31 de janeiro de 2015

Tentando de tudo


___Depois de assistir Filadélfia com uma amiga, começamos a conversar sobre doenças degenerativas, mortes dolorosas e outros assuntos tristes. J., física de formação, ateia e cética, começou a defender o direito à eutanásia. Concordei e a conversa continuou rolando, até que ela disse que morre de medo de ficar doente daquela maneira. 
___– Quer saber? Se eu pegasse uma doença degenerativa grave, que não tivesse cura, eu tentaria de tudo. Até coisas que, hoje, saudável e consciente, eu sei que são bobagens. 
___– Como o quê? –, perguntei. 
___– Ah, sei lá. Homeopatia. 
___– Então você também aceitaria rezar e ir à missa todo domingo?
___– Eu tô falando sério! –, respondeu ela, exasperada. 
___– Eu também estou falando sério, J.. Se você disse que vai tentar de tudo, por que não tentar pedir para uma divindade salvar você? 
___– ... –, ela pensou por alguns segundos e disse: – Quer saber, Ulisses?
___– Hum?
___– Você é um babaca. 


28 de janeiro de 2015

Pacientes...

___Consulta marcada para as 8h da manhã. Chego por volta das 7h50min. A secretária chega umas 8h10min para abrir o consultório. Pacientes vão chegando e se aglomerando na sala de espera. Lá pelas 9h15min, finalmente, aparece o médico. 
___Deve ter alguma coisa no Juramento de Hipócrates sobre isso. 

12 de janeiro de 2015

A Ditadura da Mentira

___Atualmente, o Museu da Língua Portuguesa, em seu andar de exposições temporárias, abriga alguns dos trabalhos do 41º Salão Internacional de Humor de Piracicaba – ganhando o andar a brincadeira de que “Esta sala é uma piada”. Infelizmente, a sala também conta com uma piada de muito mau gosto. 
___Uma parede antes dos trabalhos do 41º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, estão expostas algumas charges e tiras publicadas pelo jornal Folha de São Paulo criticando a Ditadura Civil Militar. Por mais geniais que sejam algumas daquelas obras, a seleção de imagens (quase todas do final da década de 1970 e do início da de 1980) procura passar a imagem de que a Folha foi um jornal que combateu a Ditadura.


___Infelizmente, o jornal paulista foi um notório apoiador do Regime Civil Militar. Vide, por exemplo, o escrotérrimo editorial “Presos Políticos?”, publicado pela Folha, em 30/VI/1972. Anos depois, quando da abertura política, quando a Ditadura já estava abrindo as pernas, a Folha de São Paulo mudou de lado, passou para o grupo de críticos ao Regime. Diga-se de passagem, não foi exatamente todo o jornal, só alguns membros dele – como, por exemplo, os cartunistas. 
___Então, hoje, querendo apagar (ou maquilar muito bem) o seu passado, a Folha patrocina uma exposição* tentando posar de democrata, de crítica à Ditadura. É um ato covarde. Para um jornal é principalmente um ato feio, porque é uma atitude desinformativa. Pelo menos honra o nome da exposição que originou a parede anti-Ditadura da Folha: “Este Jornal também é uma piada”. 

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* Não muito grande, vale dizer. Talvez tenha faltado material. ;-)

10 de janeiro de 2015

Diógenes, o Mendigo

___Diógenes de Sinope, mais conhecido como Diógenes, o Cínico, foi um importante filósofo da Antiguidade, que viveu mais ou menos entre 404 e 323 a.C.. As lendas sobre sua vida como filósofo-mendigo são quase tudo o que restou de sua obra. Entre essas histórias, as minhas preferidas são as conversas de Alexandre, o Grande, com o filósofo. Encontrá-las não é nada difícil. Por isso mesmo, ao invés de simplesmente contá-las, resolvi adaptá-las para Sampa dos dias de hoje. 
___Diógenes, como era de seu feitio, fica sendo um mendigo. Alexandre, o Grande, nesta adaptação, fica como um executivo de sucesso. 


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___Irritado, Alexandre sai do edifício espelhado para as calçadas da avenida Paulista, quase nove da noite. Foi um dia estressante: reunião atrás de reunião, clientes ao telefone a cada intervalo e ainda seria necessário fazer um pouco de serviço em casa. Enquanto afrouxava a gravata, o executivo olha para o lado e vê um mendigo deitado na calçada, ocupado em fazer carinho em um cachorro vira-lata. 
___Alexandre sorri, o mendigo sorri de volta. Talvez mais à vontade por conta da interação, talvez para desestressar-se um pouco, o executivo diz:
___– Queria ter uma vida tranquila como a sua. 
___– Por que você não tem?
___– Talvez um dia. Ainda tenho muito que conquistar. Quero viajar, ter dinheiro para garantir o meu descanso futuro, ter outro apartamento. Essas coisas. 
___– Se você precisa de mais alguma coisa –, responde o mendigo –, você nunca vai ter o que eu tenho. 
___O executivo sorri e pergunta o nome do mendigo. 
___– Diógenes. 
___– Diógenes do quê?
___– Só Diógenes já me basta. Não preciso de mais nada. 

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___Saindo de uma unidade do Itaú Personnalité, Alexandre coloca seus óculos escuros e sai a caminhar. Não anda nem meio quarteirão e encontra Diógenes encostado em uma parede. Ainda positivamente impressionado com a conversa que tiveram alguns dias antes, Alexandre para na frente do mendigo, coloca a mão no bolso, segurando a carteira e diz:
___– Diógenes, diga-me: o que você quer? Posso lhe dar dinheiro, trabalho, lugar para morar. Peça e eu darei. 
___– Só não me tire o que você não pode me dar. –, respondeu Diógenes, deslocando-se um pouco para o lado para voltar a pegar sol. 
___Percebendo, então, que havia tirado o sol que aquecia o mendigo, Alexandre, envergonhado, pega uma nota de cinquenta reais, coloca no chão e se vai. 
___Diógenes não pega o dinheiro. 

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___Perto do trabalho, Alexandre vê dois outros executivos rindo de Diógenes, que dorme, sujo e seminu, na calçada. Irritado, Alexandre diz:
___– Se eu não fosse o executivo de maior sucesso da nossa empresa, gostaria de ser aquele mendigo. 

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P.S.: As estórias desta postagem existem graças a Diógenes, o Cínico, à minha amiga Fernanda e ao lindo SP Invisível


4 de janeiro de 2015

Por que você não gosta do natal?

Nota introdutória: Deixei esta pequena postagem para depois das festas para ser simpático com todos os leitores. E, antes que alguém pergunte, não é um texto indireta para ninguém. Trata-se apenas de uma reflexão simples.

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___Se você é uma pessoa que não gosta das festas de natal, sugiro uma pequena reflexão: por que você não gosta do natal? 
___É porque você odeia juntar vários parentes que você não viu o ano todo e, agora, só por conta dessa festa, você é obrigado a suportar? É por causa das piadas chatas daquele seu tio? Daquela sua tia que pergunta “E as namoradas?”? Do cachorro mala da sua irmã? Daquela criançada toda gritando e correndo? Por achar constrangedor? Por você não estar interessado no que a sua avó vai contar sobre o seu primo de segundo grau? É porque você odeia dar votos falsos? São sempre festas chatas?
___Se você respondeu positivamente para algumas das questões acima, talvez valha a pena pensar um pouco que seu problema pode não ser exatamente com a festa de natal. O seu problema, caro leitor, é com a sua família. Você talvez até goste do natal, o que você não gosta é de ficar junto com os seus familiares. 
___Boas festas. 

2 de janeiro de 2015

Pessoas porcas

___Enquanto espero o ônibus, uma mulher de uns 50 anos para do meu lado e acende um cigarro. Uma moça, bufando para o cigarro da mulher, sai de perto. Eu, sem ligar, continuo a esperar o ônibus, alternando meu olhar da rua para o meu livro. 
___– Como as pessoas são porcas! –, diz a mulher. 
___Levanto os olhos do livro para ver se ela está falando comigo. 
___– Como as pessoas são porcas, né?
___Meio sem jeito, solto um fraco "É...". 
___Ela sorri para a minha resposta e, animada, entre uma tragada e outra, começa reclamar: no ano novo as pessoas bebem e jogam a latinha no chão; ninguém pega o cocô do próprio cachorro; tem moleque que cospe até chiclé no chão. A mulher segue por alguns minutos tocando apenas uma nota: quanta gente existe por aí que joga lixo na rua.
___Então, o ônibus dela chega. A mulher faz sinal, dá uma última tragada e joga o cigarro no chão.