31 de julho de 2024

Lei & Ordem & Violência Policial

 

            Ouvi, por anos, elogios à série Lei e Ordem (Law & Order). Mais louvores ainda vinham para seu spin-off, a Lei e Ordem: Unidades de Vítimas Especiais (Law & Order: Special Victims Unit). Dia desses, o streaming que tenho assinado passou a ter em seu catálogo a Lei e Ordem: UVE, temporadas 6, 7, 9, 10 e 11. Comentei com uma amiga fã da série que era uma pena não poder começar do início do seriado. Ela me respondeu que não fazia diferença, que a maior parte dos episódios eram bem fechados em si próprios, que não era necessário ver tudo. Aceitei o conselho e fui assistir.

O Lei e Ordem original começou a ser exibido em 1990; seu spin-off, em 1999. Ambos continuam com temporadas agora em 2024 e não parece que as gravações pararão tão cedo. A quantidade de fãs é enorme. Eu, pessoalmente, só vi a sexta temporada do Lei e Ordem: UVE e, mesmo gostando de assistir, tive um problema com o seriado que não fulgurou nos inúmeros comentários que chegaram até mim: como os policiais do seriado cometem crimes o tempo todo e como, no geral, isso não tem consequência alguma.

Vou me focar em uma personagem –, o detetive Elliot Stabler, interpretado pelo ator Christopher Meloni, – e em um crime –, a violência policial.



Não existe a menor dúvida, Elliot Stabler (pelo menos na sexta temporada), é um policial dedicado. Ele se esforça surrealmente para resolver o caso em que está trabalhando, acima mesmo do seu próprio bem-estar. Falando assim, ele parece absurdamente admirável.

Os problemas aparecem em meio a todo esse esforço. Enquanto se dedica para resolver um crime, Stabler e os outros policiais entram em locais sem mandato e isso nem parece ser uma questão na maior parte dos episódios. Ameaçar, mentir e afins também costuma ser comum. Mas, de longe, o local mais problemático, que mais me causou asco, foi assistir as atitudes de Stabler com as pessoas na sala de interrogatório.

Tentando conseguir pistas ou confissões, os policiais ameaçam, invadem o espaço pessoal da pessoa interrogada e, sem a presença de advogados, cometem outros tipos de abuso. Stabler, entretanto, passa ainda mais desse limite que nem deveria ter sido ultrapassado. Em mais de um episódio da temporada 6, ele pega o interrogado, bate o corpo da pessoa contra a parede, estrega a cara dele na mesa e coisas do tipo. Vale ainda acrescentar: as pessoas com quem Stabler mais toma esse tipo de “liberdade” costumam ter uma classe social bem específica; interrogando pessoas com maior poder aquisitivo, ele fica parecendo os outros policiais da série. Elogios, portanto, ao realismo da direção do seriado.

            – Ah, Ulisses, deixa de ser chato! Ele está lidando com criminosos. –, talvez me diga algum leitor mais incauto.

            Mesmo se estivesse lidando apenas com pessoas que cometeram crimes, nenhum policial pode agir assim com uma pessoa que está pacificamente sentada em uma sala de interrogatório. Só que nem é o caso. Em mais de um episódio, Stabler age da sua habitual maneira violenta com uma pessoa interrogada que, com o andamento da história, acaba se mostrando completamente inocente. Isso, no entanto, nem entra na reflexão. O ato criminoso feito por Stabler não tem literalmente nenhuma consequência para o policial e, se teve alguma consequência negativa para a pessoa, o ponto nem é abordado.

            Consigo entender completamente o esforço de toda equipe policial para capturar pedófilos, estupradores e afins. Entendo, também, quem assiste uma personagem como Stabler e só vê um policial dedicado. Assistindo, empolgado, completamente mergulhado na estória, torcendo para que uma criança sequestrada por um pedófilo seja salva, é perfeitamente compreensível ter algum pensamento tipo “Faça logo isso, Stabler! Aquela criança está correndo perigo!”. No entanto, é sempre importante lembrar que uma pessoa que está usando o poder do Estado para cometer violências contra outras pessoas sem nenhum limite, um herói que está cometendo crimes, não está agindo exatamente como um herói.

Pessoalmente, acho mais assustador ainda é ver tanta gente assistindo ao seriado e não pensando nisso.

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