28 de maio de 2015

A incrível congregação de vapores

___Existe muita porcaria na internet. E, mais do que porcaria, existe muita gente reclamando que existe muita porcaria. Por isso mesmo, é fantástico apontar quantas coisas legais e bacanas vão surgindo pela internet a fora. No ano passado, no mundo dos blogs, foi iniciado, pela maravilhosa Camila Pavanelli, o importantíssimo Boletim da Falta d'Água em SP; entre os vídeos, eu descobri o ótimo Nerdologia, do  Atila Iamarino;  e, nos podcasts, em maio do ano passado, foi lançado o Promontório Estéril, feito pelo simpático Fabricio Soares. E é exatamente do Promontório que eu resolvi falar hoje. 
___Para anunciar o aniversário de um ano de vida do podcast, o Fabricio fez um episódio especial contando curiosidades sobre aniversários. Esse é um dos pontos mais bacanas do Promontório Estéril: mesmo sendo um podcast de biografias, quase qualquer tema tratado é cheio de curiosidades (ou dito de forma bem interessante, com boa trilha sonora e ótimos efeitos de sonoplastia). 
___No episódio de aniversário, aos 6’33”, Fabricio fala sobre o brigadeiro e conta que o doce “ganhou esse nome graças ao brigadeiro Eduardo Gomes, político que disputou a presidência, em 1945. As eleitoras e fãs criaram o doce, que foi nomeado com sua patente, para ganhar votos.”. Adoro essa curiosidade e sempre divirto meus alunos com ela. Em sala, conto, também, sobre o slogan que usaram durante a campanha de Eduardo Gomes: com o objetivo de arrecadar os votos femininos (já que aquela seria a primeira eleição presidencial com mulheres votando) se dizia “Vote no brigadeiro que, além de bonito, é solteiro.”.*
___Deixando minhas tergiversações de lado, escrevo esta postagem para indicar o podcast – que é uma das maravilhas produzidas pela internet hoje. E, claro, para parabenizar o Fabricio Soares e desejar que o Promontório Estéril dure por muitos outros anos. 

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* Não deixa de ser digno de nota o tratamento bizarro destinado às eleitoras. 

14 de maio de 2015

Irrequieta

Pintor: Moça, por favor, fique quieta.
Modelo: Desculpa...
Pintor: Tá aí. De novo. 
Modelo: Mas, eu não me mexi. 
Pintor: Você riu. 
Modelo: Desculpa. É que eu acho o senhor engraçado. 
Pintor: Não fiz graça nenhuma.
Modelo: A sua barba. Ela é engraçada. 
Pintor: Esqueça minha barba! Tente olhar para outra coisa. Nem olhe para mim.
Modelo: Tá bom. 
Pintor: Olhaí... Olha o que você fez! Errei o fundo. 
Modelo: A culpa não é minha. Eu não controlo o cenário.
Pintor: É culpa sua, sim. Você fica me desconcentrando. Cada vez que eu olho para você seu rosto está diferente. Tô corrigindo tanto que o quadro vai acabar borrado. 
Modelo: Ninguém vai ver muito esse quadro mesmo...
Pintor: Então fique quieta que eu termino rápido. 
Modelo: Sei, sei... 
Pintor: E pare de rir que eu não consigo acertar a sua boca. 

Mona Lisa (A Gioconda), de Leonardo da Vinci (1503-06)


10 de maio de 2015

Patrões e escravos

___Semana passada a Unicamp (e sua maravilhosa Olimpíada de História) me deu a oportunidade de conhecer uma ilustração de Jean Baptiste Debret que eu ainda não havia tido a oportunidade de ver: Cena de Rua (patrão e escravo).* 

Cena de Rua (patrão e escravo), de Jean Baptiste Debret

___Os trabalhos de Debret são fantásticos para conhecer um pouco sobre a vida no Brasil durante as primeiras décadas do século XIX. Infelizmente algumas das cenas por ele retratadas, como a aquarela acima, ainda assombram o Brasil das primeiras décadas do século XXI. 
___Moro ao lado de um prédio pertencente ao Poder Judiciário. Dia desses, a chuva caia forte e eu estava à janela, com a minha cachorrinha, olhando exatamente a tal repartição pública. Enquanto eu observava, um carro chique parou próximo à parte coberta. O motorista abriu a porta, o guarda-chuva e desceu do carro; deu a volta no veículo e foi para o coberto. Pouco depois ele volta e abre a porta traseira do carro, do lado do passageiro. Ao tentar se deslocar de volta para pegar sua passageira, o motorista percebe que a porta vai acabar fechando. Para evitar o fechamento da porta, ele passa a segurá-la com uma mão e, com a outra, estica o guarda-chuva para a senhora que aguardava no coberto. 
___Mesmo desprotegido, tomando uma torrencial chuva à cabeça, o rapaz permanece impassível. A senhora bem trajada começa a ir em direção à porta aberta e o motorista vai protegendo-a com o guarda-chuva. Então, alguém, no coberto, chama a mulher. Ela se vira e começa a conversar. 
___A conversa durou alguns minutos. A mulher não se preocupou em voltar para o coberto, pois estava protegida pelo guarda-chuva. O interlocutor também não deve ter se preocupado, já que não se molhava. O motorista, tal qual o escravo retratado por Debret, ficou parado, esquecido, resguardando à pessoa de casta superior. 

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* Pintada entre 1817-1829. 

1 de maio de 2015

Tatuagem e etiqueta II

___No final do ano passado, eu publiquei um texto por aqui perguntando, para pessoas tatuadas, qual é a etiqueta para se olhar tatuagens de desconhecidos em lugares públicos. Agradeço às respostas, se bem que ainda mantenho minhas dúvidas. 


___Hoje, venho aqui relatar um pequeno ocorrido sobre tatuagens e dividir com os leitores minha reação. Vamos à narrativa.

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___Encontrei uma moça que estudou comigo no colegial. Aquele tipo clássico de encontro de antigos conhecidos: ela gritou meu nome, eu olhei, demorei um pouco para reconhecê-la e, depois de alguns minutos, estávamos relembrando o passado e comentando sobre a vida pós-escola. 
___Ela, que sempre foi muito tradicional e recatada na escola,* estava bem mais solta. E, também, estava toda tatuada. Comentei que havia gostado das tatuagens nos braços. Animada, ela se virou, levantando o cabelo e dizendo “Essa foi a minha última!”. Eu, que gosto de ver tatuagens, fiquei sem reação: o carpe diem que ela havia tatuado no pescoço estava escrito errado. 
___Fui assolado por um turbilhão de pensamentos. Eu deveria falar alguma coisa? Adiantaria falar de um erro em uma tatuagem, em algo que seria difícil de ser apagado ou corrigido? Se soubesse do erro, ela tentaria saná-lo ou só ficaria chateada? Se ela não soubesse, a tattoo poderia virar motivo de escárnio? 
___Quando ela se virou, com o olhar ávido, esperando para ver minha reação, engoli em seco e disse:
___– Acho muito legais essas letras rebuscadas que são usadas nas tatuagens...
___Não sei se agi bem. Mas, pelo menos, ela sorriu. 

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P.S.: Aproveitando o ponto, vale lembrar que erros também podem ser propositais. Ou alguém pode afirmar, com certeza, que o fuck the system da tatuagem acima não foi uma escolha completamente consciente? 

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* Na década de 1990.