10 de setembro de 2007

O jejuador

_____Acho que nunca contei aqui, portanto serve como introdução: meu pai é médico. Mais precisamente, meu pai é pediatra. Só as mães histéricas que aparecem no consultório pedindo para meu pai salvar os filhos delas ou com presentes porque ele já salvou já dariam um belo blog de crônicas humorísticas. Provavelmente um blog diário. Hoje apareci para relatar uma conversa inusitada que tive no final de semana com uma paciente do meu pai que ligou aqui em casa.

*****

House

_____O telefone toca e eu vou atender:
_____– Alô.
_____– Alô. Eu gostaria de falar com o Dr. W.. – fala uma voz esganiçada do outro lado da linha.
_____– Perdoe-me, mas ele não está. – respondo.
_____– Mas, eu preciso falar com ele urgentemente.
_____– Quer que eu anote o recado?
_____– Eu preciso falar com ele agora! Meu filho tem um problema. É muito importante. – a voz esganiçada do outro lado da linha começa a ficar histérica.
_____– Desculpe-me, mas ele não está. Se é urgente, leve a criança ao pronto-socorro. O que aconteceu?
_____– Sabe o que é – fala a voz esganiçada de maneira mais calma quando eu pareci dar atenção –, faz três semanas que meu filho não come nada.
_____– Três semanas?!?
_____– É.
_____– Faz três semanas que ele não come nada?
_____– É...
_____Nada?!?
_____– É! – responde a mãe da criança, impaciente com minhas perguntas repetitivas.
_____– Quantos anos seu filho tem?
_____Alguns segundos de silêncio precedem a resposta.
_____– ... 13.
_____– Ele está no Brasil?
_____Um silêncio mais duradouro do outro lado da linha, até que ela responde:
_____– ... Claro...!
_____Tentando segurar o riso, pergunto, realmente curioso:
_____– Se faz três semanas que ele come nada, por que a senhora não ligou antes?
_____– Eu liguei agora. – responde a moça, parecendo um pouco confusa.
_____– Mas, como ele sobreviveu por três semanas sem comer nada? – eu realmente estava enfatizando cada vez que eu falava a palavra “nada”.
_____– Olha, eu preciso falar com o Dr. W.. Vai chamá-lo agora, homem! – responde a voz do outro lado da linha, já nervosa.
_____– Falei sério, mulher, meu pai não está! – neste momento eu também comecei a perder a paciência.
_____– Olha aqui, seu idiota, quero falar com ele agora. – gritou a mulher do outro lado.
_____Perdendo a paciência, respondo no mesmo tom:
_____– Minha senhora, se ele sobreviveu por três semanas sem comer nada, aposto que ele agüenta até o meu pai chegar!
_____Ela desligou. Foi uma pena... mais um pouco e eu indicava um livrinho do Kafka para ela.


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