30 de outubro de 2009

A Definição de Poesia

_____Queridos leitores, para quem não sabe, poesia é a figura que eu posto logo abaixo desta frase.



_____Não, meus queridos, não me tomem como um novo Marcel Duchamp, não é nada disso. Estou apenas reproduzindo o que aprendi em uma aula de Literatura.


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_____Gosto de ser professor; gosto de dar e de ver aulas. Acho uma graça alguém montar toda uma performance para explicar algo que a humanidade criou ou descobriu. Por isso mesmo, sempre que posso, paro e assisto aulas dos meus colegas de trabalho. Outro dia, entretanto, cheguei a me arrepender desse costume.
_____Parei na porta de uma aula de Literatura literatura que um professor qualquer estava dando. A aula havia acabado de começar.
_____Fazendo a maior cara de dono do saber, o professor depois de escrever o tema da aula na lousa – “Poesia” –, vira para a turma e pergunta:
_____– Vocês sabem o que é poesia?!?
_____Antes mesmo que alguém esboçasse qualquer tipo de resposta, o professor cara que estava dando aula, levantando a voz, respondeu.
_____– Eu sei que não sabem! Vocês ainda são novos demais para saber MESMO o que é uma poesia. Mas, agora, prestem atenção que eu vou dizer. Agora vocês vão saber o que é uma poesia.
_____Ele parou por uns dramáticos segundos e mandou a “definição”:
_____– Poesia é inspiração. É INSPIRAÇÃO, porra! – Gritando e batendo na mesa ele repetia. – É isso que é poesia! É inspiração! Inspiração, sabem?!? Não é aquela merdinha que vocês fazem a qualquer hora. Não é aquele troço que vocês fizeram por obrigação porque a professorinha de Português mandou. Poesia é inspiração! Vem daqui!
_____E assim, apontando para o próprio peito e repetindo “Daqui! Inspiração, manja?!” ele concluiu a “explicação” e mandou os alunos pensarem nisso e produzirem um poema.

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_____Talvez ele esteja certo. Eu que devo ser um escritor medíocre. Cada texto que vou escrever, fico horas e horas, dias e dias para produzir. Leio e releio dúzias de vezes. Depois de publicado ainda acho que é possível melhorar alguns detalhes e, às vezes, até reescrevo uma parte. Isso porque, excetuando raríssimas exceções, só produzo prosa. Talvez se eu esperasse a inspiração, todo texto sairia com mais facilidade, melhor, mais poético.
_____Deve ser isso mesmo. Posso até imaginar em uma manhã de outono, num momento de inspiração, Luís Vaz de Camões sentando e escrevendo Os Lusiadas, em uma tacada só. Claro. O que mais pode explicar aqueles 10 cantos, aquelas 1102 estrofes, aqueles 8816 versos todos, todos decassílabos? Foi inspiração, só pode ter sido. Todo o poema dividido em estrofes de oito versos com rimas fixas ABABABCC é um claro sinal de inspiração. E é essa inspiração, que dá para sentir de longe, que define o épico camoniano como poesia. Só isso.

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_____Deixando as ironias de lado, será que aquele imbecil não sabe o que é trabalho duro? Não, com toda a certeza não sabe. Não sabe do trabalho duro dos poetas, nem do trabalho duro de se estudar um tema antes de dar aula sobre ele.
_____Poemas não podem ser definidos como inspiração. Isso nem chega perto de uma definição. Diga-se de passagem, a inspiração pode até ajudar na produção de um poema, mas, com certeza, ela não é o único ponto para a sua feitura. Pelo menos não dos bons poemas.
_____E, se algum “poeta” discorda de mim, pode dar uma olhada nesta oferta. É possível adquirir um ótimo poema, quase um clássico, por menos de 400 reais.

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P.S.: Dizem as más línguas que o autor-tema da última postagem, Edgar Allan Poe, inspirou muita cocaína antes de produzir seu mais famoso poema – “O Corvo”. Talvez o infeliz que deu aquela aula medíocre de literatura estivesse falando do Poe.
P.P.S.: Não posso deixar de indicar o texto “Coisas que fluem”, do Alex Castro. Nas palavras dele a um jovem escritor, “meu amigo, eu disse, com vontade de bater em seu ombro, o que flui é a sua urina quando mija. Arte é uma construção consciente.”.

3 comentários:

  1. UM POUCO DE STRAUSS

    Não escreva versos íntimos, sinceros,
    como quem mete o dedo no nariz.
    Lá dentro não há nada que compense
    todo esse trabalho de perfuratriz,
    só muco e lero-lero.

    Não faça poesias melodiosas
    e frágeis como essas caixinhas de música
    que tocam a “Valsa do Imperador”.
    É sempre a mesma lengalenga estúpida,
    sentimental, melosa.

    Esquece o eu, esse negócio escroto
    e pegajoso, esse mal sem remédio
    que suga tudo e não dá nada em troca
    além de solidão e tédio:
    escreve pros outros.

    Mas se de tudo que há no vasto mundo
    só gostas mesmo é dessa coisa falsa
    que se disfarça fingindo se expressar,
    então enfia o dedo no nariz, bem fundo,
    e escreve, escreve até estourar. E tome valsa.

    Paulo Henrique Britos, in: Trovar Claro

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