27 de abril de 2010

Pobreza de detal... argumentos

___Ir para uma exposição e ficar analisando pinturas, fotografias, esculturas e afins é uma delícia. Só que existem Análises e análises. Algumas pessoas Analisam tentando entender as ideias do autor, relembrando sua escola e as precedentes, comparando uma obra com outra, prestando atenção ao que está aparecendo mais com o que não está, ligando o título à imagem e, até, citando boas Análises que já foram feitas da obra. Outras pessoas caem na fácil análise vazia.
___Toscas, pobres e vazias são aquelas frases feitas que de nada servem, que parecem existir para que as pessoas simplesmente tenham algo a dizer – tal qual uma conversa de elevador. Não se analisa, não se presta real atenção na obra, apenas se vomita uma ideia geral que, teoricamente, pode servir para tudo.
___Só para citar alguns clássicos dessa anti-análise, é possível lembrar “Vê a sensação de tristeza que o quadro passa?”, “Nossa! Que riqueza de detalhes...” e “Meu, olha esse olhar!”.
___Não estou dizendo que, por exemplo, um quadro não possa expressar tristeza, alegria ou vontade de ser jogado na parede e chamado de lagartixa. Pode, claro. Mas, citar a todo o momento as sensações que os quadros passam, faz da análise algo tão pessoal e subjetivo que qualquer reflexão sobre a obra acaba degringolando naquela imbecilidade de que cada um tem a sua opinião e pode ver a obra como quer.
___Cada um só pode ver a obra como quer, se quiser ser bobo. Ou alguém aqui vai me dizer que eu posso encarar Romeu e Julieta como um livro a favor da Bomba Atômica? Ou as fotografias de Sebastião Salgado como uma defesa ao cinema da Antiguidade Oriental? Quem diz que cada um vê o que quer em uma obra, está acabando com o diálogo, está inviabilizando qualquer ideia de análise.
___Falar da “Riqueza de detalhes” de uma obra é quase tão tosco quanto. Digam-me, é necessário ter quantos detalhes para uma escultura ser rica? 10? 20? Abaixo de 10 “detalhes” é uma escultura pobre? E um quadro? Acima de Brueghel tem detalhes demais? Abaixo de Mark Rothko é pobre? Ou o expressionista abstrato é a personificação da “Pobreza de detalhes”? As pessoas que falam barbaridades como “Riqueza de detalhes” nunca pensam que, talvez, Rothko (e Brueghel) trabalhasse com outras formas de detalhes?


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___Agora, atenção. Eu não disse que falar de olhares, expressões, sensações e afins é algo inválido. Só disse que é bom ficar atento para não usar esses elementos de maneira desmedida e irracional. El tres de mayo de 1808 en Madrid, de Goya, por exemplo, é um quadro em que apontar o olhar a e expressão do pobre infeliz de camisa branca é algo extremamente válido.


___Se quiserem outro exemplo, um não tão clássico, está em cartaz, aqui em Sampa, a mostra Maureen Bisilliat: fotografias, gratuitamente, na Galeria de Arte do Sesi (Av. Paulista,  1313). Tenho a ligeira impressão de que as expressões das primeiras fotografias da exposição não são mero acaso. De onde tirei isso? Provavelmente da repetição do mesmo tipo de expressão em mais de um quadro. Os leitores que forem à exposição e quiserem discordar, estou aberto para o debate. Só, por favor, venham com análises minimamente sérias.


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P.S.: Aproveito para agradecer ao pessoal da Fiesp, principalmente ao Tiago Cordeiro, que tão gentilmente tem de convidado para peças e exposições da instituição.

23 de abril de 2010

Passeio: CCBB

___Lembram quando falei da obra Ossário, de Alexandre Orion? Para quem mora, como eu, em Sampa, é possível ir até o Centro Cultural Banco do Brasil (vulgo CCBB) para ver uma montagem sobre a “arte apagada”.
___Mesmo com a entrada gratuita, sou obrigado a dizer que, no geral, a visita não vale o preço da passagem. Não por causa da obra (que é ótima), mas, simplesmente porque é possível apreciar mais pelo site do Ossário do que com o que foi montado. Mesmo assim, amanhã, domingo, creio que vale a pena dar uma passada no CCBB – só que para ver outra coisa.
___Às 10h da manhã, desse domingo, dia 25/IV, vou levar meus alunos para um passeio rápido (provavelmente, menos de uma hora) à exposição do Langsdorff. Pretendo analisar alguns mapas com os estudantes, falar sobre os indígenas do Brasil e fazer alguns apontamentos sobre os costumes europeus/brasileiros à época.


___A ideia é fazer um passeio reflexivo, mas nada exaustivo, para que os alunos possam olhar outras partes da exposição – e do Centro Cultural – sozinhos. Leitores do blog, como de costume, são muito bem vindos. Para me encontrar, é só procurar um cara estranho, mais alto que os acompanhantes que o cercam. Se encontrar o Senhor Willy Wonka e alguns Oompa-Loompas, procure um cara menos estranho, cercado por companheiros um pouco mais altos.


20 de abril de 2010

Sucesso através do espelho



___Não posso viver como a personagem da tirinha acima: o dia todo sofrendo no trabalho, para ser feliz apenas quando chego em casa. Trabalho com o que sempre sonhei e, mesmo sem ganhar dinheiro, sou feliz nos meus empregos.
___Por isso mesmo, acho tristíssimo quando vejo meus alunos, tão jovens, desistindo dos seus sonhos por medo do futuro.


___O tempo todo, todo mundo esfrega na cara deles o quanto se sustentar é difícil. Ser músico, professor, oceanógrafo, ator, cartunista, sociólogo, escritor, dançarino, sonhador é o caminho do fracasso, é como assinar um contrato com a derrota. Quase como em um slogan publicitário, ensinam para cada sonhador: venda-se ao Mercado e tenha uma boa vida.



___Não gosto de afirmar isso, mas, sem dúvida, é uma forma mais segura de encarar o futuro. Talvez triste, mas mais segura – pelo menos quando se fala de finanças.


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___O tempo todo, todo mundo esfrega na cara dos jovens o quanto se sustentar é difícil. Ser músico, professor, oceanógrafo, ator, cartunista, sociólogo, escritor, dançarino, sonhador é o caminho do fracasso, é como assinar um contrato com a derrota. Quase como em um slogan publicitário, ensinam para cada sonhador: venda-se ao Mercado e tenha uma boa vida.




___Por isso mesmo, acho tristíssimo quando vejo meus alunos, tão novinhos, desistindo dos seus sonhos por medo do futuro.
___Não posso viver como a personagem da tirinha abaixo: o dia todo sofrendo no trabalho, para ser feliz apenas quando chego em casa. Trabalho com o que sempre sonhei e, mesmo sem ganhar dinheiro, sou feliz nos meus empregos.


___Gosto de afirmar que a minha forma de encarar o futuro é, sem dúvida, mais segura. Talvez frugal, mas mais segura – pelo menos quando se fala de felicidade.

19 de abril de 2010

Cobiçado

___Quem é bonito, bonito de verdade, causa furor por onde passa, modifica a paisagem comum. Não que precise causar comentários grossos do tipo “Nossa, que tesão! Se deixar eu passo a língua em cada pedacinho.”, mas costuma causar comentários entre conhecidos, viradas de cabeça, leves “Olha...” e coisas do tipo.
___Isso, obviamente, nunca acontece comigo por causa da minha beleza. Sou tão feio que se eu perceber uma multidão com tochas e ancinhos, corro para me esconder. Mesmo assim, sei bem como é a sensação de ser atentamente visto.

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___Escola grande. Hora do intervalo.
___Como só dou aula para algumas séries, não são todos os alunos que me conhecem. No entanto, quando ando pelo pátio, não costuma ser incomum ouvir, de canto de orelha, diálogos assim:
___– Olha, aquele que é o Adirt!
___– Sério?
___– Sim. Fui com uns amigos do segundo colegial ver uma aula dele.
___– Nossa, que sorte...
___Só falta algum dia eu ouvir um clássico “Sério? Pensei que ele fosse mais alto.”.

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P.S.: Sim, faz bem para minha autoestima. O mais importante, entretanto, é saber que, por causa disso, muitos alunos correm para a sala de aula para aprender algo novo.

16 de abril de 2010

Atire na cabeça, Elizabeth! Atire na cabeça!

___Existem associações que, sozinhos, não conseguimos fazer. A não ser agora, para acrescentar uma piada a este parágrafo, eu nunca associei camarão gratinado com molho de alcaparra e sexo (Hum... Vou experimentar...). Por vezes, é necessário que o maluco que fez uma associação disparatada, pegue-nos pela mão para que cheguemos a ela.
___Foi o caso de um dia desses em que acessei o site da Livraria Cultura e me deparei com o livro Orgulho e Preconceito e Zumbis. Se não fosse a ideia do maluco do Seth Grahame-Smith, o autor da obra, eu nunca teria colocado na mesma panela Jane Austen e mortos-vivos.


___Mesmo tendo o receio que o livro não chegue nem ao nível de um Filme Trash B, eu fiquei curioso para conhecer. Não que eu vá gastar um níquel furado com a obra, mas se cair gratuitamente na minha mão, eu leio.


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P.S.: Pensei em elogiar o Senhor Seth Grahame-Smith e dizer que, ao falar de monstros, ele não desceu tanto a ponto de se jogar na atual modinha de vampiros. Minha aspiração, entretanto, recebeu uma estaca no coração. Ao pesquisar, descobri que, neste ano, ele lançou Abraham Lincoln, Vampire Hunter. Só torço para que ele não esteja planejando uma trilogia que termina com O Símbolo Perdido do Lobisomem.
P.P.S.: Meu blog preferido sobre Jane Austen é o Jane Austen em Português. No entanto, entre os fãs da escritora inglesa, o que melhor falou sobre a brincadeira com zumbis é o Jane Austen Sociedade do Brasil. Ficam as indicações.

14 de abril de 2010

Lições do Dilúvio

___São Paulo começou o ano com chuvas fortíssimas. O Rio de Janeiro acabou de passar por maus bocados. Mesmo assim, é sempre possível encontrar pessoas bem humoradas pelo mundo:


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___Já que a provocação foi feita, fica um diálogo entre Darwin e Deus:



___E as lições que o Senhor nos ensinou:




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Nota: Grafite: autor desconhecido. Charges: Carlos Ruas.

11 de abril de 2010

Preso ao próprio tempo

___Na manhã seguinte, Harlan pegou seu mapa em intrincadas configurações perfuradas à medida que emergiam do Computaplex. Utilizou um decodificador de bolso para traduzi-las em Intertemporal Padrão, em sua ansiedade para não cometer o menor deslize logo no início. Obviamente, já havia alcançado o estágio em que poderia ler as perfurações diretamente.
___O mapa lhe dizia quando e onde no mundo do Século 482 ele poderia ir ou não; o que poderia fazer ou não; o que deveria evitar a todo custo.

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___Os historiadores vivem ouvindo que “Dante e Verne estavam à frente das próprias épocas.”, “A genialidade de Vincent van Gogh não podia ser entendida no século XIX”, “Doutor Emmett Brown não vivia em seu tempo.” e coisas do tipo. Entretanto, as pessoas esquecem que essas pessoas viveram mesmo em suas épocas* e que, por mais geniais que fossem, não eram capazes de abandonar completamente a realidade em que viviam.
___O trecho que dá início ao texto, pertence ao livro O fim da Eternidade, de Isaac Asimov. Considerado um dos mestres da ficção científica, não faltam fãs a afirmar que Asimov já conhecia o futuro, que sabia mais de computadores do que nós, que os robôs serão como ele descreve. É muito bonitinho pensar desse modo e não sou eu que vou questionar. Mesmo assim, é o máximo ver a dificuldade que existe para se fugir da própria época.
___A personagem do trecho está no Século 482. Século! Beeeeem no futuro. Mesmo assim, o computador ainda fornece folhas perfuradas. As mesmas que os computadores da década de 50, quando a obra foi escrita, eram capazes “imprimir” e ler.
___Era difícil para um homem de 1950 imaginar algo que chegue perto da nossa atual realidade. De qualquer modo, é meigo dar uma olhada nas tentativas.

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* Só o Dr. Brown que não.

7 de abril de 2010

Topless

___Tirei uma moça bonita, usando um vestido tomara-que-caia, para dançar um zouk. Habilidosa, ela enfeitava as nuances da música jogando o cabelo e seguia, com leveza, minhas conduções. Em uma parada da música, conduzi a dama para um cambrê.




___Quando eu trouxe a dama de volta, percebi que o vestido estava descendo. Para evitar que algo aparecesse, alertei minha parceira:
___– Cuidado! Acho bom você arrumar o vestido.
___A moça pensou que a calcinha dela que estava aparecendo e, sem pestanejar, puxou o vestido para baixo.
___Desce o pano.

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Nota: A fotografia acima é meramente ilustrativa para que meus leitores não-dançarinos saibam o que é um cambrê. Não conheço o casal de dançarinos que estão na foto. No máximo, conheço o mausoléu que está ao fundo.

3 de abril de 2010

Bloqueado

___Um cara que eu pouco conheço me adicionou no MSN e veio puxar papo comigo. Fez um monte de perguntas que eu, pacientemente, respondi. Achei, inclusive, que algumas das minhas respostas poderiam servir para uma postagem interessante. No fim da conversa, em um ato de gentileza, perguntei:
Eu: Posso publicar esta nossa conversa no Incautos?
Ele: Não.
Eu: Não citarei o seu nome.
Ele: Não.
Eu: Nem se eu mudar parte das falas para que não seja possível para ninguém saber q era com vc com que eu estava conversando?
Ele: Não, de jeito nenhum.
___Não tive dúvidas, já que a companhia não iria me ser útil e ainda se mostrou um chato, bloqueei. E, como vocês podem perceber, publiquei parte do papo.

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P.S.: Para quem acha que eu sou um estúpido imbecil ou qualquer coisa do tipo, saiba que existe literatura bem melhor do que o meu blog para ser apreciada. Comece por aqui.

1 de abril de 2010

Dia dos mentirosos

___Alguns leitores vieram me perguntar por que eu chamei o texto sobre a greve dos professores, publicado no portal Terra, de escroto. Sei muito bem que é mais fácil derrotar o Mestre Yoda do que criar um texto completamente imparcial, mas sempre fico um pouco boquiaberto ao notar que muitas pessoas não percebem certos excessos de parcialidades.
___Vou, então, dissecar rapidamente como a reportagem do Terra foi redigida. Aconselho a releitura do panfleto artigo antes de acompanhar minha análise.

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___Logo na primeira frase, o pessoal da Redação Terra mostrou de que lado estava: “Professores da rede estadual paulista entraram em confronto com a polícia durante uma manifestação realizada nos arredores do Palácio Bandeirantes”. Prestem atenção, foram os professores que “entraram em confronto” com a polícia, não foi a PM que atacou os docentes. O modo como a frase foi construída, faz com que o leitor veja os professores como agressores e os policiais como pobres coitados que tiveram de reagir porque foram atacados.*
___O segundo e o terceiro parágrafos deixam claro que os jornalistas da Redação Terra chegaram a ler algum manualzinho de redação jornalística na faculdade. Eles citam as opiniões dos entrevistados e, teoricamente, mostram os dois lados. O chato é que o tal manualzinho deve ter sido escrito por algum seguidor do Cidadão Kane Roberto Marinho, pois a declaração da Polícia é apresentada da seguinte forma: “Segundo a polícia, os manifestantes teriam jogado pedras contra a PM que revidou com a Tropa de Choque.”. Já para o lado dos professores, cita-se uma pretensa manifestante que não quis se identificar e que diz uma frase que corrobora com a declaração da PM – “‘A polícia revidou com bombas, gás lacrimogêneo e balas de borracha.’” (grifo meu). E, mais, logo após colocar o “lado” dos professores, o Terra acrescenta, no mesmo parágrafo, o lado heróico dos policiais: “De acordo com a testemunha, um professor teria sofrido uma parada cardíaca e foi socorrido pelos policiais.”.
___Logo depois disso, citar os discrepantes números que a heróica PM e a provocadora Apeoesp calcularam para os presentes no local chega a ser covardia – “A manifestação reuniu, segundo cálculos da Polícia Militar, 5 mil professores. O Apeoesp estimou a presença de 20 mil pessoas.”. Detalhe extra: a polícia conseguiu calcular o número de professores, enquanto a Apeoesp, o número de pessoas.
___O parágrafo seguinte começa com o mesmo recurso usado na primeira frase do texto. Ao invés de algo mais neutro, como um “Antes do confronto”, escolheu-se “Antes dos atritos com a polícia”, levando novamente à idéia de que os professores é que entraram em atrito com a PM, nunca o contrário. O fim desse parágrafo, que fala da negociação dos professores com o governo, termina desmoralizando mais ainda os docentes. A última frase é “A assembleia realizada hoje, entretanto, já havia decidido pela continuidade da greve.”, mostrando que os professores só fizeram os membros do governo perderem tempo, pois a continuidade da greve já estava decidida e que qualquer negociação deveria ser inútil.

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___Entendo bem o que é escolher um lado, mas é sempre incomodo ver uma imprensa, que se conclama imparcial, trabalhando assim. Mais ainda quando essa mesma imprensa nem cogita a ideia de mudar de lado, nem quando fica descarado que o lado que ela defende está agindo de maneira absurdamente desonesta. Deve ser o reflexo de outras épocas.



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* Mesmo tendo minhas suspeitas, não sei quem atacou primeiro. Só demonstrei que, do modo como a frase foi escrita, os professores ficaram na situação de agressores.