30 de novembro de 2024

– E as crianças?

 

            Naqueles segundos em que duas pessoas semidesconhecidas ficam trancadas dentro de um elevador, muitas vezes rola um silêncio sem graça; em outras, aprofunda-se em um interessantíssimo tratado de meteorologia – “Tá quente, né?”. Não são essas as estratégias de uma vizinha que, recentemente, mudou-se para o meu prédio.

            Tentando aparentar intimidade, logo no primeiro encontro que minha esposa e eu tivemos com essa vizinha, após as protocolares trocas de cumprimentos, ela já mandou:

            – E as crianças, como estão?

            Estranhando um pouco e meio constrangidos, respondemos um “Bem...”.

Nos encontros futuros, o “E as crianças?” se repetia e o diálogo nunca caminhou muito mais que isso. Até que, em um final de semana, no início da noite, nós chegamos ao prédio, chamamos o elevador e, enquanto esperávamos, a vizinha chegou:

– Boa noite.

– Boa noite. Tudo bem? – respondi, enquanto abria a porta do elevador.

– Tudo. E as crianças, como estão?

– Ah, hoje devem estar um pouco chateadas. Passamos a tarde toda fora e elas ficaram sozinhas.

Estranhando a informação, a vizinha ficou um segundo parada depois de apertar o botão do sétimo andar. Virou-se, olhou nos olhos da minha esposa e perguntou:

– Mas... são crianças ou adolescentes?

– ... Éééé... São cachorros.

– Ah, tá.

Subimos o resto da viagem em silêncio.

 

30 de outubro de 2024

Poesia indígena

 

            Videoaula sobre poesia indígena.

 


 

Bibliografia, fontes e materiais utilizados:

- “Curta! Poesia - Marcia Wayna Kambeba” (vídeo). Canal Curta!. 2017. Disponível em https://youtu.be/y3O7DOD9pSM?si=Tu6bMdBJIkUHzPJP.

- “Cultura indígena bororo” (vídeo). Rotas de Mato Grosso – Genito Santos. 2020. Disponível em https://youtu.be/uacVMPEIK_k?si=6fFCLs9Quxr33hgL.

- Fotografia de Carlos Drummond de Andrade no Correio da Manhã. Foto do Arquivo Nacional. 1970.

- Fotografia de Machado de Assis, tirada por Marc Ferrez em 1890.

- “Poesia indígena na língua do povo puri” (vídeo). Azuruhu. 2021. Disponível em https://youtu.be/1LsF-_hXExk?si=2nd1bAsnPlKaf8KS.

- ALBISETTI, Cesar; VENTURELLI, Angelo Jayme. Enciclopédia Bororo. Campo Grande: Museu Regional D. Bosco, 1970.

- ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

- ASSIS, Machado de. “O passado, o presente e o futuro da literatura brasileira”. In.: A Marmota. Rio de Janeiro: 1858.

- BOLOGNESI, Luiz. Guerras do Brasil.doc (documentário). Rio de Janeiro: Curta!, 2019. 

- COHN, Sergio. Poesia.br. Rio de Janeiro: Revistas de Cultura, 2021.

- CONTRERAS, Jimena. “World’s Sunrise” (trilha sonora). 2022. Disponível em https://www.youtube.com/@JimenaContreras e https://www.youtube.com/audiolibrary.

- GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2008. (Além da imagem do frontispício original.)

- SEEGER, Anthony. “O que podemos aprender quando eles cantam: gêneros vocais do Brasil Central”. In: SEEGER, Anthony. Os índios e nós: estudos sobre sociedades tribais brasileiras. Rio de Janeiro: Campus, 1990. pp. 83-106.

- SEEGER, Anthony. Why Suya Sing. Illinois: University of Illinois Press, 2004.

30 de setembro de 2024

Quer rejuvenescer seu cachorro? Pergunte-me como.

             Como já contei por aqui, em maio eu e minha esposa adotamos uma cachorra idosa chamada Sherazade. Sabíamos que não seria um processo fácil, mas, com muita paciência, tudo funcionou sem surpresas. Ou melhor, tivemos uma surpresa: a cachorrinha começou a rejuvenescer. 

            Tá, eu sei, ela não é O curioso caso de Benjamin Button e não está rejuvenescendo. Mas, algo muito interessante tem acontecido. Quando a Sherazade chegou aqui em casa, o focinho dela era bem branquinho. Agora, pouco mais de 4 meses depois, cada vez mais pelinhos castanhos têm aparecido no focinho dela. Veja as fotos abaixo. A foto de cima, logo que ela chegou, em maio; a outra tirada agora, no fim de setembro.

 



            Se alguém veio aqui ler este texto em busca de uma receita milagrosa, saiba que não fizemos nada de espetacular. A cachorra chegou muito acima do peso. Seguimos as recomendações do veterinário e estamos cuidando da dieta dela, dando uma ração (que me custa um fígado por mês) para ajudá-la no emagrecimento. Além disso, ela era uma cachorra de uma senhora que tinha dificuldade para andar e, portanto, a Sherazade não passeava. Atualmente, ela faz bons passeios todos os dias (passeios que foram aumentando de tamanho aos poucos).

            Só amor e cuidado, nada de mágico. A não ser que, daqui a uns meses, eu venha mostrar uma foto dela filhotinha. 




31 de agosto de 2024

Como colocar uma citação aleatória em um texto

 


            A Literatura conta com recursos tão fascinantes que é capaz de deixar qualquer historiador com inveja. Caso um escritor queira colocar uma citação interessante que ouviu por aí em um romance, mesmo que de uma fonte aleatória e não segura, os caminhos estão sempre abertos.

            Harper Lee, a autora do clássico To kill a mockingbird, fez isso no seu último romance, o Go set a watchman (ou, no Brasil, Vá, coloque um vigia). Em um momento qualquer da obra, após uma personagem falar sobre um governante alemão, Harper Lee escreve:

            Jean Louise se lembrou de um poema absurdo. Onde tinha lido?

Com a graça de Deus, minha cara Augusta,

obtivemos mais uma vitória robusta;

dez mil franceses foram para a cova.

Agradecemos a Deus por essa boa-nova.*

            A quadrinha é atribuída, desde o final do século XIX, ao kaiser alemão Guilherme I. Segundo as propagandas dos próprios alemães, o imperador escreveu esses versos para sua esposa Augusta de Saxe-Weimar-Eisenach relatando as vitórias prussianas sobre os franceses que, em 1871, levaram a unificação da Alemanha.

            E o que essa quadrinha tem a ver com a estória do romance da Harper Lee? Nada. Mas, ela deve tê-la achado interessante e resolveu colocá-la na memória da personagem principal. Eu achei interessante e resolvi colocá-la aqui.

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P.S.: Curiosidade extra. No Brasil o To kill a mockingbird, o primeiro romance de Harper Lee, costuma ser traduzido como O sol é para todos. Em Portugal existem duas versões mais comuns: Por favor, não matem a cotovia e o Mataram a cotovia.

 

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* Retirado de LEE, Harper. Vá, coloque um vigia. Tradução Beatriz Horta. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015. p. 161.

 

31 de julho de 2024

Lei & Ordem & Violência Policial

 

            Ouvi, por anos, elogios à série Lei e Ordem (Law & Order). Mais louvores ainda vinham para seu spin-off, a Lei e Ordem: Unidades de Vítimas Especiais (Law & Order: Special Victims Unit). Dia desses, o streaming que tenho assinado passou a ter em seu catálogo a Lei e Ordem: UVE, temporadas 6, 7, 9, 10 e 11. Comentei com uma amiga fã da série que era uma pena não poder começar do início do seriado. Ela me respondeu que não fazia diferença, que a maior parte dos episódios eram bem fechados em si próprios, que não era necessário ver tudo. Aceitei o conselho e fui assistir.

O Lei e Ordem original começou a ser exibido em 1990; seu spin-off, em 1999. Ambos continuam com temporadas agora em 2024 e não parece que as gravações pararão tão cedo. A quantidade de fãs é enorme. Eu, pessoalmente, só vi a sexta temporada do Lei e Ordem: UVE e, mesmo gostando de assistir, tive um problema com o seriado que não fulgurou nos inúmeros comentários que chegaram até mim: como os policiais do seriado cometem crimes o tempo todo e como, no geral, isso não tem consequência alguma.

Vou me focar em uma personagem –, o detetive Elliot Stabler, interpretado pelo ator Christopher Meloni, – e em um crime –, a violência policial.



Não existe a menor dúvida, Elliot Stabler (pelo menos na sexta temporada), é um policial dedicado. Ele se esforça surrealmente para resolver o caso em que está trabalhando, acima mesmo do seu próprio bem-estar. Falando assim, ele parece absurdamente admirável.

Os problemas aparecem em meio a todo esse esforço. Enquanto se dedica para resolver um crime, Stabler e os outros policiais entram em locais sem mandato e isso nem parece ser uma questão na maior parte dos episódios. Ameaçar, mentir e afins também costuma ser comum. Mas, de longe, o local mais problemático, que mais me causou asco, foi assistir as atitudes de Stabler com as pessoas na sala de interrogatório.

Tentando conseguir pistas ou confissões, os policiais ameaçam, invadem o espaço pessoal da pessoa interrogada e, sem a presença de advogados, cometem outros tipos de abuso. Stabler, entretanto, passa ainda mais desse limite que nem deveria ter sido ultrapassado. Em mais de um episódio da temporada 6, ele pega o interrogado, bate o corpo da pessoa contra a parede, estrega a cara dele na mesa e coisas do tipo. Vale ainda acrescentar: as pessoas com quem Stabler mais toma esse tipo de “liberdade” costumam ter uma classe social bem específica; interrogando pessoas com maior poder aquisitivo, ele fica parecendo os outros policiais da série. Elogios, portanto, ao realismo da direção do seriado.

            – Ah, Ulisses, deixa de ser chato! Ele está lidando com criminosos. –, talvez me diga algum leitor mais incauto.

            Mesmo se estivesse lidando apenas com pessoas que cometeram crimes, nenhum policial pode agir assim com uma pessoa que está pacificamente sentada em uma sala de interrogatório. Só que nem é o caso. Em mais de um episódio, Stabler age da sua habitual maneira violenta com uma pessoa interrogada que, com o andamento da história, acaba se mostrando completamente inocente. Isso, no entanto, nem entra na reflexão. O ato criminoso feito por Stabler não tem literalmente nenhuma consequência para o policial e, se teve alguma consequência negativa para a pessoa, o ponto nem é abordado.

            Consigo entender completamente o esforço de toda equipe policial para capturar pedófilos, estupradores e afins. Entendo, também, quem assiste uma personagem como Stabler e só vê um policial dedicado. Assistindo, empolgado, completamente mergulhado na estória, torcendo para que uma criança sequestrada por um pedófilo seja salva, é perfeitamente compreensível ter algum pensamento tipo “Faça logo isso, Stabler! Aquela criança está correndo perigo!”. No entanto, é sempre importante lembrar que uma pessoa que está usando o poder do Estado para cometer violências contra outras pessoas sem nenhum limite, um herói que está cometendo crimes, não está agindo exatamente como um herói.

Pessoalmente, acho mais assustador ainda é ver tanta gente assistindo ao seriado e não pensando nisso.