Ouvi, por
anos, elogios à série Lei e Ordem (Law & Order). Mais
louvores ainda vinham para seu spin-off, a Lei e Ordem: Unidades de
Vítimas Especiais (Law & Order: Special Victims Unit). Dia
desses, o streaming que tenho assinado passou a ter em seu catálogo a Lei
e Ordem: UVE, temporadas 6, 7, 9, 10 e 11. Comentei com uma amiga fã da
série que era uma pena não poder começar do início do seriado. Ela me respondeu
que não fazia diferença, que a maior parte dos episódios eram bem fechados em
si próprios, que não era necessário ver tudo. Aceitei o conselho e fui
assistir.
O Lei e Ordem original
começou a ser exibido em 1990; seu spin-off, em 1999. Ambos continuam
com temporadas agora em 2024 e não parece que as gravações pararão tão cedo. A
quantidade de fãs é enorme. Eu, pessoalmente, só vi a sexta temporada do Lei
e Ordem: UVE e, mesmo gostando de assistir, tive um problema com o seriado
que não fulgurou nos inúmeros comentários que chegaram até mim: como os
policiais do seriado cometem crimes o tempo todo e como, no geral, isso não tem
consequência alguma.
Vou me focar em uma personagem –,
o detetive Elliot Stabler, interpretado pelo ator Christopher Meloni, – e em um
crime –, a violência policial.
Não existe a menor dúvida, Elliot
Stabler (pelo menos na sexta temporada), é um policial dedicado. Ele se esforça
surrealmente para resolver o caso em que está trabalhando, acima mesmo do seu
próprio bem-estar. Falando assim, ele parece absurdamente admirável.
Os problemas aparecem em meio a
todo esse esforço. Enquanto se dedica para resolver um crime, Stabler e os
outros policiais entram em locais sem mandato e isso nem parece ser uma questão
na maior parte dos episódios. Ameaçar, mentir e afins também costuma ser comum.
Mas, de longe, o local mais problemático, que mais me causou asco, foi assistir
as atitudes de Stabler com as pessoas na sala de interrogatório.
Tentando conseguir pistas ou
confissões, os policiais ameaçam, invadem o espaço pessoal da pessoa
interrogada e, sem a presença de advogados, cometem outros tipos de abuso.
Stabler, entretanto, passa ainda mais desse limite que nem deveria ter sido
ultrapassado. Em mais de um episódio da temporada 6, ele pega o interrogado,
bate o corpo da pessoa contra a parede, estrega a cara dele na mesa e coisas do
tipo. Vale ainda acrescentar: as pessoas com quem Stabler mais toma esse tipo
de “liberdade” costumam ter uma classe social bem específica; interrogando
pessoas com maior poder aquisitivo, ele fica parecendo os outros policiais da
série. Elogios, portanto, ao realismo da direção do seriado.
– Ah,
Ulisses, deixa de ser chato! Ele está lidando com criminosos. –, talvez me diga
algum leitor mais incauto.
Mesmo se
estivesse lidando apenas com pessoas que cometeram crimes, nenhum policial pode
agir assim com uma pessoa que está pacificamente sentada em uma sala de
interrogatório. Só que nem é o caso. Em mais de um episódio, Stabler age da sua
habitual maneira violenta com uma pessoa interrogada que, com o andamento da
história, acaba se mostrando completamente inocente. Isso, no entanto, nem
entra na reflexão. O ato criminoso feito por Stabler não tem literalmente nenhuma
consequência para o policial e, se teve alguma consequência negativa para a
pessoa, o ponto nem é abordado.
Consigo
entender completamente o esforço de toda equipe policial para capturar
pedófilos, estupradores e afins. Entendo, também, quem assiste uma personagem
como Stabler e só vê um policial dedicado. Assistindo, empolgado, completamente
mergulhado na estória, torcendo para que uma criança sequestrada por um
pedófilo seja salva, é perfeitamente compreensível ter algum pensamento tipo
“Faça logo isso, Stabler! Aquela criança está correndo perigo!”. No entanto, é
sempre importante lembrar que uma pessoa que está usando o poder do Estado para
cometer violências contra outras pessoas sem nenhum limite, um herói que está
cometendo crimes, não está agindo exatamente como um herói.
Pessoalmente, acho mais
assustador ainda é ver tanta gente assistindo ao seriado e não pensando nisso.