1 de abril de 2010

Dia dos mentirosos

___Alguns leitores vieram me perguntar por que eu chamei o texto sobre a greve dos professores, publicado no portal Terra, de escroto. Sei muito bem que é mais fácil derrotar o Mestre Yoda do que criar um texto completamente imparcial, mas sempre fico um pouco boquiaberto ao notar que muitas pessoas não percebem certos excessos de parcialidades.
___Vou, então, dissecar rapidamente como a reportagem do Terra foi redigida. Aconselho a releitura do panfleto artigo antes de acompanhar minha análise.

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___Logo na primeira frase, o pessoal da Redação Terra mostrou de que lado estava: “Professores da rede estadual paulista entraram em confronto com a polícia durante uma manifestação realizada nos arredores do Palácio Bandeirantes”. Prestem atenção, foram os professores que “entraram em confronto” com a polícia, não foi a PM que atacou os docentes. O modo como a frase foi construída, faz com que o leitor veja os professores como agressores e os policiais como pobres coitados que tiveram de reagir porque foram atacados.*
___O segundo e o terceiro parágrafos deixam claro que os jornalistas da Redação Terra chegaram a ler algum manualzinho de redação jornalística na faculdade. Eles citam as opiniões dos entrevistados e, teoricamente, mostram os dois lados. O chato é que o tal manualzinho deve ter sido escrito por algum seguidor do Cidadão Kane Roberto Marinho, pois a declaração da Polícia é apresentada da seguinte forma: “Segundo a polícia, os manifestantes teriam jogado pedras contra a PM que revidou com a Tropa de Choque.”. Já para o lado dos professores, cita-se uma pretensa manifestante que não quis se identificar e que diz uma frase que corrobora com a declaração da PM – “‘A polícia revidou com bombas, gás lacrimogêneo e balas de borracha.’” (grifo meu). E, mais, logo após colocar o “lado” dos professores, o Terra acrescenta, no mesmo parágrafo, o lado heróico dos policiais: “De acordo com a testemunha, um professor teria sofrido uma parada cardíaca e foi socorrido pelos policiais.”.
___Logo depois disso, citar os discrepantes números que a heróica PM e a provocadora Apeoesp calcularam para os presentes no local chega a ser covardia – “A manifestação reuniu, segundo cálculos da Polícia Militar, 5 mil professores. O Apeoesp estimou a presença de 20 mil pessoas.”. Detalhe extra: a polícia conseguiu calcular o número de professores, enquanto a Apeoesp, o número de pessoas.
___O parágrafo seguinte começa com o mesmo recurso usado na primeira frase do texto. Ao invés de algo mais neutro, como um “Antes do confronto”, escolheu-se “Antes dos atritos com a polícia”, levando novamente à idéia de que os professores é que entraram em atrito com a PM, nunca o contrário. O fim desse parágrafo, que fala da negociação dos professores com o governo, termina desmoralizando mais ainda os docentes. A última frase é “A assembleia realizada hoje, entretanto, já havia decidido pela continuidade da greve.”, mostrando que os professores só fizeram os membros do governo perderem tempo, pois a continuidade da greve já estava decidida e que qualquer negociação deveria ser inútil.

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___Entendo bem o que é escolher um lado, mas é sempre incomodo ver uma imprensa, que se conclama imparcial, trabalhando assim. Mais ainda quando essa mesma imprensa nem cogita a ideia de mudar de lado, nem quando fica descarado que o lado que ela defende está agindo de maneira absurdamente desonesta. Deve ser o reflexo de outras épocas.



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* Mesmo tendo minhas suspeitas, não sei quem atacou primeiro. Só demonstrei que, do modo como a frase foi escrita, os professores ficaram na situação de agressores.

4 comentários:

  1. Quando eu era criança, me apresentaram a Papai Noel. Segundo ele, existiria algo chamado "luta de classes", que seria algo mais ou menos assim: a classe que está no poder hoje não iria querer largar o osso, e portanto iria fazer de tudo para impedir quem está por baixo de subir.

    Pois bem, eu cresci e descobri que a imprensa - ou algo mais vago chamado mídia - é feita com dinheiro (imprimir e distribuir um jornal por um país do tamanho do Brasil, por exemplo, custa muito e, é claro, é mais fácil atrair anunciantes endinheirados se afinando ideologicamente com eles), e como o dinheiro, em geral, está ligado ao poder, a imprensa também está ligada ao poder (pelo menos aqui). Assim, eu aprendi também que imprensa imparcial é outra estória para crianças, mas que é divulgada aos quatro cantos como verdade.

    Um abraço!

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  2. Stephen:
    Concordo em teor gênero e grau com suas colocações.
    Você está certíssimo
    @Sarracena

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  3. [...] do assunto, pois José Serra e o PSDB contam com um admirável histórico de reagir com violência contra professores que tocam nesse tema; mesmo assim, vou em frente. O salário pago pelas escolas técnicas estaduais [...]

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  4. [...] bem fácil perceber manipulações baratas para convencer os leitores. Há mais ou menos um ano, fiz uma análise de um texto do portal Terra mostrando isso e, creio eu, vale a pena repetir o [...]

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