com pouquíssima manutenção (janelas quebradas, goteiras). O número de funcionários é bizarramente limitado, a ponto dos alunos terem de protestar para conseguir mais uma (UMA!) funcionária para a limpeza.
___O material fornecido pelo governo também é parco. Giz, mais de uma vez faltou. Variedade das cores de giz, falta sempre. Além disso, as máquinas que a escola tem, falham (retroprojetores que não funcionam, televisores sem som) ou existem em qualidade limitada (pouquíssimos datashows, número deficiente de computadores).
___Como acreditar nas promessas de um candidato que trata assim sua melhor escola?
___As mazelas, infelizmente, não terminam aí. Sabem a historinha de dar “ao filho do pobre as mesmas oportunidades que se dá ao filho do rico”? Pois bem, as escolas técnicas contam com um número de aulas limitado; as manhãs do Ensino Médio possuem apenas 5 aulas. Não é possível separar as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, História do Mundo e do Brasil. Completamente diferente de qualquer boa escola de elite.
___Por fim, vale falar do salário. Eu sei que dá um pouco de medo de falar do assunto, pois José Serra e o PSDB contam com um admirável histórico de reagir com violência contra professores que tocam nesse tema; mesmo assim, vou em frente. O salário pago pelas escolas técnicas estaduais é de meros 10 reais. Se eu for de metrô ou ônibus à escola para dar uma aula, mais da metade do que eu ganhar fica na tarifa das passagens.


Serra e a Educação, por Carlos Latuff


___A história de dobrar o número de vaga nas escolas técnicas não resolve de nada se não existem professores para ocupar essas vagas. Participei de várias bancas de contratação, até para as novas escolas técnicas, mas, com um salário tão baixo, são poucos os bons professores que se interessam pelas vagas. Quantas tardes não passei reprovando punhados de professores semianalfabetos – praticamente os únicos que se interessavam por aulas com salários tão baixos.
___São por esses e por milhares de outros motivos que eu não consigo olhar sem asco às promessas de José Serra para melhorar a Educação. E, caro candidato, se quiser arrumar um modo de me demitir, como reza a lenda você já fez por aí, vai fundo, manda demitir. Só terei a dizer que a ETESP perderá um dos seus melhores professores (um dos poucos otários que aceita se matar para fazer a escola manter o seu grau de excelência) e o senhor, então, estará provado que o seu “Pacto pela Educação” não é mais do que uma promessa vazia. Acho, sinceramente, que a Educação tem mais chance de melhorar se fizer um pacto com o demônio do que com o senhor.


Serra, por Carlos Latuff

28 de outubro de 2010

Todos os alunos têm dificuldade?

___Dia desses, eu estava conversando com uma professora de tango, quando o assunto caiu nas aulas de dança que damos por aí. Falamos do tipo de música que escolhemos, sequências de passos, musicalidade, alunos. De alunos, comecei a falar de um aluno meu, velhinho, que tem problemas de audição e, portanto, dificuldade para aprender a dançar certas coisas.
___– Dificuldade em aprender?, perguntou ela sorrindo. Como todos?
___Sorri sem graça. Queria ter respondido “Na verdade, não, ele não tem dificuldade como todos. Principalmente porque a maioria dos meus alunos não tem dificuldade.”, mas, em um raro momento inspiração (inspirado principalmente pela beleza da moça), engoli a resposta em seco.
___A verdade é que o problema não é apenas da professora de tango. Trabalhei por quase uma década como bolsista de academia de dança de salão completando par (o número de mulheres na dança de salão é muito superior ao dos homens e, portanto, muitas academias arrumam dançarinos para completar os pares); sei bem como são raros os professores que conseguem ensinar os alunos a dançar e acham isso normal.
___A maior parte desses “professores que não ensinam” é composta por inúteis preguiçosos mesmo. Porém, existe uma pequena parcela de esforçados que não entende o que há de errado, não entendem por que não aprendem o que eles tentam ensinar.
___Para esse grupo, cunhei um pequeno ensaio sobre classificação de alunos de dança (brinco com ideias de reducionismo, quantificação, avaliação, metonímia) que pode servir como uma base para uma metodologia de ensino. O ensaio acabou sendo selecionado para ser apresentado no Simpósio Universitário da Semana da Cultura Latina, aqui em Sampa.
___Para os interessados (de preferência professores de dança esforçados), irei dar uma pequena palestra na segunda-feira, dia 01/XI, às 10h. Prometo que estarei pronto para esclarecer qualquer dúvida da platéia, principalmente de belas professoras de tango.


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P.S.: Inicialmente, para propagandear o evento, pensei em postar um trecho do ensaio aqui no blog (minha escrita acadêmica não é chata e inacessível). Entretanto, eu já tinha parte dessa historinha rascunhada e ela servia bem ao propósito. Espero que tenha sido uma boa troca.

25 de outubro de 2010

“A alternância no poder é a essência da Democracia”. Não entender as próprias afirmações é a essência da imbecilidade.

Nota introdutória: Perdoem-me, eu sei que o título saiu um pouco agressivo. O motivo para isso é que eu achei que ele combinava tão bem com o assunto e com o momento eleitoral que eu não quis desperdiçá-lo.
___Desculpas feitas, vamos ao texto.


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Ninguém pode, por Laerte


___Deixem-me dizer uma coisa, alternância no poder não tem porcaria nenhuma a ver com democracia. Fico boquiaberto de ver gente que, normalmente, não come grama falando uma bobagem dessas.
___A essência da democracia é seguir as resoluções da maior parte das pessoas. Todos podem dar sua opinião, o seu voto, mas a resolução final é seguir a vontade da maioria. Por mais absurdo que pareça, se a maioria resolver votar pela implantação de uma ditadura, essa decisão será democrática.* A ditadura implantada provavelmente não será democrática, mas a decisão de implantá-la terá sido.
___Para que todos possam exercer plenamente a democracia, a liberdade é uma condição praticamente sine qua non. Ela é necessária, pois, para saber a vontade da maioria, todos têm de ter liberdade para expressar as próprias vontades. É a única forma de se descobrir se aquele desejo é o preponderante ou não. E, vale lembrar, se a escolha da maioria for acabar com a liberdade, essa escolha ainda assim será democrática.


Decisões, por Laerte


___Portanto, se a maioria decidir nunca empreender uma alternância no poder, então, queridos, essa decisão será democrática. Não-democrático seria um pequeno grupo impedir essa não-alternância. Não-democrático seria quem está no poder não permitir uma alternância à força ou por qualquer outro meio escuso. Não democrático seria tirar a liberdade das pessoas de escolher se preferem alternância ou não.


Ditadura, por Laerte


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* Cf.: Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demônios.

17 de outubro de 2010

Religião e eleições

___Neste segundo turno, vendo os candidatos sendo questionados sobre aborto, casamento homossexual e assuntos do tipo, tudo por conta da disputa do voto dos religiosos, tudo para conseguir angariar o voto de pessoas que seguem, sem pensar, regras que foram estabelecidas há séculos, fico cada vez com mais nojo da falta de senso crítico das pessoas. Por sorte, sempre aparecem pessoas que parecem sensatas e que me ajudam a sorrir nesses momentos próprios de uma Idade das Trevas.
___Uma dessas pessoas é o maravilhoso André Dahmer. Ele sempre me diverte com seus quadrinhos, mas, para esse tacanho moralismo religioso que tem poluído o debate político, são as frases que ele coloca acima das tirinhas que me alegraram em uma tarde de releitura do seu site. Ficam algumas.


Malvados Golden Series
Malvados Golden Series


___De todas, a que melhor se encaixa com o irracionalismo religioso que tem se alastrado é essa última.


Malvados Golden Series


___Amém.

15 de outubro de 2010

Por favor, não alimente os professores

Não alimente os animais


___Intervalo de aulas. Sigo para a sala dos professores. Ao entrar, encontro a mesa central montada com toalha, sucos variados, sanduíches. Xanadu.
___Sento feliz, pego um sanduíche. Assim que vou dar a primeira mordida, a professora de Química fala, com a voz levemente alterada: "Não! O lanche não é para os professores.".
___– Não?
___– Óbvio que não. Quantas vezes você já viu prepararem uma mesa assim para nós?
___– Nenhuma... –, respondi enquanto baixava o lanche. Para quem é, então? Tem algum evento, algum convidado de palestra hoje?
___– Não sei. Mas, como nunca fazem isso para nós, só posso supor que não é para o nosso bico.
___Não sei se é mais triste os professores nunca encontrarem nem um lanchinho na sala dos professores ou já estarem tão acostumados a isso que automaticamente pensam que aquilo não é para eles.


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P.S.: Realmente, não era para o bico dos professores. A escola tinha convidados no dia.
P.P.S.: Não contei antes para não estragar a narrativa, mas, depois que a professora disse que não sabia para quem era aquilo, mas que, com certeza, não era para os professores, eu peguei o sanduíche novamente e, dando de ombros, comi.
P.P.P.S.: Eu sei, eu sei. Fui criado em um celeiro.

12 de outubro de 2010

Formspring me – Mauricio Ulisses Adirt

___Vivem me perguntando o motivo pelo qual eu não tenho um twitter, não abro um formspring e coisas do tipo. A resposta é simples: eu não tenho tempo. Gosto do meu cotidiano e não posso sacrificar o tempo que uso para preparar aulas, cuidar dos meus projetos pessoais, estudar passos, atualizar o blog, pesquisar, ir ao teatro, namorar, ler, organizar uma invasão a Washington e coisas do tipo. Criar uma conta no Twitter e mantê-la decentemente atualizada demandaria um tempo que não tenho. Pelo menos agora não consigo imaginar como adicionar algo do tipo à equação do meu dia-a-dia.
___Mesmo assim, imagino eu que consigo dedicar um tempo que seria gasto produzindo uns textos respondendo algumas perguntas. Portanto, deixo esta postagem como um Formspring (não, não vou abrir uma conta).
___Formspring, para quem não sabe, é um site em que as pessoas podem perguntar, de maneira anônima, o que quiserem para os cadastrados. O anonimato permite que virtualmente seja feita qualquer pergunta e o dono da conta decide o que deixa público para responder e o que resolve esconder. Para quem quiser dar uma olhada como o brinquedo funciona, vejam os formsprings do Idelber Avelar, do Lord Ass e o do Alex Castro. A graça das respostas é proporcional ao quão interessantes são as perguntas feitas.
___Para agradar os leitores voyeurs e simpatizantes em geral, deixo esta postagem para que sejam feitas as perguntas que vocês quiserem. Podem mentir os e-mails de vocês à vontade e perguntar de maneira anônima, se assim lhes agradar. Daqui umas duas semanas, pego as perguntas que tenham sido feitas e respondo. Comprometo-me a responder todas. Não prometo sinceridade, mas juro que mentirei nas respostas de maneira convincente. Divirtam-se.


8 de outubro de 2010

Chico - publieditorial

___Há cerca de um mês, a agência de comunicação e relacionamento digital Grudaemmim veio me procurar, perguntando se eu tinha interesse em divulgar a Coleção Chico Buarque, que a Abril está lançando. Como escrever sobre o Chico parece interessante (e o assunto realmente combina com o conteúdo do Incautos), aceitei feliz e contente.
___Para que eu pudesse falar mais propriamente da coleção, a Grudaemmim me enviou um kit de imprensa:


Coleção Chico Buarque - Caixa


___Sim, uma caixinha simples, contendo o primeiro CD da coleção. O legal (além do CD, é claro) não foi a caixa e, sim, como ela foi montada por dentro, com um fone de ouvido de brinde, arranjado de modo a formar um par de colcheias.


Coleção Chico Buarque - Kit de imprensa


___Meu plano é publicar outra postagem comentando o primeiro CD da coleção. Mesmo assim, já vale dizer que, quem quiser adquiri-la por este link, consegue comprar a coleção com 20% de desconto.


6 de outubro de 2010

Crônicas do 1º Turno (Parte II de II)

Um documento, sem foto
___Entre as brigas que aconteceram nestas eleições, uma delas foi sobre a necessidade ou não da apresentação de dois documentos para se votar. A decisão final do STF foi que só seria necessário apresentar um documento oficial com foto. Sabendo disso, levei meu RG, mas, por desencargo de consciência, também levei o título de eleitor.
___Na fila, entretanto, resolvi ver o que aconteceria se eu não cumprisse a lei. Deixei o RG guardado na carteira. Assim que cheguei aos mesários, mostrei apenas o Título de Eleitor, sem foto. Ninguém demonstrou qualquer estranhamento. Conferiram meu nome na lista, pediram para que eu assinasse e me mandaram seguir. Votei em menos de um minuto.


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A fila
___Como relatei, a sala de votação estava realmente animada enquanto eu fiquei na fila. Mesmo tendo levado um livro, não desgrudei os olhos do que aconteceu lá dentro desde a entrada do velhinho. Por isso mesmo, não olhei nenhuma vez para trás enquanto estive na fila.
___Na saída da urna, entretanto, olhei para a fila e senti pena. A fila da minha sala estava tão grande que começava a atrapalhar a fila da seção seguinte.


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Boca de urna
___Caminhando de volta para a casa da minha namorada, encontrei uma moça do PV fazendo boca de urna.
___– Ei, moço! O senhor tem candidato para deputado federal?
___– É... Tenho sim...
___– Mas, você conhece mesmo ele? Sabe se ele vale a pena como político? Quero apresentar para você o Fulano, número 43XX*, vote, vote, vote, porque o PV vai, vote, vote, vote, um cargo importantíssimo, vote, vote, vote, ele é extremamente honesto...
___Pensei em falar que ela não deveria estar fazendo boca de urna, que um político honesto não iria pedir para distribuir santinhos no dia da eleição, mas a moça era bonita e eu preferi apreciar ela falando.
___– ... leve este panfleto e pense bem. Talvez valha a pena você mudar seu candidato. – terminou a moça, estendendo-me um santinho.
___Ao mesmo tempo em que comecei a estender a mão para pegar o papelzinho, eu disse:
___– Obrigado. Só que eu já votei.
___A moça fechou a cara e, antes que eu pudesse fechar a mão para pegar o santinho, recolheu o braço. Colocou o papel junto com os outros, virou as costas bruscamente e saiu caminhando.


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Fogos de artifício, crônica de um ingênuo
___Durante parte da apuração, fiquei na internet, procurando notícias, acompanhando os resultados. Pouco depois que escureceu, minha namorada chegou com uns amigos e insistiu para que sentássemos para jogar pôquer.
___Ficamos jogando por um bom tempo e eu deixei a apuração de lado. De repente, começamos a escutar o barulho de fogos de artifício. Muitos fogos.
___Imaginando que os fogos marcavam o fim da disputa presidencial, eu disse: "Não é bonito, gente? As pessoas estão felizes com o resultado das eleições. Estão soltando fogos para festejar. Puxa... já pensaram? É a primeira vez que uma mulher é eleita presidente, em um país machista como o nosso, direto no primeiro turno, e as pessoas estão tão felizes que estão soltando fogos.". Na mesa, pessoas das mais diferentes opiniões políticas. Menearam com a cabeça, um ou outro sorriu.
___Levantei, fui olhar os resultados. Fogos ainda estourando. Dilma, 46%; Serra, 32%. As pessoas não estavam festejando uma vitória, um resultado final de disputa presidencial. Festejavam porque Dilma não havia conseguido vencer logo no primeiro turno. Festejavam uma não-vitória. Como um corintiano soltando rojões porque o Palmeiras tomou um gol do Flamengo.
___Acho estranho festejar assim. Porém, o caso talvez seja que eu sou muito ingênuo. Pelo menos ganhei no pôquer.


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* Não estou preservando o nome do candidato, nem nada do tipo. Só não lembro.

5 de outubro de 2010

Crônicas do 1º Turno (Parte I de II)

___Algumas coisas que aconteceram no meu 1º turno destas eleições foram dignas de nota. Imaginei que poderiam gerar algumas crônicas interessantes, crônicas que funcionariam melhor juntas e publicadas enquanto as informações sobre as eleições estão frescas na cabeça dos (e)leitores. Seguem:


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Impacientes
___Cheguei cedo à minha seção eleitoral, pronto para votar. Sorri, pouca gente na fila – uma moça ruiva, um velhinho e um cara barbado, beirando os 50 anos. Imaginei que tudo ocorreria rapidamente. Realmente, a moça entrou quase ao mesmo tempo em que um garoto de boné saia da sala e, em menos de dois minutos, já havia saído.
___Então, o velhinho entrou.
___Para começar, ao contrário de mim, que já estava com meu Título de Eleitor em mãos, o velhinho primeiro chegou perto dos mesários, para, então, começar a procurar a carteira – como se ele tivesse todo o tempo do mundo. Parecia que iria demorar, mas, a carteira estava lá, no terceiro bolso do terno. Os mesários, com cara de poucos amigos, agiram rapidamente e, na hora de assinar, o tempo voltou a correr na velocidade do velhinho. Ele disse que tinha de trocar os óculos (estavam no segundo bolso). Ele assinou, voltou a usar o outro par de óculos e foi para a urna.
___Da porta, eu observava todo o ritual do velhinho. Ele chegou à urna, arrumou a cadeira que estava ao lado e sentou. Voltou a procurar os óculos (segundo bolso). Após a troca dos óculos, passou a procurar sua cola (primeiro bolso). Começou a votar. Depois de um minuto ele disse:
___– Não está aparecendo meu candidato. Eu estou apertando os números e aparece nulo aqui.
___Um dos mesários responde: "É só apertar 'corrige' e digitar o número novamente.".
___Novo minuto.
___– Apareceu "nulo".
___– É só apertar "corrige", digitar o número novamente e apertar confirma.
___– Vocês não podem vir me ajudar?
___– Não podemos, senhor. Não é permitido.
___Imagino que deva mesmo ser proibido os mesários ajudarem, mas o velhinho estava ficando com cara de desesperado. E, quanto mais desesperado ele ficava, mais impacientes ficavam os mesários e parecia cada vez menor a vontade deles de ajudar.
___– Deu nulo novamente. Como resolve?
___Uma mesária perdeu a paciência, levantou e disse "É assim mesmo. Digita o número agora e aperta confirma.".
___Ele digitou novamente.
___– É para apertar confirma?, perguntou o velhinho.
___– Isso. Pode digitar.
___Ele apertou.
___– Vai, digita o outro. – ordenou em um tom que faria Vito Corleone obedecer.
___– Tá dizendo que é nulo.
___– É só digitar novamente e apertar confirma.
___E assim tudo continuou. Quando ouviu-se a musiquinha final, ela disse "Acabou. O senhor pode ir.".
___– Mas, eu não queria anular.
___– Não anulou, não. É assim mesmo. Pode ir tranquilo. – disse a moça, com uma cara doce, continuando a enganar o senhor.
___O velhinho saiu com uma cara estranha e eu fiquei me sentindo um idiota por não ter feito nada.


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Dois senadores
___Assim que saiu o velhinho, entrou o senhor de barba que estava à minha frente. Rapidamente ele entregou os documentos, assinou e foi para a urna.
___Digitou, digitou. Tudo parecia estar indo bem. Até que ele levantou e disse:
___– Ei! Que palhaçada é essa?
___Os mesários olharam assustados.
___– Acabei de digitar o número do meu senador e apareceu para digitar senador novamente. Que merda é essa?
___– É assim mesmo, meu senhor. Nestas eleições, os eleitores votam em dois senadores. –, disse a mesária que havia "ajudado" o velhinho.
___– Vocês estão roubando! Eu já digitei o meu senador. É deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente. Eu já digitei senador!
___– Calma, moço. São mesmo dois sen...
___– Cala a boca, sua vaca! Eu vi você mentindo para o outro eleitor. Vai se foder! A mim você não engana.
___Começou uma bruta gritaria dentro da sala. Eu poderia ter resolvido rapidamente, pois eu tinha em mãos uma cola, mostrando o espaço para o número de dois senadores. Porém, como achei realmente errado o que fizeram com o velhinho que teve os votos anulados, apenas sorri e fiquei vendo os mesários sofrerem por alguns minutos. Eles mereceram.


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(Continua amanhã.)