4 de setembro de 2014

Dançar, cantar e ensinar

___Cada professor tem suas características, gostos e talentos. Saber aplicá-los ao que se ensina é um bom caminho para enriquecer as aulas usando o que se tem à mão. Uma professora de Matemática apaixonada por xadrez pode muito bem trabalhar com o tabuleiro; o professor Luiz Tatit usa seus conhecimentos musicais para complementar suas aulas de Semiótica; eu, dançarino de profissão, já usei diversas vezes a dança como documento histórico a ser analisado em sala de aula.*
___Usar o que se tem à mão, também significa não perder ótimas oportunidades. Cely Kzk, mezzosoprano e relações públicas do grupo Bendita Folia, entrou em contato comigo para discutir sobre um projeto de levar música vocal para escolas públicas. Expliquei a ela como as escolas e suas burrocracias funcionam, passei alguns telefones, dei dicas de lidar com algumas situações escolares. Toda essa conversa, acabou rendendo um concerto didático teste em uma das escolas em que eu leciono. 

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___Acho lindo e importantíssimo que estudantes tenham contato com a música. Considero imprescindível que professores indiquem para seus alunos concertos, shows, encontros de repentistas e o endereço do barbeiro do Hermeto Pascoal. Entretanto, apenas trocar uma aula por um concerto, sem nada mais do que isso, parece-me simplesmente trocar seis por meia dúzia. 
___Para que o uso de algo que o professor tenha à mão torne-se realmente válido para o trabalho que é feito em sala de aula, aquele extra deve, mesmo que de forma leve, encaixar-se com o curso. Por isso mesmo, antes de marcar a data de apresentação com o Bendita Folia, pedi a eles o repertório. Com o programa em mãos, estudei as músicas e vi em que momento elas poderiam ser bem relacionadas com os assuntos que eu estava trabalhando. Eles vieram, então, no fim de agosto, quando eu estava falando sobre governos totalitários com os alunos do 3º ano do Ensino Médio. 

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___Os músicos do Bendita Folia prepararam um concerto extremamente didático. A formação técnica em canto erudito permitiu que, de maneira extremamente clara, eles explicassem para os alunos diversos conceitos musicais importantes.

Grupo Bendita Folia, em concerto didático, na ETESP - Aula de História do Trida

___A maior parte do repertório escolhido foi de MPB, da década de 1930 para frente. No entanto, para, didaticamente, mostrar diferenças, os cantores começaram com a música renascentista “Les Chant des Oiseaux”, de Clement  Janequin. 
___Aproveitando o ponto de comparação bem anterior às outras músicas que seriam cantadas, comecei a falar como os regimes totalitários utilizavam o passado. Por exemplo, os fascistas, em pleno século XX, diziam-se herdeiros das glórias do Império Romano.** Não foi à toa que um dos símbolos utilizados pelos partidários de Mussolini foi o fascio littorio (o feixe de varas carregado pelos lictores, na Roma Antiga), que acabou dando nome ao fascismo. 

M. Ulisses Trida e o fascio littorio fascista

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___Conseguir trazer músicos para a sala de aula foi complicado. Associar o repertório com o conteúdo a ser ensinado para os estudantes, deu um trabalho descomunal. Mesmo assim, foi uma oportunidade extraordinária para os alunos. Uma sociedade que realmente valorizasse a Educação não faria uma atividade como essa ser algo tão raro. 

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* Na última sexta, vale acrescentar, analisei alguns aspectos da Era Vargas dançando samba de gafieira com a fantástica Gislene Souza.
** O mesmo Império Romano que fazia parte da Antiguidade Clássica – aquela que os renascentistas diziam representar o seu “renascimento”. 


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