Desde que Michel Foucault resolveu falar
de prisões e de escolas, a associação entre instituições prisionais e educacionais
tornou-se frequente. Uma comparação, entretanto, que as pessoas esquecem de fazer
é a de que os funcionários de ambas as instituições são colocados para
trabalhar em péssimas condições: salários ruins, necessidade de mais de um
trabalho para se sustentar, número excessivo de pessoas para tomar conta/ensinar, falta de material... Infelizmente,
as prisões, nas condições em que elas estão, não servem para reabilitar. Infelizmente,
as escolas, nas condições em que elas estão, não servem para ensinar. Ambas, no
entanto, servem como depósito de gente.
Estou lendo o humano e doce Carcereiros,
livro do humano e doce Drauzio Varella. A reflexão do primeiro parágrafo foi
apenas uma das que me ocorreu enquanto Drauzio descrevia as péssimas condições
de trabalho dos funcionários das prisões.
Em
determinado trecho, foi impossível não pensar em algo que acabou de
acontecer na nossa triste realidade: a morte de Genivaldo de Jesus Santos,
sufocado no porta-malas de uma viatura por policiais rodoviários federais.
“Um
dos episódios mais infelizes da história das prisões brasileiras ocorreu em fevereiro
de 1989, quando houve um início de motim no 42º Distrito Policial, situado no
Parque São Lucas, zona leste de São Paulo, local em que estavam encarcerados 63
homens em xadrezes com capacidade para 32. Com o intuito de puni-los e de
evitar que os distúrbios prosseguissem, os policiais enjaularam cerca de
cinquenta presos numa cela-forte de um metro por três, no interior da qual
jogaram gás lacrimogêneo: dezoito homens morreram asfixiados.” (VARELLA,
Drauzio. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 129.)
Sabendo que o caso é recente e o
quanto isso acaba gerando a revolta das pessoas no momento da desgraça, vale
citar outro trecho. Drauzio conta sobre certa vez que precisou atender um doente
na “Masmorra”, local da prisão em que ficavam os presos jurados de morte por
outros prisioneiros:
Uma das vezes em que fui chamado para ver um doente na Masmorra, o funcionário que me acompanhou pediu que não reparasse na desordem, porque um curto-circuito apagara as luzes do setor e o clima andava tão carregado que precisávamos ficar atentos, preparados para sair depressa ao menor movimento suspeito.
Quando a última porta de acesso foi aberta e a lanterna iluminou a galeria, um exército de ratos cinzentos interrompeu o jantar e bateu em retirada. Três ou quatro deles, tão graúdos quanto ousados, limitaram-se a correr até a parede do fundo, junto à qual se postaram imóveis, com os olhos brilhantes a observar nossos passos. O chão estava forrado de restos de arroz, feijão, pedaços de ovo frito e de linguiça calabresa que extravasaram das quentinhas atiradas para fora das celas em protesto contra a falta de luz e a má qualidade das refeições servidas. O cheiro azedo da comida misturado com o que vinha dos xadrezes era de virar o estômago. Quando me reconheceram, as cabeças esgueiradas através dos guichês começaram a falar ao mesmo tempo. Pediam que eu testemunhasse a insalubridade do recinto, a má qualidade da comida, e que os ajudasse a conseguir transferência para outro presídio. Reivindicavam com tamanha veemência, que parei para ouvi-los e levei tempo para chegar até o doente sufocado por um ataque de asma.
Na saída, fui direto para a sala da diretoria. Impossível não haver vagas no Sistema Penitenciário do estado de São Paulo para aqueles quarenta homens. O diretor, dr. Walter Hoffgen, tirou da gaveta uma pasta com todas as cópias das solicitações feitas à Secretaria nos meses anteriores. Depois acrescentou desanimado:
— As pessoas que morrem de medo de andar na rua vão se preocupar com esses quarenta infelizes ameaçados de morte?
E lamentou a hipocrisia social:
— Depois vem o pessoal da Corregedoria e dos Direitos Humanos cobrar da gente um tratamento mais digno para o sentenciado. Eu também gostaria de melhorar, deixar todo mundo bonito, cada um em sua cela, mas cadê os recursos? No fim, somos nós os responsáveis pelos maus-tratos ou é a sociedade que despeja os bandidos aqui e fecha os olhos? (VARELLA, Drauzio. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. pp. 133-4.)
Mesmo
sabendo o quão difícil fica o clima depois desses trechos e sabendo, também, que
a situação no sistema prisional é dantesca, volto à Educação. Nossa sociedade
sabe que colocar 40 estudantes em uma sala de aula atrapalha o
aprendizado por lá. Parafraseando o dr. Walter Hoffgen: no fim, são os
professores os responsáveis pelo ensino deficiente ou é a sociedade que despeja
os estudantes na escola e fecha os olhos?
Os Prof. tem razão. Abraço.Jw
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