13 de novembro de 2011

A Guerra do Arquiduque e a Maconha

___Sinto um pouco de vergonha alheia quando vejo as pessoas falando sobre os atuais problemas entre muçulmanos e judeus no Oriente Médio como um “briga milenar”. Santa falta de conhecimento histórico, Batman! Judeus e muçulmanos não se agrediam antes de 1948. Só a partir de então, com a divisão da Palestina e a criação de Israel (uma decisão unilateral da ONU), é que os conflitos começaram.
___Vergonha alheia parecida eu sinto quando vejo hordas de bobos pelo mundo dizendo que “Esses estudantes maconheiros da USP têm mesmo de apanhar. Ao invés de estudar, ficam aí brigando porque querem um lugar para queimar erva.”.


Como reagir aos maconheiros da USP? - Latuff


___Sabem o que parece? Parece a famosíssima Guerra do Arquiduque.
___O que foi? Nunca ouviram falar desse conflito? É simples, meus queridos pupilos, a Guerra do Arquiduque foi aquele famoso conflito entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente, ocorrido entre 1914 e 1918. Tudo começou quando Francisco Ferdinando, arquiduque do Império Austro-Húngaro, foi assassinado. Entenderam? Todo o conflito aconteceu só porque assassinaram o herdeiro do Império Austro-Húngaro, por isso Guerra do Arquiduque.


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___Deixando a brincadeira retórica de lado, como qualquer pessoa que entenda um pouco de História sabe, a I Guerra Mundial não aconteceu só porque mataram o arquiduque Francisco Ferdinando. As nações francesa e alemã estavam intoxicadas com um grande revanchismo; as potências industriais europeias disputavam, fazia tempos, colônias na África e Ásia; preocupadas com as disputas, as nações europeias começaram a formar alianças militares e a se armar. Em meio a esses e muitos outros fatores, a Europa era, já diria uma expressão absurdamente consagrada, um barril de pólvora. A morte do arquiduque foi apenas o estopim que fez o famigerado barril explodir na Grande Guerra.
___O caso da USP é exatamente o mesmo. O clima dentro da Universidade não estava bom por diversos fatores: tal qual Paulo Maluf durante a Ditadura Militar,* José Serra empossou como reitor João Grandino Rodas e não Glaucius Oliva, o docente mais votado pela comunidade USP;** Rodas, que já havia apresentado graves problemas como diretor da Faculdade de Direito da USP, ainda foi acusado de diversos casos de corrupção; de maneira arbitrária, a Polícia Militar (que apenas dois anos antes reprimiu violentamente alguns manifestantes dentro da Universidade) foi colocada no Campus. Isso tudo, somado com vários outros elementos, fez da USP um barril de pólvora. O caso dos policiais enquadrando três estudantes que fumavam maconha, simplesmente serviu de estopim para o início de tudo que aconteceu depois.
___A briga toda, não foi porque “os alunos da Universidade de São Paulo estão acima da lei”, não foi pela “liberdade de se fumar maconha dentro da USP”. Resumir o que está acontecendo na Universidade a isso só pode ser ignorância ou má fé. Ou alguém acha mesmo que a I Guerra aconteceu só por causa da morte do arquiduque Francisco Ferdinando?


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P.S.: Falando de má fé, alguém pode me explicar como é que alguém tem a cara de pau de criticar os estudantes e não falar nada da polícia abusando do poder quando atacou a moradia dos estudantes (o CRUSP) no meio da madrugada? Alguém pode me dizer por que diabos a imprensa não noticia (como eu já havia apontado) que os policiais, em operações de enfrentamento, aparecem sem identificação?


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* Em 1981, Paulo Maluf, como governador de São Paulo, empossou Antônio Hélio Vieira, o quarto colocado na eleição de candidatos a reitor.
** Vale perguntar: o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, não tem vergonha de dizer que os estudantes precisam de uma aula de democracia? Democracia, por acaso, é quando, arbitrariamente, o senhor José Serra, também do PSDB, empossa como reitor o candidato que não foi o mais votado?

15 comentários:

  1. Não concordo muito com isso. Realmente, a mídia não transmite tudo, mas já mostrou sim vários casos de abusos policiais. E a mídia pode não estar mostrando as manifestações feitas contra a corrupção e outras coisas do tipo que acontecem na universidade, mas isso não faz com o que está sendo mostrado deixe ser a manifestação dos mimados.
    O caso dos policiais enquadrando três estudantes que fumavam maconha pode até ter servido de estopim, porém os manifestantes deixaram bem claro o que queriam "baseado na paz". Os estudantes que invadiram a reitoria e fizeram baderna, não estão nem um pouco preocupados com a questão dos problemas da administração do reitor, eles querem é ter a liberdade de fumar maconha. E garanto que os estudantes que estão se movimentando contra o reitor por causa da sua má administração, acham uma verdadeira idiotice o que esses mimados estão fazendo.
    O que eles estão defendendo é a liberdade de drogar-se, porque este é o único argumento deles, se tivessem outros, aí eu concordaria totalmente com você.

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  2. Não tem um "Curtir" aqui? Haha

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  3. O que me irrita nessa história da USP é a preguiça que as pessoas têm de pensar um pouco, de procurar saber o que realmente aconteceu antes de sair chamando os estudantes disso e daquilo.
    É triste perceber que as pessoas defendem as coisas sem saber porque o fazem.
    Parabéns pelo texto! Excelente comparação!

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  4. É difícil pra nós, que estamos do lado de fora, discutirmos à respeito. É difícil escolher em quem acreditar: a mídia favorecerá a PM, e os alunos favorecerão à si mesmos, naturalmente.

    Os métodos da polícia todos já conhecemos: autoridade na marra. Sempre foi assim.
    Apesar de que, acho que os alunos da USP nunca haviam sido tratados desta forma pela polícia. Nunca foram tocados por ela, e agora que receberam uma ordem (na questão da maconha), e com toda aquele papo esquerdista na cabeça, se sentiram oprimidos e resolveram se manifestar.

    A causa de tudo pode ser a "opressão" causada pela PM, mas isso por parte das "Lideranças" do movimento. A massa que invadiu e depredou a reitoria (um patrimônio público, por sinal) está brigando porque ficou ofendidinha quando a PM pegou a maconha.

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  5. Concordo com a Lígia. Excelente comparação mesmo.
    Gostaria que esse comentário fosse lido e comentado por vc Lígia, além claro de outros leitores e do Ulisses.
    O que acontece comigo é simples. Não estou muito informado do que realmente esta causando e o que está ocorrendo, de verdade, nas manifestações na USP.
    Eu gostaria de me informar melhor dos dois lados para poder defender um e por enquanto que não o faço pelo menos eu "não saio chamando os estudantes disso e daquilo".
    Em fim, acredito que tenha coerência a opinião dos estudantes e gostaria de entender o que está acontecendo.
    Não sei como vcs podem me auxiliar, mas gostaria.
    Até.... está ai meu e-mail, espero links e comentários.

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  6. Lígia, fiz um comentário aqui em baixo. Leia ele por favor e comente.

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  7. Bem, Fabio, além dos meus últimos textos sobre o assunto (vc os viu?), ainda tem esse post interessante de uma amiga minha que selecionou um monte de links sobre o caso: http://hugberries.blogspot.com/2011/11/as-questoes-ultimas-e-investigacao.html

    Espero que ajude.

    Abraços.
    Ulisses.

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  8. Ok Ulissses... É lógico que eu li os seus últimos posts.
    O que acontece, é que seus textos mostram que o caso tem dois lados e que tem coerência a opinião dos estudantes, mas não expõem os argumentos e as críticas do alunos. Eu acabei lendo algumas páginas de alunos no facebook... (aliás te encontrei lá) e pesquisando em outros blogs sobre o assunto.

    Obs.: Gostei do link. Obrigado pela diga.

    Outras cousas...
    1- De pelo menos um "ok" em um reply desse comentário, para eu ficar sabendo que vc leu. Não sei como é esse negócio de Blog (se te avisa que recebeu um comentário), pois como é um post um pouco antigo (nem tanto assim) não sei se vc percebe que eu comentei.
    2- Vc sabe quem eu sou??? Gostaria de assistir uma aula sua de novo, sei lá. Por exemplo vc participa de cursos de extensão em algum lugar (por exemplos discussões de textos ou livros??). Bem, se não entendeu essa pergunta eu posso reformulá-la com mais descrição.
    Até.... (se preferir se comunicar por e-mail, sem problemas, vc tem meu e-mail no comentário )

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  9. Como em toda questão importante, Fabio, eu nunca poderia dizer qual o lado certo. Dou apenas elementos para as pessoas pensarem. Espero que os q eu indiquei deem uma mão para vc.

    Sobre suas outras coisas:
    1) Eu recebo todos os comentários. Só os q são comidos pelo defensor de spam q não. Mas, os comentários q são publicados no blog vão todos para o meu e-mail.

    2) Sei, sim, Fabinho. Só não soube quem vc era ao vivo. ;-)
    Qto a cursos extras, nos últimos 3 anos, dei cursos extras na ETESP. O deste ano foi lendo/discutindo a primeira parte da Divina Comédia de Dante. Por mim, todos os cursos extras q eu dou na ETESP, um colégio público, são públicos (http://incautosdoontem.opsblog.org/2011/03/23/aberto-ao-publico/), portanto vc é sempre muito bem vindo. Ainda mais se aparecer com algum dos queridos Inaiás.

    3) Se precisar escrever por e-mail, tb pode ficar à vontade.

    Abração.

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  10. Juro que fiz a mesma ligação na minha aula sobre Primeira Guerra no cursinho. rs
    Parabéns pelo texto, ficou muito bom (:

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  11. [...] desses, pouco antes da publicação do texto “A Guerra do Arquiduque e a Maconha”, eu estava conversando virtualmente com o meu amigo Caio. Inteligente e dono de um gosto [...]

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  12. [...] uspiana Jan 12th, 2012 by Ulisses Adirt. ___Como muito bem me apontou um aluno meu, com tudo que tem acontecido na USP, chega a ser bem irônico que o tema da redação da Fuvest deste ano tenha [...]

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  13. Comentário de Cyntia Mesquita Beltrão


    "O cara é historiador e acha que os conflitos entre árabes e judeus começaram só em 1948? É claro que não é um conflito milenar, os judeus inclusive encontraram refúgio em vários países muçulmanos durante as perseguições cristãs.

    "Mas os problemas no Oriente Médio precedem a criação do Estado de Israel, eles remontam ao final do séc. XIX quando o movimento sionista começou a comprar terras na região e se acirrou durante a II Guerra e posterior chegada de refugiados judeus do Holocausto. O governo britânico até mesmo estimulou estes confrontos.

    "De resto sim, parece que foi isso mesmo. Mas eu achei estranho ele comentar o conflito árabe-israelense assim, como se fosse culpa da ONU."

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  14. Obrigado, Mel.

    A tal da Cyntia não foi mto educada, mas respondo. Ela simplesmente comprou uma visão: a de q a guerra muçulmanos X judeus já existia antes. Visão da qual eu discordo.

    A ida de judeus para o Oriente Médio, desde o século XIX, causou problemas e teve adversários, como costuma acontecer em muitos casos de migrações de qquer grupo pelo mundo. Entretanto, dizer que aí já começaram os conflitos entre judeus e muçulmanos é exagerar. Até a criação de Israel, a maior parte das contendas eram casos isolados, muito localizados. Só depois mesmo da criação de Israel é q tudo ficou realmente pesado.

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  15. Os seus comentários são inteligentes, mas a maioria silenciosa prefere a permanência da PM no campus. Jw

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