13 de agosto de 2007

Quase um lorde

_____Ela não conseguia entender. Estava ficando com mais raiva a cada passo que davam. Enquanto eles se aproximavam da entrada da sala de cinema, aquele barulho irritante da sacola do mercado parecia aumentar mais. Ele, então, apontou um lugar. Eles sentaram e ela começou a desligar o celular, tentando se concentrar para não ficar com mais raiva. Porém, mal o celular havia desligado, ela percebeu que a situação era bem pior do que havia pensado. Ele estava tirando da sacola do mercado o saquinho de balas e uma barra de chocolate.

_____Quando ele a convidou para sair, Lara ficou excitadíssima. Fazia meses que ela se derretia por ele: apesar de um pouco desleixado, ele era educadíssimo, quase um lorde. Quantas boas maneiras. Sempre que andavam juntos ele fazia questão de abrir as portas e ceder passagem a ela depois. Nas reuniões ele sempre tirava o som do celular e ela nunca havia visto ele atender o aparelho enquanto conversava com alguém. Até puxar a cadeira para ela sentar ele já havia puxado.

_____O que ela mais gostava, no entanto, eram as conversas que eles tinham sobre cinema. Cinéfila como era, Lara nunca se aproximava de um homem que não se interessava pela sétima arte. Afirmar o contrário seria mais correto. Ela já havia se afastado de muitos por não gostarem de cinema tanto quanto ela. E já havia se afastado de outros por não saberem se portar no cinema. Tentar beijá-la durante o filme e fazê-la perder um só segundo da trama era motivo para nunca mais sair com um cara. Celular tocando durante a sessão, então, nem se fala. O último ela havia deixado sozinho dentro da sala, assim que o filme havia acabado porque ele insistiu em tentar conversar em alguns momentos do filme.

_____Ir para o cinema com um homem era, para Lara, um ritual de iniciação para um relacionamento. Se ele agisse da maneira correta durante o filme, ela, assim que os créditos terminavam de passar, beijava o rapaz. Lara acreditou que, educado e, também, cinéfilo, ele poderia ser um sério candidato a ganhar um beijo no fim do filme. Só que quando ela chegou à bilheteria do cinema, o ponto de encontro, ele não só segurava um barulhento saco de mercado, como, também, disse: "Comprei aquelas balinhas que você tanto gosta para comermos durante o filme.".

_____Ela adorava quando ele levava para ela, nas manhãs de trabalho, aquelas balinhas de goma. Entretanto, o cinema não era lugar para aquilo. Ele não percebia o quanto aquele saquinho de balas fazia barulho? E aquele chocolate que ele estava abrindo? Era todo envolto em alumínio. Isso era insuportável. Ela tinha de reclamar antes que o filme começasse. E esse cara, Lara já sabia, não ganharia beijo no fim. Mal educado!

_____– Você não percebe que o chocolate está envolto em alumínio? – disse Lara, no tom mais severo que pôde. – Vai fazer um barulho insuportável durante o filme.

_____Ele, enquanto largava o chocolate no colo e começava a abrigar cuidadosamente o saquinho de bala aberto no segurador de copos da cadeira, virou para ela e disse:

_____– Por isso que eu abri o chocolate antes. Até já quebrei ele em partes. Agora deixo no meu colo, aberto, e fica fácil de pegar sem fazer nenhum barulho. – E, sorrindo, acrescentou, – Coloquei o saquinho de balas assim pelo mesmo motivo. Você pode pegar as balas sem precisar tocar nesse saquinho barulhento.

_____Lara não esperava essas respostas. Foi maravilhoso ouvir aquilo. Não teve outro jeito. Ela o beijou naquele mesmo momento, antes do filme começar... e continuou beijando até o início dos trailers.

P.S.: O Branco Leone pode não ser um lorde, mas, se você conhecer alguém educado para assistir silenciosamente com você, hoje ele dará um entrevista, daqui a pouquinho, às 20h, na allTV (uma TV virtual, é só clicar aqui, às 20h, e assistir). Já falei o quanto acho o Branco divertido e, para completar, ele ainda disse que vai distribuir uns livrinhos de presente para quem participar virtualmente do programa. Aproveite.

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