31 de dezembro de 2009

Mulher de verdade

___Neste 2009 foram comemorados os 100 anos de nascimento de Ataulfo Alves (1909-69). Para comemorar a virada de hoje, publico, como última postagem do ano, um pequeno exercício interpretativo sobre a sua mais famosa composição: “Ai, que saudades da Amélia” (1941-42).
___A clássica interpretação popular da música de Ataulfo e Mário Lago toma Amélia como uma mulher submissa, alguém que tudo aceita e que está pronta para obedecer ao seu homem. Até hoje é possível ouvir alguma moçoila revoltada agudamente gritando um “Você está pensando que eu sou uma Amélia?!?”. Inclusive intelectuais que admiro muito, como o grande Idelber Avelar, olham dessa maneira. Em um artigo publicado no dia do centenário, Idelber afirmou que discorda “daqueles que querem relativizar o machismo de uma canção como ‘Ai que saudades da Amélia’.”
___Sem querer comprar nenhum tipo de briga, pretendo, apenas como exercício, mostrar outro modo de ver a música. Deem uma olhada na letra, ouçam a canção mais uma vez (aqui, com o próprio Ataulfo) e vamos para a interpretação.

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___Na primeira estrofe, Ataulfo e Lago mandam




“Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher”


___Graças aos dois últimos versos, é possível perceber que o eu-lírico está falando de outra mulher (com a qual ele está no momento) durante toda a estrofe. Essa outra mulher cobra muito, é egoísta, consumista, não liga para os problemas e necessidades do seu par. Todas, características que não combinam com a Amélia – aquela que, na música, possui as qualidades que uma mulher de verdade deve ter.
___Na estrofe seguinte, deixamos de descobrir Amélia pelo que ela não é (não é egoísta, não é consumista) e passamos a ver o que ela é, o que ela fazia.


“Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Dizia: ‘Meu filho, o que se há de fazer!’
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”


___Descobrimos uma Amélia que ficava com o seu amado mesmo se fosse para passar fome, que enfrentava os problemas ao lado dele. Uma mulher companheira, que, na desgraça, dizia ser bonito passar fome. Nos momentos de irritação do seu homem, Amélia não brigava, simplesmente lembrava que nada podia ser feito.
___Aproveitando que isso é apenas uma brincadeira de interpretação, tomo a liberdade de extrapolar um pouquinho. Amélia, além de tudo, é a completa dona da situação. Não sei o motivo para ela e o eu-lírico estarem separados, mas sei que ele a quer de volta, morre de saudades, e ela, até o ponto que os leitores-ouvintes sabem, não dá o menor sinal de que vai voltar para o rapaz. Sem dúvida, uma mulher forte.
___Assim, digo sem pestanejar, se eu fosse mulher, sentir-me-ia honrada caso fosse chamada de Amélia.

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P.S.: Para aqueles que se interessarem pela leitura do texto do Idelber sobre o Ataulfo, aconselho, também, a leitura dos comentários, principalmente os comentários do leitor João Vergílio.

6 comentários:

  1. Animal a interpretação!! Estava acostumado a ouvir e até a usar o "adjetivo" amélia num sentido pejorativo, mas nunca tinha parado para analisar o real sentido da letra da música.
    Além de interessante, o texto nos traz a seguinte reflexão: mesmo deturpados, os padrões e expressões arraigados na sociedade se tornam verdade...

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  2. Somente gostaria de saber: qual é mesmo o sentido pejorativo de admirar uma mulher com as características de Amélia? A meu ver, uma mulher sensível, carinhosa e companheira, o oposto das bruacas siliconadas modernosas que só pensam em si mesmas da manhã à noite, consomem mais do que duas Franças juntas e em cujo vocabulário as palavras "homem", "marido", e "pai" não existem ou são consideradas como palavrões.
    Não sei o porquê de nós, machos, sempre que ceder às pressões da mídia ginecocrata e adotar essas posições feminocêntricas infames só pra pagar de "moderrrrnosssh" e "deshhcoladoshhh". Que "mulher forte" o quê! Aposto que o desejo inconsciente de cada macho desse blog, se for verdadeiramente macho, é ter uma Amélia em casa. Eu é que não quero uma bruaca modernosa pra trocar o bambolê de ouro comigo.
    Abaixo a ginecocracia!

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  3. Não tenho bem certeza do q vc está falando...

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  4. Pois aí vai o desenho pra quem não entendeu:

    As grandes corporações da indústria da aparência (roupas, cosméticos etc.), a qual movimenta milhões e milhões de dólares, e cujo principal público-alvo é o feminino, necessitaram criar certo nível de transformação cultural para que suas vendas aumentassem ainda mais. Para tanto, alia-se aos meios de comunicação em massa, responsáveis pelo segundo maior volume de movimentação de capital destinado a coisas fúteis (o da publicidade) para dar respaldo aos posicionamentos de certo grupo de feministas norte-americanas dos anos 70 (claro, se é pra fuder com a porra toda tem que vir dos EUA), as quais ostentavam a idéia absurda de que o feminismo, ao invés de buscar a igualdade entre os gêneros, deveria buscar a supremacia da mulher na sociedade: a isso se pode chamar de GINECOCRACIA ou FEMINOCENTRISMO.

    Bem, as acéfalas que compõem de 60 a 70% da população feminina mundial caíram na patuscada do mercado e acreditaram que estavam fazendo a revolução feminina, que daí por diante nenhum homem mais pisaria em suas cabeças e bla-bla-blá, quando na verdade só serviram de massa de manobra para essas corporações. Pronto! Assim nasceu a atual "inversão de valores entre os gêneros" (leia-se, o domínio da mulher e das premissas femininas na sociedade moderna), que coloca os homens em posição de submissão em relação aos seus projetos de família, relacionamento, trabalho e inserção na sociedade.

    Por causa disso, amigo leitor, você é obrigado a seguir os desígnios das mulheres para ser considerado alguma coisa nesse mundo. Por exemplo: já ouviram falar de "alienação parental"? É, aquelas mães megeras que se consideram donas dos filhos e privam o pai do convívio com eles, incutindo-lhes a idéia de que sua presença é nociva (coisas do tipo "teu pai é um babaca" ou "teu pai não presta pra nada mesmo") e tornando-os mera extensão dos SEUS desígnios. Isso é reflexo da ginecocracia. Você vai numa loja de roupas masculinas e vê aquelas roupas em infames tons de COR-DE-ROSA, que você não usaria nem sob tortura? Isso também. Sua mulher, seja ela namorada, noiva ou esposa, quer que voc~e seja a sua sombra ou então uma vitrola de disco riscado repetindo louvores a ela o tempo todo enquanto ela lhe esculhamba a auto-estima e a conta bancária, quando não lhe chifra? Pois isso também é!

    A música de Ataulfo Alves descreve a mulher como realmente deveria ser: sensível, carinhosa e companheira. Agressividade, luta, trabalho duro e liderança são tarefas nossas, dos HOMENS!
    Devemos parar de desvalorizar nossa condição de homem, parar de sempre nos considerarmos objetos das mulheres. Devemos frear o avanço da ginecocracia, assumindo a postura ativa e combativa que sempre foi nossa marca registrada.

    Aqui vai um trecho da famosa letra do Noite Ilustrada que, como diz seu nome, ILUSTRA essa idéia:

    "Um homem de moral
    Não fica no chão
    Nem quer que mulher
    Lhe venha dar a mão

    Reconhece a queda e não desanima
    Levanta sacode a poeira e dá volta por cima"

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  5. Sempre fico impressionado com o número absurdo de bobos de pensamento fechado que existem no mundo...

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  6. Bobos de pensamento fechado! Ah é!

    Fico impressionado com o número de pseudointelectuais modernóides que posam de descolados existentes nesse blog, no qual acreditei, num primeiro momento, que iria encontrar pessoas dispostas a fugir dos convencionalismos cor-de-rosa da modernidade.

    O que escrevi foi com o intuito de relativizar essa modinha cor-de-rosa de "viva as mulheres" muito em voga hoje em dia. Acredito que os homens de hoje só aderem a esses posicionamentos feminocêntricos porque isso seria um íma de mulheres para solteiros babões de baby-look cor-de-rosa (aaargh!). É isso aí, o velho e clichesíssimo refrão de "assim nóis pega mais muié".

    Quis dizer que, assim como a outra modinha cor-de-rosa, a de "viva os bichinhos fofinhos" (essa onda de "defesa dos direitos dos animais" criada por veganos riquinhos sem nada pra fazer), o neofeminismo não passa de uma idiotice pregada pela mídia e por pseudoartistas ianques. É tudo uma grande hipocrisia. No fundo o que vocês querem é uma boa foda - que se danem as mulheres!

    Acho que, ao invés de formular pensamentos nefelibáticos (termo academicóide para "viajar na maionese") acerca do poder das mulheres, deviam se ocupar em deixar de corresponder a esse estereótipo idiota de "ui, ui, ui, olha como eu sou sensível, vejam meninas, sou um bom escravo", correspondente aos metrossexuais de plantão e tão almejado pelas mulheres de hoje, reféns cerebrais de programas vespertinos da TV aberta (tais como Márcia e afins).
    Sejam homens, sem concessões (e isso quer dizer não dar a mínima para o que pensam as crias de costela, e encarar a masculinidade como um fato natural da vida ao invés de uma doença a ser tratada com sessões de terapia e salões de estética).

    Ah! Já ia esquecendo! abaixo as roupas cor-de-rosa para homens!

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