31 de janeiro de 2017

"Ei, tira a mão daí!" – Como a forma de se segurar o par na dança de salão foi se modificando com o passar do tempo

___Quando se olha um casal dançando, dificilmente se imagina como os padrões morais das sociedades anteriores influenciaram centenas de detalhes daquela aproximação. Onde a mão deve ficar, quão perto um casal dança, se os rostos podem se encontrar, parecem apenas pequenos detalhes estéticos, mas foram caminhos tortuosos pelos quais os pares tiveram de caminhar ao longo dos séculos. Muito se pensou, muito se testou, muito se ousou para que toques – hoje – simples pudessem ser praticados.
___Só o fato de um casal, que pouco se conhecia, ter a chance de ficar juntos, inacessíveis aos ouvidos familiares, durante alguns minutos já foi bastante mal-visto no século XVIII. Não muito aceita pelos setores mais tradicionais da sociedade, a valsa concedeu, aos seus praticantes, uma liberdade praticamente inimaginável. Corpos que se encostavam, braço direito do cavalheiro enlaçando a cintura da dama, mas com rostos que se mantinham a uma distância respeitosa (era bom não esquecer que os parentes estavam no mesmo salão e podiam ver o que acontecia).
___Aos poucos, aquele tipo de atividade foi sendo cada vez mais aceita. Não é à toa que grande parte das danças de salão que foram praticadas durante os séculos XVIII e XIX acabavam por seguir os mesmos padrões. Porém, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e as transformações pelas quais o mundo passa não deixam de influenciar o que se praticava em um salão de baile.
___O século XX, já diria o historiador Eric Hobsbawm, começa com a I Guerra Mundial (1914-18). Claro que o contato de uma geração com os horrores da guerra começou a modificar a forma de se pensar. No entanto, mais do que isso, as roupas também mudam absurdamente. As mulheres adquirem uma liberdade no vestir impossível no século anterior. Para substituir os homens que estavam lutando na Guerra, muitas mulheres tiveram de trabalhar na parte pesada da produção fabril. Tal função exigia muito do corpo, necessitava de movimentos livres –, algo completamente incongruente com vestidos de camadas e espartilhos. Não só as roupas ganharam um caráter mais leve, como, também, o uso do sutiã começou a ser disseminado.*
___É nesse contexto que surge o Lindy Hop, dança mais ágil e pulada, com giros, movimentos rápidos de pernas e até passos aéreos. Porém, a liberdade de movimentos que as roupas passaram a permitir, também trouxeram mudanças na maneira de segurar o par. Com o grosso espartilho por baixo das roupas, um cavalheiro segurando a cintura da dama não sentia mais do que um monte de tecidos nas mãos. O uso de roupas leves e sutiã transformou aquele enlace tradicional da dança em algo despudorado. Segurando a cintura da dama, o homem quase sentia sua pele, podia sentir o calor do seu corpo – “Ei, tira a mão daí!”.
___Não só os casais acabaram tendo de ficar mais distantes do seu par, como, também, a mão do cavalheiro, antes na cintura, sobe para o alto das costas, pouco abaixo da escápula da dama. Essa mudança não atinge apenas o Lindy Hop; grande parte dos estilos de dança que vieram depois dele acabaram por seguir os mesmo padrões. Vide, por exemplo, a salsa.
___Claro que esses são apenas alguns poucos elementos de como as sociedades e suas épocas influenciaram uma atividade lúdica e artística. Mesmo assim, pode ser uma pequena base para se questionar sobre o que é ou não imoral, despudorado e desrespeitoso em danças.

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* Cf.: P. GHIRALDELLI JUNIOR. A filosofia como crítica da cultura. São Paulo: Cortez, 2014. Cap. 7.