31 de agosto de 2017

Civilizando selvagens pelo comércio

___Sempre que uma marca, empresa ou afim se mostra interessada em alguma causa social, costumo olhar com desconfiança. Marca de cosmético que defende que as pessoas devem ter aceitar sua beleza natural; mercados que lutam pela natureza (ou pela felicidade); refrigerantes que pregam uma vida mais saudável. Os exemplos bizarros são incontáveis. 
___Isso não significa que não seja importante lutar por essas causas. E, claro, é melhor a empresa se mostrar a favor desses pontos do que contra. Entretanto, não se deve esquecer que muito provavelmente o objetivo da marca com aquela campanha é simplesmente vender mais, não fazer um mundo melhor.
___É sempre interessante ver esse objetivo em outros momentos da história. Vejam essas Atas do Conselho Geral da Presidência, de 4 de novembro de 1829.

___A civilização dos selvagens que vagam nos sertões do nosso país é ao mesmo tempo recomendada pela religião, pela humanidade e pela política; e o mais profícuo meio de civilizar é criar neles necessidades, que não poderão satisfazer, senão no seio da sociedade. Promover comércio com eles, cujo objeto sejam coisas de fácil e reconhecida vantagem e cômodo para a vida, é criar essas necessidades, e ao mesmo tempo acostumá-los a olhar para nós como para amigos e benfeitores, outro meio assaz forte para os chamar ao grêmio da religião e da sociedade. O Conselho Geral desta província, movido por estas considerações propôs e aprovou a seguinte resolução, que espera que seja por v. m. imperial e constitucional [d. Pedro I] sancionada, e aprovada pela Assembleia Geral, vista a importância transcendente de sua matéria, e o pequeníssimo dispêndio exigido.

___Conselho Geral da província de São Paulo resolve:
___Artigo único.
___O governo fica autorizado a despender 100 mil-réis anuais em cada uma das vilas de Itapetininga, Faxina, Castro e Guarapuava, a fim de estabelecer algum gênero de comércio com os índios.
___Paço do Conselho Geral de São Paulo.
___São Paulo, 30 de dezembro de 1829.
[Assinam Manuel Joaquim Ornelas e Diogo Antônio Feijó.]*

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P.S.: Se alguém quiser refletir um pouco mais sobre o assunto, recomendo o episódio “Marketing de Causa”, do podcast Mamilos
P.P.S.: Vale linkar outro texto aqui do blog, de 2015
P.P.P.S.: Se alguém quiser se divertir com o assunto, recomendo também Obelix & Companhia, de Goscinny e Uderzo. 

Obelix & Cia

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* Retirado do livro Diogo Antônio Feijó, organizado por Jorge Caldeira (São Paulo: Editora 34, 1999, p. 237.).