29 de outubro de 2010

Serra e a educação

___Vocês já viram que linda a ideia do “Pacto pela Educação” sugerido pelo candidato José Serra?








___Já puderam ver suas propostas para a Educação?








___Lindo, não? Não!


Serra e a Educação Pública, por Carlos Latuff


___Não é lindo. É nojento. Causa asco. O Serra falando que vai fazer algo para melhorar a Educação é algo extremamente ofensivo para alguém que, como eu, adora ser professor. E, saibam, posso dizer isso com conhecimento de causa, com muito conhecimento de causa. Não só sou professor de Ensino Médio de uma escola estadual, como sou professor da melhor escola estadual de São Paulo. Sim, é isso mesmo, eu sou professor de uma das escolas que o PSDB usa para esfregar resultados na cara dos outros. Eu sou professor da ETESP, da Escola Técnica Estadual de São Paulo.
___Ótimo centro educacional, a ETESP tem o processo seletivo mais disputado das escolas estaduais paulistas. Os alunos, portanto, costumam ser bem inteligentes e preparados. Além disso, parte do corpo docente é extremamente dedicada e a ativa Associação de Pais e Mestres faz muitos dos investimentos que o estado deveria fazer. Por fim, os resultados acadêmicos dos alunos superam o de qualquer escola estadual paulista, seja no vestibular, seja em outros critérios.
___O porém é que nenhum desses méritos da melhor escola estadual de São Paulo existe por conta do governo do PSDB, nenhum existe por conta do Serra. A escola se mantém com ótimos resultados graças aos alunos inteligentes e esforçados, a uma Associação de Pais e Mestres participativa e a um punhado de professores-sonhadores-idiotas que se matam para fazer tudo funcionar.
___Faz muito tempo que o governo estadual não faz grandes investimentos na ETESP, inclusive, nos mais de três anos em que José Serra foi governador do estado, a escola só viu seus recursos minguarem (novas salas foram abertas, sem que a escola recebesse estrutura para tanto). As salas são superlotadas (quantas vezes já não tropecei em algum aluno enquanto dava aula) e com pouquíssima manutenção (janelas quebradas, goteiras). O número de funcionários é bizarramente limitado, a ponto dos alunos terem de protestar para conseguir mais uma (UMA!) funcionária para a limpeza.
___O material fornecido pelo governo também é parco. Giz, mais de uma vez faltou. Variedade das cores de giz, falta sempre. Além disso, as máquinas que a escola tem, falham (retroprojetores que não funcionam, televisores sem som) ou existem em qualidade limitada (pouquíssimos datashows, número deficiente de computadores).
___Como acreditar nas promessas de um candidato que trata assim sua melhor escola?
___As mazelas, infelizmente, não terminam aí. Sabem a historinha de dar “ao filho do pobre as mesmas oportunidades que se dá ao filho do rico”? Pois bem, as escolas técnicas contam com um número de aulas limitado; as manhãs do Ensino Médio possuem apenas 5 aulas. Não é possível separar as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, História do Mundo e do Brasil. Completamente diferente de qualquer boa escola de elite.
___Por fim, vale falar do salário. Eu sei que dá um pouco de medo de falar do assunto, pois José Serra e o PSDB contam com um admirável histórico de reagir com violência contra professores que tocam nesse tema; mesmo assim, vou em frente. O salário pago pelas escolas técnicas estaduais é de meros 10 reais. Se eu for de metrô ou ônibus à escola para dar uma aula, mais da metade do que eu ganhar fica na tarifa das passagens.


Serra e a Educação, por Carlos Latuff


___A história de dobrar o número de vaga nas escolas técnicas não resolve de nada se não existem professores para ocupar essas vagas. Participei de várias bancas de contratação, até para as novas escolas técnicas, mas, com um salário tão baixo, são poucos os bons professores que se interessam pelas vagas. Quantas tardes não passei reprovando punhados de professores semianalfabetos – praticamente os únicos que se interessavam por aulas com salários tão baixos.
___São por esses e por milhares de outros motivos que eu não consigo olhar sem asco às promessas de José Serra para melhorar a Educação. E, caro candidato, se quiser arrumar um modo de me demitir, como reza a lenda você já fez por aí, vai fundo, manda demitir. Só terei a dizer que a ETESP perderá um dos seus melhores professores (um dos poucos otários que aceita se matar para fazer a escola manter o seu grau de excelência) e o senhor, então, estará provado que o seu “Pacto pela Educação” não é mais do que uma promessa vazia. Acho, sinceramente, que a Educação tem mais chance de melhorar se fizer um pacto com o demônio do que com o senhor.


Serra, por Carlos Latuff

28 de outubro de 2010

Todos os alunos têm dificuldade?

___Dia desses, eu estava conversando com uma professora de tango, quando o assunto caiu nas aulas de dança que damos por aí. Falamos do tipo de música que escolhemos, sequências de passos, musicalidade, alunos. De alunos, comecei a falar de um aluno meu, velhinho, que tem problemas de audição e, portanto, dificuldade para aprender a dançar certas coisas.
___– Dificuldade em aprender?, perguntou ela sorrindo. Como todos?
___Sorri sem graça. Queria ter respondido “Na verdade, não, ele não tem dificuldade como todos. Principalmente porque a maioria dos meus alunos não tem dificuldade.”, mas, em um raro momento inspiração (inspirado principalmente pela beleza da moça), engoli a resposta em seco.
___A verdade é que o problema não é apenas da professora de tango. Trabalhei por quase uma década como bolsista de academia de dança de salão completando par (o número de mulheres na dança de salão é muito superior ao dos homens e, portanto, muitas academias arrumam dançarinos para completar os pares); sei bem como são raros os professores que conseguem ensinar os alunos a dançar e acham isso normal.
___A maior parte desses “professores que não ensinam” é composta por inúteis preguiçosos mesmo. Porém, existe uma pequena parcela de esforçados que não entende o que há de errado, não entendem por que não aprendem o que eles tentam ensinar.
___Para esse grupo, cunhei um pequeno ensaio sobre classificação de alunos de dança (brinco com ideias de reducionismo, quantificação, avaliação, metonímia) que pode servir como uma base para uma metodologia de ensino. O ensaio acabou sendo selecionado para ser apresentado no Simpósio Universitário da Semana da Cultura Latina, aqui em Sampa.
___Para os interessados (de preferência professores de dança esforçados), irei dar uma pequena palestra na segunda-feira, dia 01/XI, às 10h. Prometo que estarei pronto para esclarecer qualquer dúvida da platéia, principalmente de belas professoras de tango.


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P.S.: Inicialmente, para propagandear o evento, pensei em postar um trecho do ensaio aqui no blog (minha escrita acadêmica não é chata e inacessível). Entretanto, eu já tinha parte dessa historinha rascunhada e ela servia bem ao propósito. Espero que tenha sido uma boa troca.

25 de outubro de 2010

“A alternância no poder é a essência da Democracia”. Não entender as próprias afirmações é a essência da imbecilidade.

Nota introdutória: Perdoem-me, eu sei que o título saiu um pouco agressivo. O motivo para isso é que eu achei que ele combinava tão bem com o assunto e com o momento eleitoral que eu não quis desperdiçá-lo.
___Desculpas feitas, vamos ao texto.


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Ninguém pode, por Laerte


___Deixem-me dizer uma coisa, alternância no poder não tem porcaria nenhuma a ver com democracia. Fico boquiaberto de ver gente que, normalmente, não come grama falando uma bobagem dessas.
___A essência da democracia é seguir as resoluções da maior parte das pessoas. Todos podem dar sua opinião, o seu voto, mas a resolução final é seguir a vontade da maioria. Por mais absurdo que pareça, se a maioria resolver votar pela implantação de uma ditadura, essa decisão será democrática.* A ditadura implantada provavelmente não será democrática, mas a decisão de implantá-la terá sido.
___Para que todos possam exercer plenamente a democracia, a liberdade é uma condição praticamente sine qua non. Ela é necessária, pois, para saber a vontade da maioria, todos têm de ter liberdade para expressar as próprias vontades. É a única forma de se descobrir se aquele desejo é o preponderante ou não. E, vale lembrar, se a escolha da maioria for acabar com a liberdade, essa escolha ainda assim será democrática.


Decisões, por Laerte


___Portanto, se a maioria decidir nunca empreender uma alternância no poder, então, queridos, essa decisão será democrática. Não-democrático seria um pequeno grupo impedir essa não-alternância. Não-democrático seria quem está no poder não permitir uma alternância à força ou por qualquer outro meio escuso. Não democrático seria tirar a liberdade das pessoas de escolher se preferem alternância ou não.


Ditadura, por Laerte


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* Cf.: Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demônios.

17 de outubro de 2010

Religião e eleições

___Neste segundo turno, vendo os candidatos sendo questionados sobre aborto, casamento homossexual e assuntos do tipo, tudo por conta da disputa do voto dos religiosos, tudo para conseguir angariar o voto de pessoas que seguem, sem pensar, regras que foram estabelecidas há séculos, fico cada vez com mais nojo da falta de senso crítico das pessoas. Por sorte, sempre aparecem pessoas que parecem sensatas e que me ajudam a sorrir nesses momentos próprios de uma Idade das Trevas.
___Uma dessas pessoas é o maravilhoso André Dahmer. Ele sempre me diverte com seus quadrinhos, mas, para esse tacanho moralismo religioso que tem poluído o debate político, são as frases que ele coloca acima das tirinhas que me alegraram em uma tarde de releitura do seu site. Ficam algumas.


Malvados Golden Series
Malvados Golden Series


___De todas, a que melhor se encaixa com o irracionalismo religioso que tem se alastrado é essa última.


Malvados Golden Series


___Amém.

15 de outubro de 2010

Por favor, não alimente os professores

Não alimente os animais


___Intervalo de aulas. Sigo para a sala dos professores. Ao entrar, encontro a mesa central montada com toalha, sucos variados, sanduíches. Xanadu.
___Sento feliz, pego um sanduíche. Assim que vou dar a primeira mordida, a professora de Química fala, com a voz levemente alterada: "Não! O lanche não é para os professores.".
___– Não?
___– Óbvio que não. Quantas vezes você já viu prepararem uma mesa assim para nós?
___– Nenhuma... –, respondi enquanto baixava o lanche. Para quem é, então? Tem algum evento, algum convidado de palestra hoje?
___– Não sei. Mas, como nunca fazem isso para nós, só posso supor que não é para o nosso bico.
___Não sei se é mais triste os professores nunca encontrarem nem um lanchinho na sala dos professores ou já estarem tão acostumados a isso que automaticamente pensam que aquilo não é para eles.


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P.S.: Realmente, não era para o bico dos professores. A escola tinha convidados no dia.
P.P.S.: Não contei antes para não estragar a narrativa, mas, depois que a professora disse que não sabia para quem era aquilo, mas que, com certeza, não era para os professores, eu peguei o sanduíche novamente e, dando de ombros, comi.
P.P.P.S.: Eu sei, eu sei. Fui criado em um celeiro.

12 de outubro de 2010

Formspring me – Mauricio Ulisses Adirt

___Vivem me perguntando o motivo pelo qual eu não tenho um twitter, não abro um formspring e coisas do tipo. A resposta é simples: eu não tenho tempo. Gosto do meu cotidiano e não posso sacrificar o tempo que uso para preparar aulas, cuidar dos meus projetos pessoais, estudar passos, atualizar o blog, pesquisar, ir ao teatro, namorar, ler, organizar uma invasão a Washington e coisas do tipo. Criar uma conta no Twitter e mantê-la decentemente atualizada demandaria um tempo que não tenho. Pelo menos agora não consigo imaginar como adicionar algo do tipo à equação do meu dia-a-dia.
___Mesmo assim, imagino eu que consigo dedicar um tempo que seria gasto produzindo uns textos respondendo algumas perguntas. Portanto, deixo esta postagem como um Formspring (não, não vou abrir uma conta).
___Formspring, para quem não sabe, é um site em que as pessoas podem perguntar, de maneira anônima, o que quiserem para os cadastrados. O anonimato permite que virtualmente seja feita qualquer pergunta e o dono da conta decide o que deixa público para responder e o que resolve esconder. Para quem quiser dar uma olhada como o brinquedo funciona, vejam os formsprings do Idelber Avelar, do Lord Ass e o do Alex Castro. A graça das respostas é proporcional ao quão interessantes são as perguntas feitas.
___Para agradar os leitores voyeurs e simpatizantes em geral, deixo esta postagem para que sejam feitas as perguntas que vocês quiserem. Podem mentir os e-mails de vocês à vontade e perguntar de maneira anônima, se assim lhes agradar. Daqui umas duas semanas, pego as perguntas que tenham sido feitas e respondo. Comprometo-me a responder todas. Não prometo sinceridade, mas juro que mentirei nas respostas de maneira convincente. Divirtam-se.


8 de outubro de 2010

Chico - publieditorial

___Há cerca de um mês, a agência de comunicação e relacionamento digital Grudaemmim veio me procurar, perguntando se eu tinha interesse em divulgar a Coleção Chico Buarque, que a Abril está lançando. Como escrever sobre o Chico parece interessante (e o assunto realmente combina com o conteúdo do Incautos), aceitei feliz e contente.
___Para que eu pudesse falar mais propriamente da coleção, a Grudaemmim me enviou um kit de imprensa:


Coleção Chico Buarque - Caixa


___Sim, uma caixinha simples, contendo o primeiro CD da coleção. O legal (além do CD, é claro) não foi a caixa e, sim, como ela foi montada por dentro, com um fone de ouvido de brinde, arranjado de modo a formar um par de colcheias.


Coleção Chico Buarque - Kit de imprensa


___Meu plano é publicar outra postagem comentando o primeiro CD da coleção. Mesmo assim, já vale dizer que, quem quiser adquiri-la por este link, consegue comprar a coleção com 20% de desconto.


6 de outubro de 2010

Crônicas do 1º Turno (Parte II de II)

Um documento, sem foto
___Entre as brigas que aconteceram nestas eleições, uma delas foi sobre a necessidade ou não da apresentação de dois documentos para se votar. A decisão final do STF foi que só seria necessário apresentar um documento oficial com foto. Sabendo disso, levei meu RG, mas, por desencargo de consciência, também levei o título de eleitor.
___Na fila, entretanto, resolvi ver o que aconteceria se eu não cumprisse a lei. Deixei o RG guardado na carteira. Assim que cheguei aos mesários, mostrei apenas o Título de Eleitor, sem foto. Ninguém demonstrou qualquer estranhamento. Conferiram meu nome na lista, pediram para que eu assinasse e me mandaram seguir. Votei em menos de um minuto.


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A fila
___Como relatei, a sala de votação estava realmente animada enquanto eu fiquei na fila. Mesmo tendo levado um livro, não desgrudei os olhos do que aconteceu lá dentro desde a entrada do velhinho. Por isso mesmo, não olhei nenhuma vez para trás enquanto estive na fila.
___Na saída da urna, entretanto, olhei para a fila e senti pena. A fila da minha sala estava tão grande que começava a atrapalhar a fila da seção seguinte.


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Boca de urna
___Caminhando de volta para a casa da minha namorada, encontrei uma moça do PV fazendo boca de urna.
___– Ei, moço! O senhor tem candidato para deputado federal?
___– É... Tenho sim...
___– Mas, você conhece mesmo ele? Sabe se ele vale a pena como político? Quero apresentar para você o Fulano, número 43XX*, vote, vote, vote, porque o PV vai, vote, vote, vote, um cargo importantíssimo, vote, vote, vote, ele é extremamente honesto...
___Pensei em falar que ela não deveria estar fazendo boca de urna, que um político honesto não iria pedir para distribuir santinhos no dia da eleição, mas a moça era bonita e eu preferi apreciar ela falando.
___– ... leve este panfleto e pense bem. Talvez valha a pena você mudar seu candidato. – terminou a moça, estendendo-me um santinho.
___Ao mesmo tempo em que comecei a estender a mão para pegar o papelzinho, eu disse:
___– Obrigado. Só que eu já votei.
___A moça fechou a cara e, antes que eu pudesse fechar a mão para pegar o santinho, recolheu o braço. Colocou o papel junto com os outros, virou as costas bruscamente e saiu caminhando.


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Fogos de artifício, crônica de um ingênuo
___Durante parte da apuração, fiquei na internet, procurando notícias, acompanhando os resultados. Pouco depois que escureceu, minha namorada chegou com uns amigos e insistiu para que sentássemos para jogar pôquer.
___Ficamos jogando por um bom tempo e eu deixei a apuração de lado. De repente, começamos a escutar o barulho de fogos de artifício. Muitos fogos.
___Imaginando que os fogos marcavam o fim da disputa presidencial, eu disse: "Não é bonito, gente? As pessoas estão felizes com o resultado das eleições. Estão soltando fogos para festejar. Puxa... já pensaram? É a primeira vez que uma mulher é eleita presidente, em um país machista como o nosso, direto no primeiro turno, e as pessoas estão tão felizes que estão soltando fogos.". Na mesa, pessoas das mais diferentes opiniões políticas. Menearam com a cabeça, um ou outro sorriu.
___Levantei, fui olhar os resultados. Fogos ainda estourando. Dilma, 46%; Serra, 32%. As pessoas não estavam festejando uma vitória, um resultado final de disputa presidencial. Festejavam porque Dilma não havia conseguido vencer logo no primeiro turno. Festejavam uma não-vitória. Como um corintiano soltando rojões porque o Palmeiras tomou um gol do Flamengo.
___Acho estranho festejar assim. Porém, o caso talvez seja que eu sou muito ingênuo. Pelo menos ganhei no pôquer.


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* Não estou preservando o nome do candidato, nem nada do tipo. Só não lembro.

5 de outubro de 2010

Crônicas do 1º Turno (Parte I de II)

___Algumas coisas que aconteceram no meu 1º turno destas eleições foram dignas de nota. Imaginei que poderiam gerar algumas crônicas interessantes, crônicas que funcionariam melhor juntas e publicadas enquanto as informações sobre as eleições estão frescas na cabeça dos (e)leitores. Seguem:


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Impacientes
___Cheguei cedo à minha seção eleitoral, pronto para votar. Sorri, pouca gente na fila – uma moça ruiva, um velhinho e um cara barbado, beirando os 50 anos. Imaginei que tudo ocorreria rapidamente. Realmente, a moça entrou quase ao mesmo tempo em que um garoto de boné saia da sala e, em menos de dois minutos, já havia saído.
___Então, o velhinho entrou.
___Para começar, ao contrário de mim, que já estava com meu Título de Eleitor em mãos, o velhinho primeiro chegou perto dos mesários, para, então, começar a procurar a carteira – como se ele tivesse todo o tempo do mundo. Parecia que iria demorar, mas, a carteira estava lá, no terceiro bolso do terno. Os mesários, com cara de poucos amigos, agiram rapidamente e, na hora de assinar, o tempo voltou a correr na velocidade do velhinho. Ele disse que tinha de trocar os óculos (estavam no segundo bolso). Ele assinou, voltou a usar o outro par de óculos e foi para a urna.
___Da porta, eu observava todo o ritual do velhinho. Ele chegou à urna, arrumou a cadeira que estava ao lado e sentou. Voltou a procurar os óculos (segundo bolso). Após a troca dos óculos, passou a procurar sua cola (primeiro bolso). Começou a votar. Depois de um minuto ele disse:
___– Não está aparecendo meu candidato. Eu estou apertando os números e aparece nulo aqui.
___Um dos mesários responde: "É só apertar 'corrige' e digitar o número novamente.".
___Novo minuto.
___– Apareceu "nulo".
___– É só apertar "corrige", digitar o número novamente e apertar confirma.
___– Vocês não podem vir me ajudar?
___– Não podemos, senhor. Não é permitido.
___Imagino que deva mesmo ser proibido os mesários ajudarem, mas o velhinho estava ficando com cara de desesperado. E, quanto mais desesperado ele ficava, mais impacientes ficavam os mesários e parecia cada vez menor a vontade deles de ajudar.
___– Deu nulo novamente. Como resolve?
___Uma mesária perdeu a paciência, levantou e disse "É assim mesmo. Digita o número agora e aperta confirma.".
___Ele digitou novamente.
___– É para apertar confirma?, perguntou o velhinho.
___– Isso. Pode digitar.
___Ele apertou.
___– Vai, digita o outro. – ordenou em um tom que faria Vito Corleone obedecer.
___– Tá dizendo que é nulo.
___– É só digitar novamente e apertar confirma.
___E assim tudo continuou. Quando ouviu-se a musiquinha final, ela disse "Acabou. O senhor pode ir.".
___– Mas, eu não queria anular.
___– Não anulou, não. É assim mesmo. Pode ir tranquilo. – disse a moça, com uma cara doce, continuando a enganar o senhor.
___O velhinho saiu com uma cara estranha e eu fiquei me sentindo um idiota por não ter feito nada.


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Dois senadores
___Assim que saiu o velhinho, entrou o senhor de barba que estava à minha frente. Rapidamente ele entregou os documentos, assinou e foi para a urna.
___Digitou, digitou. Tudo parecia estar indo bem. Até que ele levantou e disse:
___– Ei! Que palhaçada é essa?
___Os mesários olharam assustados.
___– Acabei de digitar o número do meu senador e apareceu para digitar senador novamente. Que merda é essa?
___– É assim mesmo, meu senhor. Nestas eleições, os eleitores votam em dois senadores. –, disse a mesária que havia "ajudado" o velhinho.
___– Vocês estão roubando! Eu já digitei o meu senador. É deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente. Eu já digitei senador!
___– Calma, moço. São mesmo dois sen...
___– Cala a boca, sua vaca! Eu vi você mentindo para o outro eleitor. Vai se foder! A mim você não engana.
___Começou uma bruta gritaria dentro da sala. Eu poderia ter resolvido rapidamente, pois eu tinha em mãos uma cola, mostrando o espaço para o número de dois senadores. Porém, como achei realmente errado o que fizeram com o velhinho que teve os votos anulados, apenas sorri e fiquei vendo os mesários sofrerem por alguns minutos. Eles mereceram.


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(Continua amanhã.)

3 de outubro de 2010

Voto de última hora

___Escolher candidato é algo realmente difícil (pelo menos para mim). Pesquiso a vida do cara, vejo o que ele já fez, conheço seus projetos e, óbvio, se eleito, acompanho seu desempenho e cobro sempre que acho necessário.


___Para as eleições deste ano, infelizmente, eu tive muito trabalho, já que havia perdido meu candidato preferido a deputado federal, o Ivan Valente – como relatei aqui.


___Faz anos que admiro Valente, já votei nele diversas vezes. No último ano, entretanto, apesar de continuar com um mandato admirável como deputado, Ivan Valente defendeu algumas bandeiras das quais discordo. Obviamente, mesmo preferindo que o mundo todo sempre concorde comigo, discordar de mim em uma ou outra coisa não é motivo para perder o meu voto. Porém, um político no qual votei discordar de mim e não responder os meus questionamentos, ignorar as reclamações da população (mesmo que representada apenas por um eleitor), é, sim, motivo o bastante para que eu não vote mais nele.


___Depois da reclamação aqui no blog e de um recado pelo Twitter do Ops!, a assessoria do candidato entrou em contato comigo e, ontem, o próprio Ivan veio aqui para explicar suas posições. Ainda discordo dele na defesa do “Ficha Limpa”, mas fiquei satisfeito com os argumentos e, principalmente, com a atenção dispensada a um eleitor.


___Foi um voto que o Ivan Valente conseguiu garantir – ou recuperar – no último minuto. Ainda bem, não gostaria de deixar de votar em um político que considero bom. Fico feliz em saber que serei um dos 300 mil necessários para que Valente consiga se eleger. Torço para que ele consiga.



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=CdIFrHKgvYU&fs=1&hl=pt_BR]

1 de outubro de 2010

Flores

___De longe, a foto que mais gosto da mulher que eu amo.


Flores


___Contando apenas, claro, as fotos que posso expor publicamente.


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P.S.: Aproveitando o título, vale conhecer/relembrar o clipe original da música “Flores”, do disco Õ Blesq Blom, dos Titãs.







O Auto da Barca da Censura

Entra o artista e, chegando ao Barco da Censura, diz:


Auto-retrato matando George Bush


ARTISTA: Esta barca, para onde vai?
CENSURADOR: Talvez ninguém saiba, é um mistério misto,
pois o que entra aqui nunca mais é visto.
ARTISTA: Então, por qual motivo algo aí há de entrar?
CENSURADOR: Entra porque alternativa não tem.
Nos anos 60 e 70, no Brasil, obras mil, nesta barca,
foram levadas para o além.
ARTISTA: Cruzes! Ficarei distante, então.
Meus quadros neste vazio não entrarão.
CENSURADOR: Difícil vai ser escapar. Meu barco –,
com seus “Os”, principalmente “As” e seus “Bs” –,
não costuma ter suas empreitadas jogadas ao charco.
ARTISTA: Não entrarei
e, quanto mais você gritar,
mais atenção receberei.
CENSURADOR: Ó Inferno! Entra cá!
ARTISTA: Ò Inferno?... Era má...
Hiu! Hiu! Barca do cornudo.
Pêro Vinagre, beiçudo,
rachador d'Alverca, huhá!
Sapateiro da Candosa!
Antrecosto de carrapato!
Hiu! Hiu! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Tua mulher é tinhosa
e há-de parir um sapo
chantado no guardanapo!
Neto de cagarrinhosa!


Furta cebolas! Hiu! Hiu!
Excomungado nas erguejas!
Burrela, cornudo sejas!
Toma o pão que te caiu!
A mulher que te fugiu
per'a Ilha da Madeira!
Cornudo atá mangueira,
toma o pão que te caiu!


Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha!
Dê-dê! Pica nàquela!
Hump! Hump! Caga na vela!
Hio, cabeça de grulha!
Perna de cigarra velha,
caganita de coelha,
pelourinho da Pampulha!
Mija n'agulha, mija n'agulha!


Vade Reto, censurador!
Inimigos seremos se minha arte eu não puder expor.

O artista se afasta da Barca da Censura e corre para o outro lado do palco, próximo à Barca da Salvação Exposição:

Auto-retrato matando Ariel Sharon


ARTISTA: Hou da barca, podes aí minha arte receber?
CURADOR: Demoro dous anos para aparecer,
mas, quando aqui estou,
tenho prazer em obras diversas acolher.
ARTISTA: Mesmo quadros como os meus,
que, dizem por aí,
violência incita,
tal qual o fogo de Prometeus?
CURADOR: A arte serve para que o público reflita;
violência, a própria realidade incita.
Se a Tradição, a Família e a Propriedade ou
o Zé Colméia quer tirar sua liberdade,
quem nesta barca está, vai defender sua dignidade.
ARTISTA: Ouvi dizer que a instituição do da censura
já defendeu a liberdade também.
Triste encontrar agora esse canhestro moralismo,
tratando criações com desdém.
Bem Farias saber que tenho em outra barca
Anjos que concordam com minha marca.
CURADOR: Não preciso concordar com uma palavra do que dizes,
para defender até a morte o teu direito de dizê-las.
Entra logo nesta barca para que mines
qualquer tentativa de escondê-las.


E, assim, o artista embarca.

Auto-retrato matando Bento XVI