24 de junho de 2010

Eu bato punheta!

___Existem certos assuntos-tabus que, mesmo sendo largamente praticados, a moralidade imbecil da nossa sociedade praticamente nos impede de falar deles livremente. Um deles, clássico, é a masturbação.
___Livre como ela pode ser, a Literatura, teoricamente, poderia falar do tema. É só colocar o ato nas mãos de uma personagem (literalmente) e pronto. Em primeira pessoa, entretanto, é mais difícil. Por sorte, alguns escritores são corajosos e fazem isso.
___Um dos meus textos preferidos, em primeira pessoa, sobre o majestoso “cinco contra um”, é o “Parrrede!”, de Manoel de Barros. Ei-lo.




Quando eu estudava no colégio, interno,
Eu fazia pecado solitário.
Um padre me pegou fazendo.
– Corrumbá, no parrrede!
Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e
decorar 50 linhas de um livro.
O padre me deu pra decorar o Sermão da Sexagésima
de Vieira.
– Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu.
O que eu lera por antes naquele colégio eram romances
de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio.
Ao ler e decorar 50 linhas da Sexagésima fiquei
embevecido.
E li o Sermão inteiro.
Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário!
E fiz de montão.
– Corumbá, no parrrede!
Era a glória.
Eu ia fascinado pra parede.
Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato.
Decorei e li o livro alcandorado.
Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases.
Gostar quase até do cheiro das letras.
Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário.
Ficar no parrrede era uma glória.
Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom.
A esse tempo também aprendi a escutar o silêncio
das paredes.



___O texto é lindo. Não só pela prosa poética de Manoel de Barros, como, também, pelo belo paralelo montado: a paixão pela Literatura surgindo quase que no mesmo momento em que ocorre o aflorar da sexualidade do Manoel de Barros estudante. Mesmo assim, não prima tanto pela coragem da confissão. Dizer “Eu me masturbava quando era moleque.”, depois de velho, é fácil.
___Por isso mesmo, fiquei impressionado com o texto “Pensamentos imundos”, de Carlos Heitor Cony, publicado na Folha desta semana. Apreciem-no abaixo.




___Não sei como nem quando inventaram ou descobriram a existência dos Anjos de Guarda. Apesar de ter sido seminarista, não me lembro de ter aprendido qualquer coisa sobre o assunto. Somente a certeza de que, cada ser humano, eu inclusive, temos um ser angelical que toma conta da gente.
___Conheço a iconografia a respeito dessas simpáticas entidades. Um menino está a beira do precipício, colhendo uma flor. Uma cobra se aproxima. O perigo é duplo: ou o menino cai no abismo, ou a cobra o ataca. Mas atrás do menino está o anjo protetor, que impedirá qualquer desgraça.
___Apesar de ateu, sou devoto do Anjo de Guarda, atribuo a ele a salvação de enrascadas em que me meti ou me meteram. Tenho secreta vergonha dele, na medida em que ele deve ter vergonhas causadas pelo meu comportamento que nunca chega a ser angelical.
___Lembro também uma imagem piedosa, muito comum na minha infância. O menino não está a beira do precipício, nem ameaçado por uma cobra.
___Pelo contrário: está pensando numa mulher, nua e provocante, e vai se entregar àquele pensamento que os catecismos chamam de 'imundo'.
___O Anjo da Guarda, ao seu lado, nada pode fazer. Recolhe as asas protetoras e enquanto o menino leva as mãos para baixo, o anjo leva as mãos para cima e cobre o rosto. Chora de vergonha pelo feio ato que o menino está praticando.
___Havia uma variante para esta cena. O menino no confessionário, dando conta do seu pecado solitário, e o padre recriminando-o: 'Você não tem vergonha de seu anjo da Guarda? Fazendo coisas feias diante dele?'
___Meu anjo da guarda, por essas e por outras, muito deve ter chorado de vergonha por minha causa. Tem sido fiel a mim muito mais do que eu a ele.



___Gosto mais do texto do Manoel de Barros, mas vejo com bons olhos o trabalho literário de Cony. O admirável, entretanto, o que me faz ter vontade de alardear o texto do Cony aos sete ventos, é o modo natural com que ele diz que não só já se masturbou, como ainda se masturba.
___Tenho sincero dó de uma sociedade que foge da masturbação, que ensina seus filhos que isso é errado, sujo, que deve ser evitado. Tenho dó de uma sociedade reprimida e que vive com menos prazer do que poderia viver. Por isso, admiro pessoas como o Cony. Por isso, escolhi sem receio o título desta postagem. E quem não gostou, espero, sinceramente, que não vá se foder.



4 comentários:

  1. não sei se exatamente pela masturbação, mas , sim, meu anjo da guarda deve ter vergonha de mim. coitado.

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  2. Acho mais que o anjo da guarda tem inveja!

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  3. Adorei o texto! Voltei no tempo pra lembrar de quando líamos juntos os "Poemas Concebidos Sem Pecado" do Manoel de Barros e chorávamos de rir...

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  4. [...] bem humorados, recebi o vídeozinho que vai abaixo com os dizeres “Complemento importante ao seu texto de quinta.”. [...]

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