25 de abril de 2016

Emily Dickinson, a casta

___Pego um livro de Emily Dickinson* na biblioteca. A bibliotecária diz que adora poesia, mas acha que "Essa poeta é tão casta que chega a ser sem graça.". Respondo que não conheço Emily Dickinson muito bem, que irei experimentar. 
___Sento no metrô, abro o livro e começo a ler. O terceiro poema é o seguinte:

A mais doce Heresia dada
Ao Homem e à Mulher –
A Mútua Conversão – embora
Só Dois para uma Fé –

Tão ocupados são os Templos –
Tão breve – o Ritual –
A Graça tão inevitável –
Infiel – é faltar –

___Dou um sorriso com o canto dos lábios e continuo a ler. Chego ao quinto poema.

No meu vulcão reserva a Relva
Um tranquilo rincão –
O Acre que um Pássaro queria
Decerto pensarão 

Tão rubra a Brasa lá debaixo
Tão inseguro o chão
Se eu me mostrar o medo invade 
A minha solidão.

___Avanço um tanto no livro e encontro:

Se um Amante é um Pedinte
Indigno é seu joelho 
Se um Amante for o Dono
Outra coisa é 

O que pediu é então Pedinte 
Oh disparidade 
O Pão Celeste vê na Oferta
Uma abjeção 

___Talvez a bibliotecária tenha razão e Emily Dickinson seja muito casta. Casta e religiosa, vale dizer. Talvez eu seja um pervertido. De qualquer modo, quando voltar para devolver o livro, vou indicar o Castro Alves e um poema casto chamado "Adormecida".

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* Alguns poemas, edição bilíngue, com tradução de José Lira. São Paulo: Editora Iluminuras, 2009. 

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