31 de outubro de 2023

Arte e a primeira vez*

 * NSFW, mas deveria ser.

            Você lembra onde viu a Mona Lisa pela primeira vez? Eu não lembro. Obviamente não foi no Louvre, porque nunca estive lá. Parece que eu sempre soube da existência da mais famosa pintura de Leonardo da Vinci, como se tivesse nascido sabendo. Mas, óbvio, não foi assim.

            Algumas obras de arte são tão comuns que parece que sempre estiveram dentro da minha cabeça. Provavelmente, todo mundo deve se sentir assim sobre algumas obras. Por isso mesmo, quando vejo uma obra que não conhecia e gosto, fico com uma sensação gostosa de saber exatamente quando e onde a vi pela primeira vez. Sei, por exemplo, exatamente o que estava acontecendo quando tive meu primeiro contato com A origem do mundo, pintura de 1866 de Gustave Courbet.



            Mais ou menos no auge do Facebook, algumas mães, felizes pelo bebê que acabara de nascer, postavam fotos amamentando. Com a desculpa de que queria evitar fotos pornográficas, a rede social censurava as imagens e bloqueava os perfis das mães. Alguns homens, em apoio a essas mulheres, publicaram fotos sem camisa e, obviamente, não sofreram nenhuma censura do Facebook. Até que um homem da minha rede (desculpe-me, não vou me lembrar quem foi) não postou uma foto, mas, sim uma pintura. A pintura de Gustave Courbet. Sem entender a ironia (seja da pintura, seja da postagem), a rede social censurou a pintura e bloqueou o rapaz –, que, na época, publicou um texto em um blog contando o caso.

            Sim, o Facebook censurou uma pintura do século XIX. De qualquer modo, foi assim que eu vi, pela primeira vez, A origem do mundo e descobri que se tratava de uma pintura muito famosa.

            Nesta semana, passeando pelo Sesc Avenida Paulista, entrei na exposição Tornar-se Orlan, da artista francesa Mireille Suzanne Francette Porte, mais conhecida como Orlan. Lá, escondida em um canto, tive o prazer de ver, pela primeira vez, a obra A origem da guerra (1989).


            Orlan fez uma releitura maravilhosa da obra de Gustave Courbet. A origem da guerra foi feita nos mesmos moldes dA origem do mundo, reproduzindo, inclusive o tamanho e a moldura. A obra de Orlan mantém a ironia presente na de Courbet, choca o público (efeito também causado por A origem do mundo) e acrescenta um elemento feminista (possivelmente ausente em Gustave Courbet).

            Fico feliz de ter conhecido ambas as obras e de ter o privilégio de lembrar exatamente como as conheci.

 

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P.S.: Em 2014, a artista Deborah de Robertis fez uma performance em frente ao quadro A origem do mundo chamada Espelho da Origem mostrando o mesmo que a pintura mostrava. Os seguranças esvaziaram a sala, procuraram ficar na frente da artista e ela acabou escoltada para fora do Museu de Orsay pela polícia. Aqui um texto legal sobre a obra e aqui um vídeo da performance



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