27 de maio de 2010

As melhorias do metrô e a morte de uma boa piada

___Meus alunos costumam adorar as minhas aulas. Posso não ser a pessoa que mais sabe no mundo, talvez (só talvez) até nem seja o cara mais inteligente da Terra, mas, mesmo assim, os estudantes conseguem entender muito bem o que eu explico. Eles entendem e se divertem.
___Entretanto, é bom dizer, não sou um humorista talentoso. Arrumar uma piada (tanto para os meus textos, quanto para as minhas aulas) costuma demandar grande esforço. É exatamente por isso que eu, mesmo fazendo leituras diferentes e preparando aulas diversas para cada vez que ensino um assunto, reutilizo as piadas que deram certo em outros carnavais.
___Todo ano, por exemplo, dou algumas aulas sobre Mitologia Indígena, Era Napoleônica, Feudalismo Japonês, Expansão Marítima ou República Velha. Como seria muito chato ensinar da mesma forma infinitas vezes, sempre pesquiso para cada uma das aulas, leio algo de novo sobre o assunto e acabo  tratando o conteúdo de maneira diferente. As piadas, as brincadeiras que faço em sala, entretanto, já foram repetidas em muitos anos.
___Por isso mesmo, fico triste quando vejo uma piada que está morrendo, que vai deixar de ter graça.


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___O metrô paulistano, para diferenciar os assentos preferenciais de idosos, gestantes e afins utilizou, por anos, a cor cinza. Tentando conscientizar os usuários, não era incomum ouvir nas estações ou nos trens: “Os assentos de cor cinza são de uso preferencial.”. Não existe usuário frequente que não conheça a frase.


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___Durante vários cursos de pré-História, ao falar da descoberta da Agricultura (c. 10000 a.C.) e da sedentarização da humanidade, ensino que, aos poucos, as pessoas mais velhas começam a ser valorizadas. Os conhecimentos adquiridos pelos “idosos” eram de grande auxílio para a sobrevivência do grupo. Mal termino a explicação, engato “As pedras de cor cinza são de uso preferencial.” e sou agraciado pelas gargalhadas da sala.


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___Em meio às melhoras que têm sido feitas no metrô, resolveram substituir os bancos cinzas por assentos azuis. Olho feliz para as novas estações surgindo, para os trens mais modernos. No entanto, fico triste pela morte de uma boa piada.


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P.S.: Para quem gosta de pré-História (e piadas), o Reinaldo Lopes tem um artigo bem bacana no Chapéu, Chicote e Carbono-14: “Sobre neandertais e despedidas”.

24 de maio de 2010

Alice no país dos não-leitores

Atenção: Este texto contém spoilers sobre várias Alices.


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___Eu estava animado para assistir o Alice no País das Maravilhas, do Tim Burton. Queria ver o filme porque gosto do Alice através do espelho, dos trabalhos de Burton e das atuações do Johnny Depp. As críticas negativas, entretanto, acabaram fazendo com que eu demorasse um pouco mais para ir atrás do filme.
___Agora que vi, digo: claro, não é o melhor trabalho do Tim Burton, mas é um filme bacana – para quem gosta dos livros do Lewis Carroll. Por isso mesmo, creio que os críticos não gostaram exatamente por causa dos livros; ou melhor, exatamente porque não leram os livros.


___Por exemplo, reclamar que uma montagem de Alicepeca pelo excesso”, é o mesmo que dizer que no filme dos Smurfs as personagens são muito azuis. A mesma crítica fica para quem diz que “os personagens simplesmente surgem na trama”.
___Por fim, vale comentar sobre a tradicional mania de endeusar um clássico. Clássicos não são perfeitos, pelo menos para quem os conhece. Afirmar que o desfecho de Burton “não só contradiz o non-sense de Carroll como, rápido demais, falha em amarrar a contento tudo o que a trama apresentou.” é comentário de quem não terminou de ler o que Carroll escreveu. Quer algo que amarre de maneira mais tosca, quer algo que acabe mais com o nonsense das obras do que aquela Alicezinha acordando? Poupem-me.


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P.S.: Apesar da Brenda não ter gostado do filme, concordo quando ela diz que o nome alternativo para o Alice deveria ser “Helena Bonham Carter e Johnny Depp em: Coisas vergonhosas que fazemos pelo marido e amigo.”. Só acrescento como extra que próprio para se passar vergonha é o material original do Carroll.

17 de maio de 2010

Espalhando poesias

___Como qualquer pessoa que me conhece por 5 minutos sabe, eu adoro escolas. É lindo saber que existe uma instituição cuja função primordial é apresentar para seres humanos calouros um monte de coisas que a humanidade veterana fez e descobriu, uma instituição que fornece ferramentas que os novatos, se forem espertos, vão poder utilizar pelo resto da vida. Mesmo assim, não é incomum encontrar gente que despreza a função da escola.
___Sinceramente, digo, se quase tudo que os colégios fazem não se justificasse por si só, um ponto salvaria toda a instituição: a Poesia.
___Quem lê com regularidade, costuma ler prosa. É possível perceber isso em bibliotecas, pontos de ônibus, salas de espera de proctologistas. Posso contar nos dedos as vezes que, fora dos arredores do campus da Letras, encontrei gente lendo livros de poemas que não fossem obras obrigatórias de vestibular.
___Eu mesmo, que já adorava ler antes de ter algum professor mandando fazer isso, nunca havia tocado de verdade em um poema até ser apresentado aos versos e estrofes em sala de aula. Fazer os alunos percorrerem um caminho pelo qual raramente eles andariam é uma das funções da Educação.


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___Não é à toa que estou adorando o projeto Poesia no Metrô, que está acontecendo, desde o ano passado, aqui em Sampa. Em diversos trens e estações, é possível parar um pouco e ler algum trabalho de poetas consagrados. Já perdi mais de um trem enquanto interpretava algum poema.


___Espalhar poesias boas pelo mundo deveria ser uma prática mais comum, quem sabe até incitada pelo governo. Imaginem como seria maravilhoso se ao invés dos prédios serem obrigados a colocarem ao lado de cada elevador aquela placa inútil e mal escrita, pudessem escolher um soneto de Camões, uma estrofe de Whitman, um verso de Bilac.


___Antes que algum chato venha me perguntar para que é que isso serviria, respondo sem hesitar: para nada, pelo menos nada além de uma fugaz esperança de que neste lugar sem jardim, uma atitude como o espalhar de poesias faça nascer flores desse “secreto investimento em formas improváveis.”.


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P.S.: Mesmo tendo adorado a iniciativa do Metrô, tenho de dizer: publicar poemas é algo que demanda cuidado. A escolha de cada palavra pode ter um significado intrínseco, cada mudar de linha, um valor. Não se deve, como no exemplo abaixo, ignorar a separação das estrofes.


13 de maio de 2010

Australiana na cam

___Uma amiga minha se mudou para a Austrália. Madrugada dessas, encontrei ela no MSN. Todo contente, fui dar um oi. Começamos a conversar e, então, percebi que ela tinha uma câmera. Pedi para ela ligar.
___– Mas, você não tem câmera. – ela respondeu.
___– E daí?
___– Se você não tem cam, não tem graça. Não vou poder ver você.
___– Só estou com saudades de você e fica melhor conversar vendo a sua cara. Não vamos fazer sexo virtual com strip pela cam.
___Ela riu, concordou e ligou a câmera.
___Sinceramente, fiquei em dúvida. Será que quando eu tiver uma câmera ela vai querer ligar para fazer um striptease? Vou escrever um e-mail para perguntar.

11 de maio de 2010

Como Camões perdeu o olho

___Não importa a época, pessoas famosas chamam atenção e, por conta disso, acabam virando protagonistas de incontáveis histórias. Existe o físico que descobriu uma importante Lei quando uma maçã caiu em sua cabeça; o monarca que, depois de levar a Bíblia à orelha, jogou o livro longe, pois não ouviu a palavra de nenhum deus; o golfista que é ninfomaníaco. Algumas dessas fofocas são verdadeiras, outras, fazem parte de lendas que surgem e que vão se alastrando com o passar do tempo.
___O poeta lusitano Luís Vaz de Camões não escapa dessa sina. Uma de suas lendas mais famosas é a de que, ao voltar do Oriente, trazendo sua querida Dinamene, sofreu um naufrágio. Camões, que sabia nadar, teve de tomar uma difícil decisão: salvar sua amada ou Os Lusíadas – a obra que ele tinha lutado tanto para escrever. Salvou o livro.
___O fato de o escritor ter perdido um olho, também corre à boca pequena. A versão mais aceita é de que, na década de 1540, em uma batalha contra os mouros, no norte da África, Camões acabou ferido. Quem prefere dizer que o poeta era de outros heroísmos, diz que ele perdeu o olho espiando damas se trocarem pelo buraco da fechadura.
___Pessoalmente, prefiro a versão desenhada a oito mãos por mim, pelo Laerte, por Luís de Resende e Fernão Gomes.



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Nota I: Deixando a piada de lado, Laerte fez a tirinha que está na parte central e eu resolvi subvertê-la, transformando-a na brincadeira que vocês viram. O original pode ser visto aqui.
Nota II: A imagem final da “minha tirinha” é uma cópia feita por Luís José Pereira de Resende, no século XIX. O retrato original foi feito por Fernão Gomes, na década de 1570, com Camões ainda vivo.


Nota III (20/V/2010): Como alguns leitores (e o próprio Laerte) me deram um puxão de orelha, sou obrigado a dizer: sim, eu já sabia que o olho furado na tirinha não é o mesmo que Camões perdeu. Mesmo assim, eu achei que valia o chiste. Já diria o ditado, perco o amigo mas não perco a... hum... não é isso. Ah, sim! Já diria o ditado, erro o olho, mas não perco a piada. ;-)

8 de maio de 2010

Salário?

___Mesmo adorando o meu trabalho, certas notícias no início do dia atrapalham o bom andamento das aulas.


___Tá, as aulas continuaram sendo ótimas. Mesmo assim, ainda bem que eu não ensino Matemática, pois não tenho bem certeza com o fechar das contas.

7 de maio de 2010

Crianças confusas

___O último texto que publiquei aqui no Incautos, “Não vamos confundir nossas crianças: manifesto contra quem quer tornar o mundo um lugar pior”, como eu disse na nota de fim, foi uma republicação. Originalmente, ele foi feito para o Editorial que escrevo quinzenalmente para o site O Pensador Selvagem. Alguns leitores me disseram que o texto era a cara do meu blog e que eu deveria colocá-lo aqui também. Se alguma dúvida tivesse me acometido, hoje, menos de 48 horas depois de tê-lo republicado, não teria mais nenhuma.
___Para começar, o texto foi muito bem recebido pelos leitores habituais do blog. Além disso, foi aceito pelo pessoal do Yahoo! Posts, o que trouxe mais leitores ainda (e aí começa uma diversão extra).



___Qualquer pessoa capaz de ler corretamente a adaptação infantil de O Patinho Feio ou o clássico Green Man, Blue Cat, ao terminar o “Não vamos confundir nossas crianças”, entenderia que o texto é irônico. Se restasse alguma dúvida, os post-scriptuns estão lá como para dar o Voto de Minerva em favor de Orestes da Ironia. Entretanto, uma horda de analfabetos funcionais, fazendo o papel de Erínias, invadiu os comentários e começou a descer a lenha em mim, falando do quanto eu sou preconceituoso e coisas do tipo. É de fazer qualquer um – que saiba ler – cair de dar risada. Não deixem de ver os comentários.

4 de maio de 2010

Não vamos confundir nossas crianças: manifesto contra quem quer tornar o mundo um lugar pior

___Vivemos hoje em uma sociedade completamente deturpada, horrível e cheia de pecados. Não é possível mais sair à rua sem que a torpeza seja esfregada em nossa cara.
___Deus nos ensinou: “Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao Senhor teu Deus.” (“Deuteronômio”, 22:5). Mesmo assim, desavergonhadamente, as mulheres usam calças como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Expliquem-me, sujas fêmeas da espécie humana, por que vocês agem assim? Por que desobedecem a ordem de nosso Senhor? Por quê?
___Mulheres, vocês não sabem que Deus criou vocês para darem a luz para as crianças que povoam o mundo? Por que, então, depois de receber tão nobre missão, vocês, imundas, querem confundir nossas crianças? Não sabem que calças são trajes apenas masculinos? Chega dessa pouca vergonha. Pensem em nossas crianças.


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___Homossexuais, vocês, que já são o horror por natureza, o que pensam que estão fazendo? Vocês são antinaturais, abominações! Não satisfeitos por existirem, por estragarem o mundo com a presença de vocês, ainda querem fazer do mundo um lugar pior?
___Que ideia bizarra é essa de casamento gay? Não sabem que isso vai destruir famílias, derreter calotas polares, trazer o Dia do Julgamento? O santo matrimônio, sacramento divino, serve apenas para a união entre um homem e uma mulher, assim como as calças foram feitas apenas para os homens. Não vamos confundir nossas crianças.


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___Professores de Matemática, digam-me: qual o problema de vocês? Por acaso vocês acham que meros números podem explicar alguma coisa? Acham que eles ajudam na vida das pessoas? Imaginam que a compreensão da Vida, do Universo e de Tudo Mais pode ser melhor ao se conhecer números?
___Por favor, não confundam nossas crianças. O mundo já é complicado demais sem Matemática. Esqueçam dessa abominação e permitam que os jovens vivam livres, sem esse peso nas costas.


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P.S.: Para quem acha que Deus irá castigar a humanidade porque as mulheres usam calças, digo: seu deuszinho é muito lerdo.
P.P.S.: Para quem acha que o casamento de homossexuais é o sinal do fim dos tempos, deixo o seguinte gráfico:



P.P.P.S.: 42.
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Nota: Esse texto foi originalmente publicado no Editorial do Ops!, mas alguns leitores disseram que ele é a cara do Incautos, que deveria estar aqui. Como vocês podem ver, concordei plenamente com eles.

Dançando em casamentos

___Existem muitos momentos em que saber dançar é fabuloso. Um deles é em festas de casamento. Não só é divertido como, também, faz um bem danado para o ego.
___A não ser quando começam as músicas da década de 60 ou, dependendo da festa, quando toca funk e axé, a pista costuma ficar vazia. Para quem sabe dança de salão, é a própria visão do Paraíso. Toca de tudo: músicas lentas, sambas, swings. Passo a maior parte da festa me esbaldando com a minha namorada na pista.
___Olhar as mesas é uma diversão à parte. As mulheres, invariavelmente, estão boquiabertas, olhando e sonhando. Quase dá para ouvir um “Eu quero esse homem para mim...”. Os homens, por outro lado, fecham a cara, cenho completamente franzido, e comentam com quem está por perto:
___– Aposto que é veado.
___Tenho certeza que já devo ter causado o fim de incontáveis relacionamentos.


2 de maio de 2010

Vale a pena ver – de novo (?)

___Achei que valia a pena abrir um post novo para comentar dois dos meus últimos textos. Um deles é o “Sucesso através do espelho”. Um leitor preocupado veio me falar que eu havia cometido um erro. “Você publicou duas vezes a mesma figura. Assim que o texto acaba, aparece novamente aquela do pintor dizendo ‘Tá olhando o que? Ousadia não paga minhas contas!’.”. Na hora me toquei qual era o “erro”: “Querido, não é erro, não. Continue a ler o texto abaixo da figura que a postagem não acabou ali.”. Depois, ele até agradeceu nos comentários.
___O “Sucesso através do espelho” é um texto simples, com uma brincadeira gostosinha: praticamente usando os mesmos parágrafos e ilustrações em ordens trocadas, passo duas mensagens diferentes. A primeira, que a vida em “profissões seguras” é uma boa escolha; a segunda, que é mais importante ser feliz do que ter segurança financeira. Minha vontade de comentar o fato existe, pois, talvez, outros leitores tenham perdido o final do texto e me parece extremamente bizarro que alguém termine a leitura de um texto meu imaginando que eu estou aconselhando alguém a desistir dos seus sonhos por dinheiro.
___O segundo texto que eu queria comentar é o de ontem, o “Dia do Trabalho”. Para falar a verdade, eu queria indicar para vocês um comentário.
___Jee, uma inteligente aluna minha, pegou o meu continho e o subverteu. Enquanto eu escrevi sobre professores e o dono da escola, ela parodiou e escreveu sobre alunos e um professor. Eu me diverti muito. Confiram aqui.

1 de maio de 2010

Dia do Trabalho

___Um dos meus empregos é um cursinho, no qual leciono para as turmas especiais de sábado.
___Segundo o calendário escolar do próprio cursinho, hoje, 1º de maio, Dia do Trabalho, seria feriado. Entretanto, em meados de abril, meu chefe resolveu aproveitar o feriado para adiantar o conteúdo e decidiu que o sábado de 1º de maio seria letivo. Ao saberem da surpresa, a sala dos professores ficou povoada de exclamações:
___– Ah, vai se ferrar!!!
___– Como assim? Que absurdo! Só porque ele é o patrão, acha que pode fazer o que quer?
___– Que saco!
___– Nós já receberíamos o dia por ser feriado. Se formos trabalhar, eu quero o dobro pelo dia.
___– Querem saber? Eu não venho! Vou dizer que não posso.
___No meio do furor, o chefe desponta no fim do corredor. Na sala dos professores, as vozes começam a desaparecer. O chefe entra.
___– Bom dia, senhor. E aí, viu o jogo de ontem?