30 de janeiro de 2010

Só e bem acompanhado

___Sou um dançarino medíocre. As damas adoram dançar comigo, mas a verdade é que danço muito mal. Por sorte, o tipo de dança que pratico, a dança de salão, é, por excelência, uma dança de casal. Como tenho um bom conhecimento da arte de dançar, uma boa musicalidade, imaginação e, principalmente, conduzo extremamente bem, a dança costuma se tornar prazerosa para o meu par.
___Mesmo com a minha postura de dançarino quase tão torta quanto a moral de Paulo Maluf, a dança não fica feia. Na dança de salão, o destaque costuma ser a dama e, portanto, as minhas outras habilidades compensam meus defeitos. No fim das contas, o resultado costuma ser positivo.
___Claro que eu só consigo superar meus defeitos e tornar a dança bonita porque tenho uma dama para embelezá-la. Sozinho eu não posso dançar. Só, não tenho habilidade o bastante nem para passar vergonha. Talvez por isso mesmo, eu admire tanto quem consegue, sozinho, fazer algo bem feito.






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___Tão grande quanto, é a minha admiração pelos atores que também sozinhos conseguem levar uma peça inteira. Quando bem feitos, monólogos são imperdíveis. Tudo montado para apenas um ator, todo o público atento naqueles instantes a apenas um artista. O resultado: fabuloso ou horrendo.
___Para apreciar esse prazer, uma ótima chance parece ser a 3ª Mostra de Solos que o Espaço Parlapatões está organizando. Seis monólogos foram selecionados para serem exibidos neste final de semana.



___Como demorei para olhar meus feeds, descobri a notícia com certo tardar; as peças de sexta já foram. Mesmo assim, ainda é possível aproveitar as peças de sábado e as de domingo. Estou morrendo de vontade de ver, hoje, Determinadas Pessoas-Weigel. Para o domingo, serão apresentadas duas peças que já comentei aqui no blog: Doido, que eu não recomendo, e a fabulosa Mediano, que recomendo sem nenhuma reserva.
___Estarei lá na noite deste sábado e na de domingo. Quem for, não precisa ficar só.

28 de janeiro de 2010

Teste de paciência

___Pela segunda vez na vida fui assaltado por um desgraçado mais bem vestido que eu. Não, não estou falando de política.




___Voltar a pé para casa, sozinho, no meio da noite é duro.
___Pior ainda é, nervoso, tentar cancelar o celular roubado. “Bem vindo à Central de Atendimento. Se você é cliente da nossa operadora, disque 1. Se quer se tornar cliente, disque 2. Se você quer deixar de ser cliente, vá se foder, disque 3 e se prepare para aguardar muuuuuuuuuuuuuuito na linha.”. Disquei 1. Aguardei apenas muito, sem nenhum “u” a mais.
___Depois de ouvir umas musiquinhas chatas, entremeadas com propagandas dos fantásticos serviços da operadora, fui atendido por outro atendimento eletrônico. “Se você quer colocar crédito no seu celular, disque 1. Se você quer ver o seu saldo, disque 2. Se você ouvir as imperdíveis promoções de nossa operadora, disque 3. Se você ganhou uma fortuna e quer virar nosso acionista, disque 4. Se você quer bloquear o número da sua sogra, disque 5. Para outros serviços, disque 9.”. Disquei 9. E assim foi, por muito tempo, até finalmente chegar à opção “Se seu celular foi perdido ou roubado, disque X.”. Disquei e, depois desse teste de paciência que faria até Jó blasfemar, bloqueei o aparelho.
___Tudo bem, isso tudo foi extremamente chato e tudo mais. Porém, crítica, crítica eu gostaria de fazer ao treinamento que dão para o pessoal do telemarketing. Depois de informar para a atendente que fui roubado, ela começou a declamar uma longa série de vantagens que eu teria se reativasse a linha, quais promoções poderiam me dar celulares novos, etc., etc.. Assustado, impaciente, de mau humor, tudo o que eu não queria era ficar escutando mais propagandas de celular.

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P.S.: Para os queridos voyeurs do meu cotidiano, estão aqui as outras duas vezes em que fui assaltado desde que tenho este blog. Como das outras, estou inteiro.

27 de janeiro de 2010

O pai dos argumentos estúpidos, versão HQ

___O Laerte é mesmo genial.
___Um dos clássicos aqui do Incautos é um texto de 2008 chamado “O pai dos argumentos estúpidos”. Nele, eu construo toda uma argumentação para demonstrar que problemas como o da Fome existem e não devem ser ignorados, mas que isso não é desculpa para deixar de fazer outras mil coisas.
___Genial como sempre e trabalhando com as grandes tragédias que ficaram espalhando sangue pelos noticiários dos últimos tempos, Laerte produziu a seguinte tirinha da Muriel:



___Não falta nada. Uma pessoa fazendo algo e a outra criticando. Um tentando ajudar e o outro impondo barreiras. O inútil que trouxe barreiras demonstrando que não faz nada. Simplesmente lindo.
___De qualquer modo, não tem jeito. Chatos inúteis que só reclamam existem aos montes...

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P.S.: Texto indispensável como complemento para o assunto: “Cinco truísmos que querem silenciar o debate”, de Idelber Avelar.
P.P.S.: Para ajudar o pessoal do Haiti, use seu dedo e clique aqui. Para Angra dos Reis, use seu dedo e clique aqui. Para encher o meu saco e dizer que isso é só populismo barato, use seu dedo em outro lugar.

24 de janeiro de 2010

Lula, o censurador, e a preguiça

___Dia desses, recebi um e-mail intitulado “Lulla censurou blog de Adriana Vandoni”. A mensagem começa com garrafais letras roxas:



O BLOG DE ADRIANA VANDONI ESTÁ CENSURADO POR ORDEM JUDICIAL!
Mulher de coragem que fala o que deve está sendo punida pelo governo Lula!
Veja abaixo o texto que foi censurado pelo governo Lula.
Publicado por Adriana Vandoni em 10 novembro, 2009, às 13h31
Abs. XXXXXXXXXX

___Abaixo, vinha o tal texto censurado, com uma diagramação maluca, com várias cores e tamanhos de letra.




“Já tivemos presidentes para todos os gostos, ditatorial, democrático, neo-liberal e até presidente bossa nova. Mas nunca tivemos um vendedor de ilusão como o atual. Também nunca tivemos uma propaganda à moda de Goebbels no Brasil como agora. O lema de Goebbels era ‘uma mentira repetida várias vezes, se tornará uma verdade’. O povo, no sentido coletivo, vive em um jardim de infância permanente.”. (O restante do texto pode ser lido aqui.)



___O e-mail, então, terminava com uma frase toda em maiúscula, em vermelho berrante: “COMO O BLOG FOI MORDAÇADO JUDICIALMENTE PELO GOVERNO, VAMOS DIVULGÁ-LO!”.
___Sem utilizar nenhuma outra cor ou tamanho de letra além das habituais, retruquei o e-mail para a longa lista das pessoas que o haviam encaminhado.

Meus queridos,



___Reenviar e-mails e acusar os outros é fácil. Pesquisar, acreditem, também é.
___Peguei esse e-mail-corrente intitulado “Lulla censurou blog de Adriana Vandoni” (sic), li e, antes de sair reenviando por aí como vocês fizeram, fui até o
Google e digitei “Adriana Vandoni”. Resultado: descobri que o Prosa e Política, o blog dela, estava aberto e podia ser acessado sem problema algum. Nada de “BLOG... MORDAÇADO JUDICIALMENTE PELO GOVERNO” como conclamava o e-mail. Duvidam? Entrem, então, no blog. Fica nesse endereço: http://www.prosaepolitica.com.br.
___No banner de topo, entretanto, está anunciado que o blog realmente sofreu censura. Porém, só por ler o banner se descobre que a censura foi causada por conta de comentários feitos contra José Riva. O presidente Lula, para aqueles que têm preguiça até de procurar no
Google, saibam, é do PT; o deputado estadual do Mato Grosso José Riva, do PP. Entendem? Só para ressaltar: Luis Inácio Lula da Silva e o porco censurador José Geraldo Riva são pessoas diferentes, com cargos diferentes e de partidos diferentes. OK?




___Mas, não paremos por aqui. O e-mail-corrente que atacava o Lula dizia que o texto censurado foi “Publicado por Adriana Vandoni em 10 novembro, 2009, às 13h31”. Já que eu estava no blog da moça, fui até os arquivos, exatamente no dia 10 de novembro de 2009 e... O texto falando mal do Lula estava lá, bonitinho, calminho, inteirinho sem nenhuma mordaça.
___Vale também acrescentar dois comentários. (1) O autor do texto na verdade não é a Adriana Vandoni e, sim, o jornalista Laurence Bittencourt Leite. Adriana e Laurence, assim como Bozo e Boris Casoy e como Lula e Riva, são pessoas diferentes. Ela é a dona do blog censurado; ele, autor do texto que não sofreu represália alguma e que, por acaso, foi publicado no blog de Adriana. (2) Se vocês copiarem umas linhas do texto “Lula, o ilusionista” (o texto que não foi censurado) no
Google, vocês irão descobrir que muita gente republicou o texto por aí afirmando que ele foi censurado. Quanta gente que não pesquisa, né?
___Espero que tenham aprendido um pouco. Prestem atenção antes de ficar por aí espalhando um monte de mentiras. Ou vocês esperam, como Goebbels, que mentiras como essas virem verdade só porque foram repetidas um monte de vezes?


Beijos e abraços a todos.
M. Ulisses Adirt.

___Por algum misterioso motivo, nenhum dos spammers que me repassaram o e-mail-corrente denunciando a “censura” se manifestou. A vida é assim.

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___Para conferir todas as informações, escrevi também para a Adriana e para o Laurence perguntando pelo caso. Rapidamente e de maneira muito educada, ambos me responderam. Procurando desfazer a confusão mostrando que o artigo “Lula, o Ilusionista” não está censurado, Adriana Vandoni editou-o e republicou-o no último sábado (original, aqui).
___Obter as informações que tornavam o e-mail-corrente infundado não me custou nem cinco minutos. Para evitar acusações sem fundamento, vale dizer, parece um tempo muito bem gasto. Repetindo o mote inicial do meu e-mail, “Reenviar e-mails e acusar os outros é fácil. Pesquisar, acreditem, também é.”.

22 de janeiro de 2010

Inveja do Rio de Janeiro

___Não tenho inveja do Rio de Janeiro porque ele sempre continua lindo, por ser uma cidade maravilhosa ou pela sua fama internacional. Fico contente de saber que o Rio mantém muito bem a UFF, a UFRJ, a Academia Brasileira de Letras e a Biblioteca Nacional. Admiro a paisagem, o Cristo e o Pão de Açúcar, mas o que posso ver em Sampa me satisfaz bem mais. Não sinto inveja das praias, das moças de biquíni ou do aplaudível pôr-do-sol.
___A única coisa que realmente me causa inveja na Cidade Maravilhosa é a existência cada vez mais comum de placas como essa:



___Do mesmo modo que toda namorada sabe que é, sem dúvida, a mulher mais linda do mundo, todo motorista sabe que “Nas vias urbanas... a circulação de bicicletas deverá ocorrer... nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.” (Código de Trânsito Brasileiro, artigo 58). Mesmo assim, lembrar só faz bem.
___Se espalharem essas placas aqui em Sampa, prometo que, na semana seguinte, começo a campanha pelo o uso mais frequente de biquíni na Avenida Paulista. Que São Sebastião nos abençoe.

19 de janeiro de 2010

Preâmbulo

___Muito já se especulou sobre o que acontece após o “... e viveram felizes para sempre.” do final dos contos de fadas. Por outro lado, pouco se discute sobre o que veio antes do “Era uma vez...” além do que a própria introdução da estória já fornece.
___Sei que o escritor Luiz Biajoni está bem longe de ser o autor de algum tipo de história infantil, mesmo assim o cara é dono de boas ficções. Dia desses, navegando pela internet, encontrei exatamente o que veio antes do “Era uma vez...” do mais lido de seus livros. Fica o vídeo com o dueto das personagens Luiz e Virgínia cantando o que aconteceu antes da história da Novela Marrom.






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Atualização: Aproveitando que o assunto é sexo anal, deem uma olhada na fabulosa comida de rabo que o Bortolotto deu em uns jornalistas da Folha de São Paulo.

16 de janeiro de 2010

Mais de um motivo para não ler um autor

___Em 2008, um textinho meigo que escrevi sobre livros de bolso acabou causando uma grande polêmica porque utilizei, algumas vezes, o estrangeirismo pocket books. Reclamaram que, como existe a expressão “livros de bolso”, usar a estrangeira era um pecado sem par, um desrespeito à língua e bobagens do tipo.
___Já falei em outra oportunidade que “defesa do Português” é uma idiotice e, de qualquer modo, esse não é o assunto de hoje. Cito o ocorrido porque, em meio à sanha nacionalista, uma simpática leitora resolveu fazer uma indicação literária:


Leia Ryoki Inoue, além de ser um excelente autor é brasileiro o que nos orgulha muito, daí quando acabar suas páginas ficará com o patriotismo em alta.”.



___Isso foi em 2008. Até hoje eu ainda não li o tal do Ryoki Inoue. Admito, por melhores que tenham sido as intenções da comentarista que mo indicou, ficar “com o patriotismo em alta” não me dá vontade alguma de ler uma obra; muito pelo contrário.



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___Não vejo vantagem em ficar louvando um país. É uma atitude, para qualquer um que pare um pouco e pense no assunto, absurdamente irracional. Imaginem o disparate que é não gostar de alguém porque a pessoa nasceu depois da fronteira tal. Vejam se é concebível ceder abrigo, ler ou dar para alguém simplesmente porque esse ser humano nasceu na mesma terra que você. Absurdo dos absurdos: pensem se vale a pena matar uma pessoa porque ela representa outra nação.
___Não vou amar um Estado só porque eu nasci nele. Se for um local que vale a pena por N motivos, eu posso até gostar muito dele e querer preservá-lo, mas não vou amar incondicionalmente o Brasil só porque ele é o país em que a minha mãe me pariu.


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___O elogio que a comentarista fez sobre Ryoki Inoue acabou me afastando dele por muito tempo. Mesmo assim, pensei em conhecer uns autores novos nessas férias e fui procurar o nome que estava perdido nos comentários antes de ir à biblioteca. Assim que achei o nome do Ryoki, dei uma olhada na biografia do rapaz e descobri que ele está no Guinness Book por já ter publicado mais de 1000 livros.
___Fugi novamente do escritor. Ler alguém porque o cara é brasileiro ou para ficar com o nacionalismo em alta é horrível. Ler um autor que, em pouco mais de meio século, publicou umas mil e tantas obras também não parece algo tão bom assim. Dá uma enorme impressão que falta um grande cuidado com o que se escreve; não parece existir um grande respeito pelo leitor. Na minha terra, livro (bom) não surge com a mesma facilidade que gritos em boca de sogra.

14 de janeiro de 2010

Linha bem menos tênue

___No fim do ano passado, fiz um textinho jocoso falando do estranho trailer do filme Ervas Daninhas, de Alain Resnais. Cronos me forneceu sua benção e pude ir ao cinema assistir a obra. Acho, então, que consegui decifrar o estranho trailer.
___Claro que não posso dar certeza de que interpretei corretamente. Apesar das imagens bonitas e bem montadas, o filme é de difícil interpretação (se é que realmente existe um sentido nele). Minha hipótese é que a resposta está no título.
___Claro que os brasileiros terão mais dificuldades para interpretar, pois o título, como não costuma ser incomum, provavelmente foi mal traduzido. O nome original, deve ser Ervas, não Ervas Daninhas. É a única explicação minimamente aceitável. Tudo, do trailer ao filme, das personagens às interpretações, das ações aos diálogos, das salas que aceitaram passar o filme aos distribuidores que quiseram distribuí-lo, tudo, tudo só faz sentido com a utilização de muita, muita erva.

12 de janeiro de 2010

Encargos do organizador

Ela: Amor, você já procurou informações sobre aquele negócio de fazer enduro?
Ele: Eu não. Você que tem de ver. Eu só vou acompanhar... Você sabe que só vou fazer algo assim porque você disse que gostaria muito de ter companhia por lá.
Ela: Oras, mas por que você não pode olhar?
Ele: Simples, meu anjo. Se você quer fazer algo que eu não tenho tanta vontade assim e faz questão da minha companhia, você que tenha o trabalho de organizar tudo. Por exemplo, se eu quero fazer um ménage à trois com a sua participação, mas você não tem tanta vontade assim, eu que tenho de encontrar a terceira participante. Tanto isso é verdade que você nunca chegou para mim espontaneamente e disse: “Olha, amor, encontrei uma ruivinha linda para brincar conosco.”.
___Pano rápido.

10 de janeiro de 2010

Beijando sapos

Atenção: Texto com spoilers do filme A Princesa e o Sapo.

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___Uma das estréias de férias escolares aqui no Brasil foi o desenho A Princesa e o Sapo. Historinha gostosa, bem montada, com uma trilha sonora bastante boa (principalmente para quem, como eu, gosta de swing).
___Entre as coqueluches do lançamento do filme estava o fato de que ele teria a primeira princesa afro-americana da Disney. Não só isso, como, também, que a história quebraria vários tabus, tendo uma princesa lutando para subir na vida da maneira tradicional, uma fada madrinha praticante de vodu, personagens ricas realmente boazinhas e coisas do tipo.
___Mesmo assim, nem sempre é fácil fugir de tabus e, principalmente, dos padrões que a sociedade considera aceitável. Não falo isso só pelo fato de que o filme que traz a primeira princesa afro-americana da Disney foge completamente de discussões sobre preconceito ou, pelo menos, sobre conflitos entre classes sociais. A Princesa e o Sapo também mantém idéias como um casamento tradicional como único caminho para a felicidade (inclusive com filhos, mesmo se não houver condições financeiras para criá-los) e que ser músico não é exatamente trabalhar.
___Provavelmente, quebrar padrões de maneira que chegue a incomodar não é bem a praia de um desenho animado. É uma pena.

6 de janeiro de 2010

Paulistanos através do espelho

Nota introdutória: Qualquer semelhança que algum leitor encontrar na paródia abaixo entre a Rainha Vermelha e Gilberto Kassab, o prefeito de São Paulo, e entre a pequena Alice e algum pobre e espoliado cidadão paulistano, será mera coincidência.


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___“De onde vem?” perguntou a Rainha Vermelha. “E para onde vai?”.
___“Só queria ver como era a cidade, Vossa Majestade...”.
___“Está bem”, disse a Rainha, dando-lhe tapinhas na cabeça, do que Alice não gostou nada, “Se bem que quando você diz 'cidade'... vi cidades que fariam esta parecer um vilarejo.”.
___Alice não se atreveu a contestar e continuou: “... e pensei em tentar chegar ao alto daquele morro...”.
___“Quando você diz 'morro'”, a Rainha interrompeu, “eu poderia lhe mostrar morros que a fariam chamar esse de vale.”.
___“Não, não fariam”, disse Alice, surpresa por tê-la contestado: “um morro não pode ser um vale. Isso seria um absurdo...”.
___A Rainha Vermelha sacudiu a cabeça. “Pode chamar de 'absurdo' se quiser”, disse, “mas ouvi absurdos que fariam este parecer tão sensato quanto um dicionário!”.
___Cansada daquele jogo, Alice desafiou a Rainha: “Então prove! Quero ver que absurdos são esses que fariam uma pessoa achar tão sensato quanto um dicionário chamar um morro de vale.”.
___“Ah, pobre criança, fico boquiaberta com tamanha ingenuidade.”, começou a Rainha, em um tom professoral que não permitia questionamentos. “Absurdo mesmo é estabelecer uma cruzada contra as propagandas e, pouco depois, obrigar os usuários de transporte público a assistirem televisão comercial durante suas viagens. Disparate é investir o dinheiro da prefeitura dos contribuintes do meu reino em obras destinadas apenas àqueles que possuem automóveis particulares e tratar isso como se fosse um ganho para toda a população. E absurdo, mas absurdo mesmo é fornecer para uma população de pouca renda um transporte público de baixíssima qualidade e cobrar R$ 2,70 por ele. O modo como faço os peões do meu reino de bobos é que, sem dúvida, é repugnante à razão.”.
___Com os olhos arregalados, Alice virou-se para o morro e foi inundada pela certeza de que se tratava de um vale.

(Livre adaptação do diálogo entre Alice e a Rainha Vermelha, no segundo capítulo do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll)


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P.S.: Os cidadãos paulistanos que quiserem deixar clara a sua indignação perante o aumento da tarifa dos ônibus que o prefeito de São Paulo impôs à população, estão convidados a participar de um ato de rua contra tal absurdo. Amanhã, dia 7/I, a concentração para a manifestação será no Teatro Municipal, a partir das 16h. Mais informações aqui.

5 de janeiro de 2010

Bonecas politicamente corretas

___Dia desses, saindo do metrô, encontrei um camelô vendendo bonequinhas. Ao contrário do que eu estava acostumado a ver durante a minha infância (na pré-histórica década de 80), as bonecas não eram todas brancas.




___Sei que algumas pessoas podem me retrucar que existiam bonecos negros em outras épocas. Mesmo assim, convenhamos, em 99% dos casos, esses bonecos eram absurdamente estereotipados, dificilmente eram parecidos com os exemplares caucasianos. No caso dos brinquedos vendidos por esse camelô, as bonecas negras e brancas eram igualmente bem trabalhadas em sua tentativa de imitar bebês.
___Entretanto, por mais bacana que seja saber que não são apenas os brinquedos branquelos a serem comercializados por aí, é sempre bom lembrar que isso não é solução de nada. O buraco em que nossa sociedade está enterrada é bem mais profundo.





3 de janeiro de 2010

Salve o Dramaturgo III

___Depois de tudo que aconteceu, saber que o Bortolotto está melhor e já escrevendo é a melhor notícia deste início de ano.

___Agora, só falta ele mudar o nome do blog ou comprar um colete.

2 de janeiro de 2010

Orgulho de ser bêbado

___De quando em vez, aparece algum leitor por aqui perguntando por qual motivo eu resolvi contar determinada história. Para quem pergunta educadamente, respondo que contei porque eu achei a história interessante, porque imaginei que poderia servir para que os leitores refletissem sobre algo ou porque seria possível contá-la de maneira divertida.
___– Puta vergonha! Os meninos aproveitaram que eu estava breaca e tiraram muitas fotos do meu decote e linkaram no Orkut. Dia seguinte, na faculdade, eu não tinha coragem de olhar para ninguém.
___Tempo é algo muito precioso. Se alguém me concedeu o privilégio da sua atenção, tenho quase obrigação de tentar contar uma boa história ou, pelo menos, contá-la de maneira interessante.
___– Naquele dia eu tava tão bebaço que dormi na rua. Acordei com um monte de gente passando, arrumados para o trabalho, e eu, lá, jogado. Até lasquei um dente e nem sei como.
___Em uma confraternização qualquer, acabei sentando em uma mesa em que praticamente todos bebiam. Depois de algumas rodadas, uma menina comentou que já estava ficando alta. Ao invés de parar, ela pediu outra bebida e começou a contar qual havia sido sua pior bebedeira. As pessoas em volta animaram-se com o assunto e começaram a contar os próprios casos.
___– Nunca havia bebido tanto. Todo mundo conta que eu fiquei rindo que nem uma tonta. O pior é que eu não queria parar de servir e acabei derrubando e desperdiçando um monte de bebida. Só me fizeram parar quando quebrei o copo e cortei a mão. Aqui, ó.
___As histórias não eram boas, nem engraçadas e muitas delas eram nojentas. Mesmo assim, cada bobo da mesa quis contar a sua. Sempre narrativas fracas, ridículas, humilhantes (tais quais os parágrafos em itálico que ilustram esta postagem), parecia uma longa sessão de autoflagelação religiosa.
___– Eu tomei tantas naquele dia que nem sei como cheguei em casa. Só sei que, na manhã seguinte, não tinha nenhuma parte do meu quarto que não estivesse cheia de vômito.
___O pior é que quando digo, em qualquer mesa, que beber parece algo extremamente estúpido, eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Sou tachado de ridículo, sofro enxovalhos e calo.


___Talvez me cale porque prefiro abrir a boca para contar histórias melhores.


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P.S.: Claro que não quero impedir ninguém de beber. Cada um que enfie goela abaixo o que bem entender. Só gostaria que as pessoas bebessem conscientemente, não porque lhes parece algo natural e muito menos porque isso faz com que elas pensem que ficam mais interessantes.
P.P.S.: A Skol produziu uma campanha publicitária intitulada Redondo é rir da vida e convidou os comediantes Rafinha Bastos e Danilo Gentili como seus garotos-propaganda.











___A graça dos vídeos parece a mesma das histórias de bêbado que as pessoas contaram na confraternização que eu frequentei (deveriam pesquisar se o álcool atrapalha a capacidade das pessoas de contar boas histórias). Mesmo assim, a campanha recebeu uma ótima paródia do comediante Ronald Rios acrescentando algumas reflexões sobre a graça das histórias de bêbado. Segue abaixo, devidamente censurado pela agência da cervejaria:









P.P.P.S.: Para terminar esta postagem abstêmia, cito o genial Jeff Mumm (original aqui):