26 de julho de 2011

Como saber se o seu chefe não gosta de você

___Em outras profissões, sinceramente eu não sei. No entanto, para professores é bem fácil saber se um chefe vai ou não com a sua cara.


Declaração de amor do meu chefe


___Se, ao montar o seu horário, o seu patrão coloca você para dar a primeira (às 7h10min) e a última aula (que acaba às 18h), com um imenso intervalo no meio (das 10h05min até às 16h25min), provavelmente ele não morre de amores pela sua pessoa.

Você está feliz?

___Felicidade é uma bruta coisa complicada de se definir, entender, medir. Por vezes, acorda-se cedo, praguejando contra um despertador barulhento, mas se está feliz. Eu mesmo passei por isso em muitas manhãs; manhãs em que só fui me perceber feliz à noite.
___No meu novo cotidiano, eu ganhei um momento em que paro para fazer algo muito chato, mas que tem me servido como termómetro: lavar louça.
___Não sinto o menor prazer em limpar copos, colocar a mão na água fria, tentar tirar resto de comida queimada e ectoplasma do fundo da panela. Só que essa é uma atividade que demanda certo tempo, exige que eu pare e fique ali, entretido naquilo por uns bons minutos. Por mais que eu coloque uma música para escutar enquanto dou asseio à louça, fico a refletir o tempo todo, sem poder tirar os pensamentos de mim mesmo e do que me rodeia. E tem sido maravilhoso perceber como estou feliz.
___Felicidade pode ser difícil de definir e entender. Porém, se você está contente enquanto lava louça, se se sente alegre enxugando uma panela, se sorri limpando o ralinho da pia, provavelmente é porque você está feliz.


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P.S.: Se alguém quer uma indicação sobre o tema “ser feliz”, indico o livro A felicidade, desesperadamente, do filósofo André Comte-Sponville.
P.P.S.: Adorei usar a construção “se se sente” no último parágrafo. Vou fazer isso novamente qualquer hora dessas.

24 de julho de 2011

Preparando o terreno

___“Querido, entra. Seu tio passou aqui e deixou um casaco, que ele não quer mais, para você.”, disse a minha avó. Eu havia ido fazer uma visita rápida, só para deixar umas compras que ela havia me pedido.
___– Deixa isso lá no fundo que eu, rapidinho, pego o casaco aqui no armário. Ah... E você pode, por favor, separar o pacote de chá que, daqui a pouco, eu vou tomar?
___Quando voltei, ela ainda remexia o armário.
___– Não estou encontrando. Hum... Deixa ver... Pode ser que esteja nas gavetas. Querido, enquanto eu procuro, você pode colocar a água para ferver?
___Ao voltar, encontro minha avó fechando a última gaveta.
___– Não achei. Seu avô deve ter se confundido e colocado o casaco no armário dele. Vou lá ver. Só mais uma coisinha, faz o favor de colocar minha xícara na mesa? Com os pãezinhos e o doce também.  Assim que você voltar eu já encontrei.
___Mal eu havia terminado de colocar tudo na mesa, minha vó adentra a sala, casaco na mão.
___– Querido, aqui está. Olha, já tá tudo posto! Por que você não senta e toma um chá comigo?

18 de julho de 2011

Notícias do Casório

___Mais de uma semana sem publicar nada aqui no Incautos. O último texto foi publicado no dia do jantar familiar que celebraria o meu casamento. Se bobear algum leitor está até pensando: "Ah... Esse Ulisses deve estar em uma interminável e devassa lua-de-mel, com muito sexo, chantili, couro e algemas.". Infelizmente, leitores, não foi exatamente isso. Claro, estou tendo minhas deliciosas núpcias e meus pulsos estão vermelhos; porém, minha demora em postar qualquer coisa tem sido por conta da mudança de casa.
___Deixando as explicações de lado, para quem está curioso para saber do casamento, fica uma sinopse básica.


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___A festa começou meia hora antes do combinado, já que um tio da noiva achou por bem chegar mais cedo. Procurando ser um bom anfitrião, fui recepcioná-lo para, então, ouvir que “Não, não... Não quero entrar. Prefiro ficar vendo o jogo de futebol aqui na portaria.”. Quando eu achei que o tio excêntrico da minha mulher já havia chegado, entra no prédio o segundo, de óculos escuros. Ou melhor, tenta entrar, pois o segundo tio, não percebendo que a porta era de vidro, bateu a cara e caiu no chão.
___Arrumei uma cadeira para o primeiro tio, um saco de gelo para o segundo e um remédio de dor de cabeça para mim. Minha festa começava com augúrios tão bons quanto os de uma peça grega que principia com urubus sendo vistos no céu.
___Apesar disso, no geral o evento foi bastante bom. Boas conversas, gente querida, boas danças. Porém, lá pelo meio, eu entendi os funestos augúrios de tragédia grega. Ser anfitrião é insuportável: você fica correndo para todos os lados, tentando dar atenção a tudo e a todos e obviamente não consegue. Conversa com um casal aqui, corre para perto de uma pessoa que parece deslocada, tira fotos com convidados, evita que aquele gremlin caia na água, mostra onde fica a comida. Voltando aos gregos: igualzinho um tal de Sísifo carregando uma pedra morro acima.
___O melhor de tudo, claro, foi o casar em si. Diga-se de passagem, foi fantástico fazer isso de maneira nada religiosa, sem nenhum padre, rabino, mestre jedi ou pastor. Eu mesmo celebrei minha união com a Marcela. Até perguntei se alguém tinha alguma coisa contra - para falar naquele momento ou se calar para sempre (e fiz isso baixinho, para minha sogra não escutar).


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___Enfim, estou casado. A reforma do meu apartamento não terminou, mas nós já mudamos. Hoje somos um casal feliz, vivendo junto de pedras, cadeiras improvisadas e areia. Se sair água salgada da torneira, vou achar que vivo na praia.


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P.S.: Pobre que sou, não achei que conseguiria, com facilidade, objetos para minha casa. Meus parentes e amigos são uns fofos e me ajudaram bastante. Agradeço muito a todos.
P.P.S.: Vocês leitores também são uns fotos. Falei que eu ainda não havia ganhado panelas e fui presenteado por uma enxurrada de objetos de cozinha. Obrigado mesmo.

10 de julho de 2011

Traje de casamento

___Toca o telefone; atendo. Era minha prima perguntando o quão social ela deveria ir à minha “festa de casamento”.

___– Ah, pode vir à vontade. É só um jantarzinho. Eu, que sou o noivo, vou estar de calça jeans e, no máximo, com uma camisa social.

___– Sério?

___– Claro.

___– A noiva está aí com você?

___– Sim – respondo, estranhando um pouco a pergunta.

___– Então passa para ela que eu já conheço o seu “bom gosto” para roupas.

9 de julho de 2011

Ensinando o Desrespeito

___A falta de respeito que os motoristas demonstram pelos pedestres é gigantesca. Isso acontece por motivos sociais, econômicos, por falta de atenção do poder público e por um monte de outros pontos. Mesmo assim, eu ainda não havia percebido que desrespeitar pedestres é algo tão institucionalizado que já está até sendo ensinado por aí.


Ensinando o Desrespeito - Auto-escola
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P.S.: Caso alguém esteja precisando, fica um detalhe extra:


Ensinando o Desrespeito - Auto-escola

5 de julho de 2011

Convite de casamento

___Existe gente que me acha estranho. Outros que não gostam das minhas opiniões. Alguns não me entendem. E tem até quem não acredita em mim. Ainda bem a minha noiva aprecia a vida que eu levo e quer vivê-la comigo.
___Para garantir que ninguém vai ter dúvidas sobre o nosso casamento (e também para tentar angariar alguns presentes), nossos pais resolveram organizar um pequeno jantar com alguns poucos amigos e parentes. Por insistência da minha mãe, redigi o convite. Segue abaixo:



___Frida Kahlo e Diego Rivera eram artistas plásticos. Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, filósofos. Batman e Robin eram combatentes do crime.
___Mauricio, historiador, e Marcela, veterinária, são apenas pessoas atípicas, mas, assim como os casais famosos citados acima, amam muito um ao outro e resolveram ficar juntos. Se você quiser comemorar com eles essa união, dia 10/VII/2011, às 18h, na Rua XXXXXXXXXXXXX, acontecerá uma pequena festa. Apareça.


___Como o objetivo era, também, ser pidão, no rodapé do convite eu acrescentei:



___É bom lembrar: Marcela e Mauricio não são pintores importantes, filósofos renomados ou moram na Mansão Wayne. Portanto, caso você queira dar uma mão para o casal que está a montar um novo lar, existe uma lista de presentes nas lojas Fast e Camicado.


___Lamento não poder convidar todo mundo para o jantar. Mesmo assim, aceito presentes. Ainda não ganhei panelas.

2 de julho de 2011

Tormenta de palavras

___Plataforma do metrô. Esperando meu trem chegar, sou abordado por um velhinho pedindo informações. Educadamente, ajudo-o – “É só pegar o trem da plataforma de cima.”. Para me agradecer, ele começa a contar uma longa – e desconexa – história; sem parar um minuto para respirar. Pior, ele ainda tinha a incômoda mania de falar segurando o braço do interlocutor.
___Lendo, atualmente, Quincas Borba, do Machado, lembro-me de um trecho do capítulo XXXIV:




“A alma do Rubião bracejava debaixo deste aguaceiro de palavras; mas, estava num beco sem saída por um lado nem por outro. Tudo muralhas. Nenhuma porta aberta, nenhum corredor, e a chuva a cair.”



___Passam dois trens – e nada da história acabar. Não vendo alternativa, com a chegada do terceiro, interrompo-o dizendo que “Tenho horário. Preciso pegar este.”.
___Sem pestanejar, o velhinho embarca comigo:
___– Não tenho pressa. Termino a história durante a viagem e depois eu volto para cá.