___Desde o finalzinho da tarde de sábado, rolou, aqui em Sampa, a Virada Cultural – 24 horas de atividades culturais espalhadas por diversos cantos da cidade (com um enfoque muito maior no Centro). Eu me diverti horrores. Enquanto me divertia e flanava pela cidade, fiquei com vontade de fazer publicamente vários comentários, de contar algumas histórias. Seguem abaixo.
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___Não tenho dúvidas de que as pessoas exageram bastante com essa ideia de morte prematura dos jornais e revistas impressos por causa da internet. Enquanto revistas semanais continuarem vendendo uma página determinada (apenas uma!) por mais de 200 mil reais*, achar que esses veículos vão acabar logo é ilusão.
___Mesmo assim, ver os guias da Virada publicados pelos jornais totalmente incompletos, com indicação para o site www.viradacultural.org como solução para preencher as lacunas é muito bizarro. É praticamente um atestado de que a turma dos impressos está a entregar os pontos.
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___Todo ano aparecem os chatos que conclamam que “Não tem nada de bom neste ano! A Virada passada estava muito melhor.”. Normalmente, não se explicam, não argumentam, apenas dizem sentir saudades de um passado idílico – em que devia chover leite, camisinhas e mel.
___Sempre acho que essa gente ficou as 24 horas em casa ou que fomos a eventos diferentes. Só para citar duas boas pedidas deste ano:
- o palco diferente de stand-up comedy;
- o pessoal do Beatles 4ever apresentando a discografia completa do quarteto inglês em ordem cronológica.
___Os dois eventos foram ótimos e duraram a Virada Cultural inteira. Só é possível dizer que não havia nada de bom para ver ficando em casa.
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___Adoro encontrar algumas pérolas por mero acaso.
___Fui ver o Encontro de Contadores de Histórias, no Centro da Cultura Judaica: o tema da noite eram histórias indígenas. Difícil não ser bacana.
___O fantástico é que, além das clássicas e interessantes histórias indígenas, conheci a contadora Kiara Terra. Com a proposta de uma “História Aberta”, Kiara montou, com as intervenções do público, a narrativa de um mito indígena de criação. Fiquei completamente apaixonado.
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___Procurando um palco específico, fui pedir informações para um par de policiais. Um deles me respondeu simpaticamente, enquanto o outro ficou me olhando desconfiado, mão no cassetete.
___Afastei-me, depois de falar com eles, e me dirigi à minha noiva que, de longe, apenas observava a cena.
___– Amor, você viu como um dos policiais estava me olhando?
___– Vi...
___– Por que será que o segundo parecia tão desconfiado?
___– Culpa sua. Você vai pedir informações com isso na cabeça. – respondeu ela, olhando para cima.
___Para não queimar a minha cabeça (que cada vez parece ter menos cabelo para se proteger sozinha), fui à Virada de boné. O problema é que era um boné do MST. Será que o segundo policial ficou receoso que eu fosse invadir algum palco improdutivo?
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___Se plantassem uma flor para cada imbecil que já existiu, o mundo seria um gigantesco jardim. Mesmo assim, felizmente, durante o dia-a-dia, os idiotas acabam diluídos pelo cotidiano. São nos seus horários de folga e – principalmente – quando estão em grupos que os imbecis fazem questão de deixar claro para todos quem são.
___Cito dois casos ilustrativos, presenciados durante a Virada Cultural, de como os idiotas se sentem mais à vontade para mostrarem seus talentos quando em manada grupo.
___Em meio a uma peça na rua, três rapazes pararam a certa distância do palco e começaram a mexer com uma das atrizes. Ignorados, eles começaram a gritar, impedindo qualquer um de ouvir a montagem. A baderna só parou quando a atriz, docemente, fez um tchauzinho e convidou-os para ver o espetáculo. Não que eles tenham parado para ver, mas, depois do convite, resolveram se retirar.
___O segundo caso aconteceu no metrô. Lendo calmamente em um banco do trem, ouvi uma grande algazarra. Levantei os olhos e vi um monte de jovens, cabelos e roupas coloridas, correndo para o próximo vagão. A porta fecha; abre novamente. No alto-falante, um funcionário do metrô pede para que os passageiros não segurem as portas do trem. O metrô parte, chega à próxima estação. A cena se repete: gritaria, o mesmo grupo de jovens correndo para algum vagão, porta fechando e abrindo, trem demorando para partir.
___Na estação seguinte, novamente a balbúrdia. Desta vez, o grupo que fazia a molecagem entrou no vagão em que eu estava. Alguns entram e começam a gritar “Segura! Segura a porta para o resto entrar.”. Vejo que o grupo é bastante grande. Junto com eles, entra um par de seguranças. O mais alto começa a gritar:
___– Vamos parar com esta putaria! Vocês acham que só vocês pagaram passagem? Não percebem que estão atrapalhando a viagem de todo mundo? Se isso acontecer novamente, eu faço todo mundo descer na próxima estação!
___O grupo finalmente pára quieto. Será que pararam por medo do segurança ou, com a fala dele, finalmente perceberam que estavam incomodando a todos segurando o trem? Imagino que seja pela primeira opção, a vida dos outros não parecia realmente uma preocupação para aquele rebanho.
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___Por fim, o fenômeno que mais me agradou na Virada Cultural deste ano foi a liberdade que os artistas de rua independentes conseguiram.
___Desde 2010, a prefeitura e o governo do estado vergonhosamente têm impedido a livre apresentação de artistas em alguns locais de São Paulo. Durante a Virada, entretanto, os artistas de rua aproveitaram a dificuldade da polícia para identificar quem era contratado do governo e quem era artista independente e saíram pela cidade mostrando seu trabalho – e, claro, passando o chapéu. Pena que não é assim que acontece todos os dias.
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* Vide, por exemplo, o mídia kit da Veja.