31 de outubro de 2011

PM na USP: bandidos e mocinhos

___Sabem como é que se faz para educar a população para odiar certos grupos? Já diria Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista, é só moldar o discurso vezes o bastante para que as pessoas passem a acreditar que aquilo é a Verdade.
___Querem ver como é que se faz? Vamos, mais uma vez, brincar de analisar discursos –, dessa vez, em uma reportagem televisiva.
___Para começar, assistam, com atenção, essa reportagem do jornal Bom dia Brasil, da Globo.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=_6PRArBnWac[/embed]
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___Prestaram atenção? Agora, respondam: segundo a reportagem, quem são os mocinhos e quem são os bandidos? Claro que eu sei que imparcialidade não existe em praticamente nenhum discurso; mesmo assim, talvez valesse a pena disfarçar um pouco as opiniões do jornal.
___Logo no início do vídeo, Chico Pinheiro, apresentador do jornal, anuncia que a polícia flagrou estudantes fumando maconha na USP e que “dezenas de amigos resolveram defender os alunos” (5” a 9”). Não conheço os três estudantes que foram pegos queimando erva, mas, a não ser que eles distribuam gratuitamente os baseados que não fumam, eu duvido um pouco que toda aquela gente que os estavam defendendo fossem seus “amigos”. Ao nomear como “amigos” os alunos que protestaram contra a Polícia, Chico Pinheiro desqualifica mais ainda a ação dos estudantes. Protestar contra a PM deixa de ser um ato político e se torna uma briga pessoal que alguém se meteria para ajudar um amigo.
___A reportagem começa, então, falando sobre a invasão dos estudantes a “um dos prédios da administração da USP”. Enquanto a voz do narrador introduz a reportagem, abusa-se de imagens desabonadoras aos estudantes: uma bandeira do Brasil sendo queimada (1’ a 1’03”), placas de ruas arrancadas para serem usadas como barricada (1’03 a 1’05”).
___Faz-se uma digressão para “horas antes”, quando toda a confusão começou. As imagens correm rapidamente para vários estudantes reunidos e para a chegada dos policiais – e para uma janela quebrada no carro da polícia (1’19”). A primeira parada mais detalhada das imagens e da narração é no caso de “um delegado tinha ido até o Campus” e “foi impedido de sair” (1’23” a 1’30”). Mesmo mostrando o tal delegado um tanto descompensado ao falar com os estudantes, a imagem e a narração são bem claras: são os alunos, bárbaros, discutindo com o servidor público e impedindo-o de sair.
___Em seguida, ressaltando o caráter mal-educado dos alunos, vemos, novamente, a janela do mesmo carro quebrada (1’33”) e ênfase a um estudante que subiu no carro da polícia civil (1’30 a 1’34”).
___O narrador fala que alguns estudantes pediam calma, mas termina a frase lembrando que “outros discutiam com os policiais” (1’34” a 1’39”). Por fim, justifica a ação violenta da Polícia dizendo e mostrando que os alunos ergueram um cavalete contra os fardados (1’39” a 1’45”).
___Fala-se que a Polícia usou bombas de efeito moral e gás lacrimogênio e “os estudantes reagiram jogando pedras” (1’48” a 1’55”). Em outras palavras, a reportagem afirma que os policiais usaram armas inofensivas, enquanto os alunos atacaram com objetos que realmente poderiam machucar. Caso tenha ficado alguma dúvida, logo em seguida entra o repórter Jean Raupp dizendo que “Por conta das pedradas, três PMs ficaram levemente feridos.” (1’55” a 1’58”). A possibilidade que algum estudante tenha se machucado nem é cogitada.
___Por fim, mostra-se, pela terceira vez, o mesmo carro da polícia civil com a janela traseira quebrada e Raupp afirma que mais cinco carros da PM foram danificados (1’59” a 2’03”) – deixando clara a atitude vândala e o total desrespeito com a propriedade pública que têm os estudantes.
___Não deixando dúvidas sobre qual o lado que a Globo decidiu se posicionar, nenhum estudante foi entrevistado. O tenente-coronel que falou às câmeras forneceu, obviamente, a sua versão dos fatos. Por exemplo, o policial disse que “Nós temos um contato muito bom com os alunos da USP” (2’23” a 2’25”), algo que não condiz muito bem com a realidade, pelo menos nas faculdades de Humanas – locais em que se discute frequentemente sobre a retirada da PM do Campus.
___Falando sobre a Polícia Militar no Campus, um dos pontos mais parciais da reportagem é o final, quando a repórter Cintia Toledo conta que “Recentemente a PM e a Reitoria [da USP] fizeram um convênio para aumentar a segurança por aqui depois que começou uma onda de violência dentro do Campus. O estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, foi baleado num dos bolsões de estacionamento da Cidade Universitária e morreu.” (3’04” a 3’20”).
___Parece até que a redentora PM veio salvar a USP de uma “onda de violência [que começou] dentro do Campus”. Pela fala da repórter, dá até para imaginar que, de repente, do nada, surgiu uma “onda de violência” na USP e, se bobear, foram os maconheiros violentos da Faculdade de Filosofia que balearam um estudante. A verdade é que a onda de crimes que assola a cidade de São Paulo (não só a Cidade Universitária), entre outros motivos por conta de uma segurança pública ineficiente, levou um estudante à morte quando tentaram roubar o seu carro dentro da USP. Por conta desse fato extremado, conseguiram uma desculpa para a reitoria permitir a entrada da Polícia no Campus. Mas, para a reportagem, esses fatos devem ser só detalhes.
___Como para a Globo os únicos bandidos dessa história eram os estudantes, certos detalhes não têm mesmo importância. Por exemplo, para o jornal é completamente irrelevante que os policiais que foram ao Campus, para garantirem impunidade caso resolvessem usar de violência, retiraram suas identificações.*


Policial sem identificação - FFLCH - USP - 27/X/2011
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___Não escrevi esse texto para justificar a atitude dos alunos da USP. Em momento algum eu disse que os meus colegas de Universidade são irrepreensíveis. Entretanto, achei que valia a pena analisar o discurso contido na reportagem da Globo para lembrar o quanto um canal, formador de opiniões, faz com que as pessoas escolham, irrefletidamente, seus lados na hora de pensar sobre uma questão importante como a presença da Polícia em campi universitários.


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* Imagem retirada deste vídeo amador, feito na FFLCH, no dia da confusão.

25 de outubro de 2011

Cadê o meu livro?

___– Amor, não estou encontrando o livro que eu estava lendo, ontem, na cama.
___– Qual livro?
___Onde perdemos tudo.
___E, pelos próximos dez minutos, minha esposa ficou rindo da minha cara.


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P.S.: Eu sei que parece propaganda. Eu sei que eu gosto do Alex e faria esse tipo de propaganda. Só que, acreditem ou não, o diálogo acima realmente aconteceu.

21 de outubro de 2011

A bomba da padaria

___Chegando perto de casa, confiro as moedas que tenho no bolso. Paro na padaria e compro uma bomba de chocolate.
___Entro no apartamento feliz, antevendo a possibilidade de ver um episódio de Cidade dos Homens com a minha esposa, dividindo o doce. Sentamos, começamos a assistir. Ela morde a bomba e faz uma careta.
___– Amor, acho que o creme está azedo.
___Provei, concordei com o diagnóstico. Com o humor azedado por ver o meu descanso indo elevador abaixo, voltei à padaria.
___Procurei a funcionária que me atendeu e lhe apresentei a bomba mordida. Ela chamou o gerente. Mais azedo do que o recheio da bomba, o rapaz perguntou:
___– O que é que você quer?
___– Acho que o doce está estragado.
___Quebrando uma parte da cobertura com os dedos, o gerente experimentou e sentenciou:
___– Está uma delícia, como tudo o que fazemos aqui.
___Pensando em lindos e saltitantes pôneis cor-de-rosa para tentar fingir um sorriso, respondi:
___– Prove o creme, por favor.
___Assim que provou, o doce gerente não conseguiu esconder uma careta. Após se recompor limpando a boca com um guardanapo de papel, o rapaz disse:
___– Creme estraga fácil mesmo, é normal azedar de um dia para o outro. Não trocamos doces comprados ontem.
___Fiquei na ponta dos pés, coloquei os cotovelos no balcão e, falando da maneira mais açucarada que me foi possível, concluí:
___– Eu comprei a bomba não faz nem dez minutos, fofo!
___Ele se virou para a funcionária, que, baixando os olhos, anuiu com a cabeça. Sem se voltar para mim, o gerente disse a ela “Troque logo doce do cliente, mulher!” – e saiu batendo os pés.
___A irritação do rapaz trouxe de volta o meu bom humor. Olhando em volta para ver se ninguém mais ouvia, falei para a atendente:
___– Azedo, né?
___Saí da padaria com um novo doce – e com o sorriso da moça.


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P.S.: Aproveitando o assunto, minha irmã e o meu cunhado, nutricionistas, começaram a escrever um blog sobre comida. Se quiserem conhecer, o endereço é http://www.comidanarede.com.br

18 de outubro de 2011

Ditaduras na América Latina – século XX

___Meu principal estagiário deste ano, é um historiador chamado Caio Romero. Entre suas atividades de Licenciatura, ele teve de montar um curso de quatro aulas. O tema escolhido, como o título já diz, são as Ditaduras na América Latina.
___Quinta-feira, vai acontecer a última aula e, para ajudar aos estudantes, o Caio resolveu disponibilizar a bibliografia de todo o material utilizado e/ou indicado no curso (inclusive com links para o que existe online). Quem se interessa pelo tema, recomendo fortemente uma passada em seu blog.


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P.S.: Vale dizer, o Caio e sua namorada Barbara são duas pessoas lindas. Doces, espontâneos, sinceros – é sempre um prazer conviver com eles. São pessoas que converso, homenageio, paquero, presenteio, aprecio o tempo todo. Obrigado, lindos.

16 de outubro de 2011

Piolho, o Gato

___Quando você escolhe alguém para casar, existe uma grande chance de que a profissão do seu par influencie um tanto na sua vida. Se for um cozinheiro, talvez você possa experimentar ótimos pratos; se for um editor da Cia das Letras, pode faltar espaço na sua casa, se o seu consorte for um mafioso, talvez alguém esteja, neste momento, querendo lhe fazer um favor. A minha esposa, para quem não sabe, é veterinária. A repercussão disso é fácil de ser imaginada.
___Sexta-feira, alguém abandonou, na porta do hospital em que minha esposa está estagiando, seis filhotes de gato. No final do dia, o hospital iria fechar e apenas uma plantonista iria ficar no local.
___– Puxa, eu não vou dar conta. Além dos animais internados, ainda aparecem esses gatos malnutridos. Esse pequeno, que não consegue comer sozinho, não aguenta até segunda.
___O pequeno, piolhento, que não conseguia comer sozinho e que ainda estava sofrendo de hipotermia, passou o final de semana na minha casa.


Piolho, o Gato


___No primeiro dia, o pobre mal comia; apenas ficava deitado. Nem se ouvia o coitadinho.
___Hoje, domingo, o Piolho corre pela casa, mia sem parar e elegeu o meu corpo como o lugar mais interessante do mundo para explorar.


Piolho, o Gato


Piolho, o Gato


___Tantas gatinhas no mundo para se interessarem pelo meu corpo e é bem um gato que passeia por ele durante o fim de semana.


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P.S.: Segunda-feira, mais forte e comendo sozinho, Piolho voltará para o hospital. Interessados em churrasco, tamborins e, principalmente, em criar um gatinho, deixem um recado nos comentários que eu passo o e-mail para a minha esposa.

14 de outubro de 2011

Alô?

São Latércio, o Santo Recalcitrante


___Toda vez que eu leio essa tirinha do Laerte, penso que ela, individualmente, caso não fizesse parte de uma série, ficaria ótima com o seguinte diálogo.


Voz ao telefone: Em quem podemos ajudar, São Senhor?
Personagem com auréola:
Eu não sou santo!
Voz ao telefone:
Prove.
Personagem com auréola:
Eu tenho pensamentos homicidas. Quero matar, matar com truculência, com requintes de crueldade, quero que haja agonia, terror e uma compreensão fulgurante – embora tardia – da minha autoria e da gravidade da minha fúria. Que haja o desejo inútil de voltar no tempo para que todo esse horror pudesse ter sido evitado!
Voz ao telefone:
Chegou a realizar algo nesse sentido?
Personagem com auréola:
Sim!
Voz ao telefone (com o tom levemente mais exaltado):
Deus?!? É o Senhor? Está pensando em outro Dilúvio? Em uma nova Sodoma? Olha, eu peço desculpas...


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P.S.: Para quem gostou da brincadeira, em meados de 2010, fiz outra paródia com uma tirinha do Laerte.
P.P.S.: Quem quiser ver, no original, a série toda de São Latércio, o Santo Recalcitrante, é só clicar aqui.

11 de outubro de 2011

12 de outubro: marcha pela demissão de toda a classe política

___Amanhã, novamente, os cidadãos de bem irão às ruas para lutar contra a corrupção. A partir das 15 horas, no vão do Masp, em plena Avenida Paulista, milhares de pessoas marcharão pedindo a demissão de toda a classe política. Talvez agora este país vá para frente. Quiçá, finalmente, a política no Brasil tome jeito. Não esqueçam, é amanhã, quarta-feira. Não deixem de comparecer!
___E hoje, neste blog, mais um artigo começa utilizando, no primeiro parágrafo, o recurso retórico conhecido como ironia.


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___Para quem não sabe (eu fiquei sabendo por vários e-mails e alguns convites no Facebook), no dia 12, um monte de idiotas que não sabem nem direito o que é política, que não leem sobre o assunto e que mal se informam sobre o que acontece, vão à Paulista para pedir a “demissão de toda a classe política”. Assim como eu apoio que os imbecis pelo mundo tenham o direito de proferir frases machistas, racistas ou com qualquer outro tipo de preconceito, também apoio que alguns ignorantes marchem pela “demissão de toda a classe política”.
___Claro que eu acho linda a mais famosa fase de Voltaire: “Eu posso não concordar com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las.”. Só que não é exatamente por isso que defendo tosquisses como expressar preconceitos e fazer marchas estúpidas. Defendo liberdade para tais atitudes porque é sempre bom saber, sem o menor esforço, quem são os estúpidos que povoam o planeta.


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___Mesmo usando adjetivos pouco meigos como “idiotas”, “imbecis”, “estúpidos”, sou um moço bonzinho, talvez até condescendente. Se alguém passou a vergonha de me mandar um e-mail me convidando para uma passeata pela demissão de toda a classe política, se existe gente que publica isso em seus blogs, é porque acham que uma bobeira dessas pode valer a pena. Sendo assim, doce como sou, vou explicar um pouco onde está a idiotice.


Onde está Wally?
Conseguiu achar o Wally ou quer que eu desenhe uma seta vermelha?
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___Alguém que pede a demissão de toda a classe política, é aquele tipo de ignorante que encara todos os políticos como se fossem iguais; que fala que “Político é tudo corrupto.”. É quem, quando ouve sobre um caso de corrupção, não fica sabendo quem o cometeu, de que partido era. É alguém que não sabe quais políticos votaram a favor ou contra o último projeto de lei polêmico. É o eleitor que não lembra em quem votou.
___Dizer que todo político é ladrão nada mais é do que uma atitude preguiçosa de quem não acompanha a carreira dos políticos em que vota. É o resultado de não pesquisar o histórico e as propostas de cada político antes de votar. Pedir a demissão de toda a classe política assemelha-se a jogar fora a água suja da bacia junto com o bebê – e a bacia. Demitir todos os políticos (ou fazer com que eles se demitam), também excluí do poder os bons governantes, quem está fazendo um bom trabalho.
___Trata-se de uma proposta vazia que nada mais traria além de uma desorganização gigantesca e nenhuma solução. Antes que alguém fale algo do tipo, saibam que nem mesmo anarquistas pedem por isso.*
___Por fim, o mais ridículo é que, mesmo que uma bobagem como a demissão de toda a classe política vingasse, eles seriam logo substituídos por outros políticos – alguns bons, outros ruins. E o problema recomeçaria, com nada resolvido. Só restaria, então, reclamar novamente. A única leve vantagem é que, talvez assim, as pessoas entendessem a antológica frase do republicano Lopes Trovão, poucos anos depois da proclamação da república brasileira: “Como era boa a República... Nos tempos do Império.”.


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P.S.: Sobre essas marchas vazias, meu amigo Alex Castro escreveu um ótimo texto para o Papo de Homem: “O problema com o movimento anti-corrupção”. Está bem mais didático que o meu artigo raivoso.
P.P.S: Já que eu citei um texto do Alex por aqui, vale anunciar que, sexta-feira, na Casa das Rosas, a partir das 19h30min, vai ocorrer o lançamento físico do livro Onde perdemos tudo. Apareçam para comprar o livro e, se quiserem, para me ver. Depois do lançamento, às 21h30min, vou trabalhar na academia de dança que fica a apenas dois quarteirões de lá. Fica o convite.


Convite - Lançamento paulista - Onde perdemos tudo


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* Cf.: Errico Malatesta, “Rumo à Anarquia” (1910).

9 de outubro de 2011

Ouvindo (e olhando) o músico

___Coisas que acontecem na vida de um professor.
___Tive um aluno chamado Marco, matemático, que queria muito aprender forró. “Não quero só aprender”, ressaltava o rapaz, “quero dançar com exatidão. Posso saber poucos passos, mas, os que eu souber, quero fazer perfeitamente.”.
___Dedicado e disciplinado, ele não faltava em nenhuma aula, obedecia minhas “lições de casa” e aparecia para dançar nos bailes da academia. Em pouco tempo, Marco começou a dançar direitinho: conduzia bem as damas, executava os passos com exatidão. No entanto, ritmo era o seu fraco. Ele até começava bem, mas qualquer passinho mais elaborado, qualquer pausa na música, o rapaz desandava. Tentei bater palmas, contar o ritmo ao lado dele, ler poemas ritmados, mostrei até como ler uma partitura. Nada vingava perfeitamente.
___Depois de alguns meses de aula, Marco me convidou para o seu aniversário. O plano era festejar em um forró. Chegando lá, logo vi o rapaz dançando com o seu ritmo peculiar. Quando a música acabou, fui cumprimentá-lo. Enquanto conversávamos, entrou o trio que iria tocar, ao vivo, naquela noite. Se eu estivesse em uma banheira, teria gritado “Eureka!”.
___Levei-o para perto do palco e reexpliquei que, no forró, o ideal é marcar as extremidades do passo básico na batida dupla da zabumba. “O zabumbeiro toca duas batidas rápidas, segura fazendo uma pausa e marca uma batida forte.”. Fazendo uma onomatopeia falei “Tum-tum, tum. Tum-tum, tum. Tum-tum, tum.” enquanto imitava o tocador da zabumba. “Olhe! Quando ele faz ‘tum-tum’, nós marcamos para frente ou para trás.”, completei, marcando o passo com os pés e apontando para o músico.


Músicos de forró


___Marco ficou extremamente animado com a descoberta. Tentando seguir o ritmo com o auxílio visual, passou a só dançar com as damas em frente ao palco. Na aula seguinte, para o meu espanto, o seu problema com ritmo já estava completamente sanado. Se eu soubesse que o exercício funcionaria tão bem, teria colocado ele para dançar com uma banda ao vivo antes.


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___Sexta passada, quando cheguei, à noite, em casa, o porteiro me chamou para entregar uma caixa prateada que haviam deixado para mim. Surpreso, recebi e fui tentando descobrir o que era no elevador.
___Tratava-se de um fone de ouvido da Philipsedição especial do Rock in Rio -, enviado pela agência Grudaemmim.


Fones de Ouvido - Philips Rock in Rio


___Gostei do fone. Tem sido ótimo para preparar minhas aulas de dança em casa. O som é ótimo, a flexibilidade é aceitável, a regulagem de cabeça é boa e, o que eu mais gostei, os fones são extremamente macios. É possível utilizá-lo por um bom tempo sem nenhum incomodo.
___Ganhei o fone e fiquei feliz com isso. Mesmo assim, não achei que encaixava nas temáticas do Incautos e, portanto, não iria falar nada. A curiosidade por tê-lo ganhado, entretanto, fez com que eu entrasse no site da Philips. Por lá, tive outra interessante surpresa: uma seção chamada “Obcecados por som” em que é possível ouvir uma música tocada pela Metropole Orchestra. Mais legal ainda, existe a possibilidade de isolar o som de cada músico.


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___Não sei quando terei outro aluno com as dificuldades que o Marco teve, mas aposto que essa brincadeira do “Obcecados por som” pode ser bem útil para quem trabalha com dança. Mesmo sem dançar, é bem interessante. Experimentem.

6 de outubro de 2011

Promoção inócua

___Ontem, quarta-feira, saí correndo do trabalho para assistir Elvis & Madona no cinema. Mesmo sendo a segunda semana em cartaz, o filme não chamou atenção e só está em três ou quatro cinemas de Sampa, em poucos horários. Era bom não enrolar ou eu perderia a chance.
___Assisti e, admito, saí decepcionado. Mesmo tendo sido “baseado” no filme, o livro do Biajoni é absurdamente melhor –, mais bem fechado, com situações condizentes com o andamento da história e sem furos gigantescos.* Ainda assim, não deixa de ser bacana ter visto, em um cinema comercial, um romance entre uma lésbica e um travesti.


Ingresso - Elvis & Madona - Cinemark


___Mais divertido ainda, é que, sendo um cinema comercial, o Cinemark (pelo menos o Santa Cruz) fechou algum tipo de contrato com a Veja. O verso do ingresso vinha com a seguinte promoção:


Ingresso (verso) - Elvis & Madona - Cinemark


___Paradoxal é que o tipo de pessoa que foi assistir Elvis & Madona provavelmente não vai comprar uma Veja; e quem lê, com frequência, uma revista direitista e preconceituosa, não vai ao cinema para ver um filme sobre o amor entre um travesti e uma lésbica. Que Oxumarê abençoe o acaso e a ironia.


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P.S.: Para quem gosta de Literatura, fica como indicação o paralelo que eu tracei entre o livro do Biajoni e o conto “As Academias de Sião”, de Machado de Assis.


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* Quanto o José Wilker recebeu para fazer aquela cena podre? Eu sei que uma aparição pequena como aquela pode ter custado pouco, mas a cena é tão ruim que eu teria cobrado o triplo pela vergonha de ter participado dela.

3 de outubro de 2011

Se eu não puder dançar, não é a vida que eu escolhi

___Folheando um livro que estava nas mãos de uma amiga*, encontrei uma fala linda da Emma Goldman.




Nos bailes, eu era uma das mais alegres e cheias de energia. Uma noite, um primo de Sasha, um garoto jovem, me puxou de lado. Com uma expressão grave, como se fosse anunciar a morte de um companheiro querido, ele sussurrou que não convinha a uma agitadora ficar dançando. Com certeza não convinha com um tal abandono. Não era uma atitude digna para quem estava para se tornar uma força no movimento anarquista. Minha futilidade apenas mancharia a causa. Eu fiquei furiosa com a interferência sem pudor do garoto. Eu falei para ele cuidar da própria vida e disse que estava cansada de jogarem a causa toda hora na minha cara. Eu não acreditava que uma causa que defende um ideal tão lindo, o anarquismo, a liberdade e emancipação das convenções e do preconceito exigisse a negação da vida e da alegria. Eu enfatizei que nossa causa não poderia esperar que eu fosse uma freira e que o movimento não deveria se tornar um mosteiro. Se fosse isso, eu não o queria. Eu quero a liberdade, o direito à livre-expressão, o direito de todos às coisas bonitas e radiantes! Para mim, o anarquismo era aquilo e eu viveria o anarquismo a despeito de todo mundo – prisões, perseguição, tudo. Se eu não puder dançar, não é a minha revolução.



Emma Goldman


___Eu sei que Emma Goldman estava falando de como ela encarava o Anarquismo e a liberdade que esse deveria permitir a todos, em qualquer situação. Mesmo assim, não consigo ver um ponto sequer da minha vida cotidiana –, da sala de aula à pesquisa, do meu casamento a conversas com amigos, de escrever no blog a ler um livro no parque –, não consigo pensar em nenhuma constante do meu cotidiano em que isso não possa ser aplicado.


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___Quanto mais feministas eu conheço, quanto mais sei sobre Emma Goldman, Mary Wollstonecraft, Lucy Parsons, Simone de Beauvoir, mais me admiro o movimento feminista.


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* Baderna: Estamos vencendo! – Resistência global no Brasil, de Pablo Ortellado e André Ryoki.