23 de julho de 2010

Tempo valioso

___Faz umas semanas, recebi uma proposta de emprego; oferta praticamente irrecusável.
___Ligaram, marcaram horário. Assim que cheguei, fui bem atendido, elogiaram meu currículo, disseram que já conheciam – e admirávam meu trabalho –, só faltou dizerem que me achavam um gato. Tratava-se de uma instituição de ensino renomada, queriam horário fixo, dedicação exclusiva e fizeram uma proposta de salário que supera minhas pretensões de consumo.
___Para o pasmo de quem estava me propondo o emprego, recusei.
___– Como assim? É uma proposta muito boa. Está bem acima da média! Pagamos o que os bons professores merecem. Por que você não quer?
___Eu queria o salário “bem acima da média”, mas não preciso de um tão acima. Claro que, se alguém quiser abrir a carteira e fazer uma polpuda doação para a FAVDU (Fundação de Auxílio a uma Vida mais Divertida para o Ulisses), ficarei eternamente grato, porém, sinceramente, consigo viver muito bem com um quinto do que me ofereceram.
___Tergiverso. O motivo para a minha recusa, claro, não foi porque me ofereceram dinheiro demais. O problema é que queriam muito do meu tempo, não aceitavam menos.
I – O horário fixo que a instituição delimitou não me deixaria tempo para mais nada. Eu teria de abandonar meus atuais alunos e as escolas que eu adoro; não poderia manter meus outros trabalhos, que tanto amo; faltaria tempo livre até para os mais simples lazeres. Esse não é, nem de longe, meu plano de vida.
II – Com o número de turmas que a instituição gostaria que eu assumisse, não seria possível preparar cada uma das minhas aulas, como gosto de fazer. Não restaria mais tempo para pesquisar, ver filmes, ler, ir ao teatro.
___O motivo para quererem me contratar é exatamente por conhecerem meu excelente trabalho (palavras deles). Aceitar a proposta que recebi iria fazer com que eu deixasse de ser o professor que sou.
___Agradeci a oferta, mas disse que não poderia aceitá-la. Continuo um ótimo professor. E, infelizmente, carne no prato continua sendo luxo.


9 comentários:

  1. Pior que eu tenho pensado muito nessa questão. O quanto é complicado achar um emprego que se goste e que permite que a pessoa além de ganhar a vida, também consiga realizar meus projetos pessoais.

    Eu acho que a postura que você teve foi bem sábia, quantas vezes as pessoas não abrem mão de tanta coisas que elas acreditam, simplesmente para ter um salário melhor.

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  2. o dinheiro não compra tudo, afinal de contas. :)

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  3. Mas Ulisses, não valeria a pena trabalhar um tempo neste emprego (digamos uns cinco anos) pra juntar uma grana e aí voltar levar uma vida mais tranquila?

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  4. Cinco anos é um tempo arbitrário. Talvez dois ou três ou dez fossem necessários pra te dar uma "vida mais tranquila".

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  5. Juro que estou aqui batendo palmas de pé!
    Pena que isso só prova que somos poucos perdidos no universo.
    Mas se você contar sua historia em uma sala de aula... pode ser que 40 alunos lhe achem louco, mas sempre existirá 1 deles que ficará com isso na cabeça.
    PARABÉNS!!!

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  6. Entendo esse ponto de vista, Marcus, e acho uma escolha muito válida. Não pense que não fiquei me remoendo de dúvidas. Entretanto, tenho meus receios quanto a esses breves planos de vida que muitas vezes viram planos para a vida toda. Mesmo achando meu salário desrespeitoso, sou muito feliz com a vida que levo. Achei melhor não trocar minha felicidade sem dinheiro de agora, por uma esperada felicidade com dinheiro no futuro.

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  7. isso mesmo professor, trate de não nos abandonar mesmo, viu? :)

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  8. A questão é que não dá pra comprar de volta esse tempo que vendemos pra essas instituições. Não importa quanto dinheiro vamos ter mais tarde.
    Parabéns amigo, saudades.
    André.

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  9. Como escrever e não parecer bajulação? Foi uma decisão bastante difícil, mas muito louvável. Por isso você tem sempre minha admiração.
    Beijos!

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