1 de janeiro de 2011

Por que faltam professores?

___Aproveitando que, hoje, primeiro de janeiro de 2011, é o último dia que Alberto Goldman governa São Paulo, darei uma última bordoada nele e, também, a primeira do ano no PSDB – o partido que por mais de uma década vem apodrecendo o estado de São Paulo (e que continuará a fazê-lo pelos próximos quatro anos). Para os leitores que acompanham o que eu escrevo sobre política, saibam que não resolvi publicar este texto para lembrar que as estações Butantã, Pinheiros, República e Luz, da Linha Amarela do metrô, não foram entregues até o fim de 2010, como prometido pelo PSDB. Resolvi escrever para comentar uma das frases infelizes ditas pelo quase-ex-governador em meados do ano passado.


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___Por conta da falta de professores nas escolas estaduais paulistas, Alberto Goldman disse à Folha de São Paulo: “A secretaria já constatou e está fazendo todo o esforço para que sejam formados professores de física. Parece que ninguém quer ser professor de física, não sei por quê.”*.
___Seria fácil dissecar esse parzinho de frases e mostrar diversos absurdos que não poderiam nunca sair da boca de um governador. Porém, como sou uma pessoa muito boa, resolvi apenas ajudar o próximo. Vou esclarecer a grande dúvida do quase-ex-governador: Por que ninguém quer ser professor de Física?


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___Para tentar responder a “difícil” questão do governador, vou levantar algumas hipóteses para tentar entender o motivo pelo qual ninguém quer se tornar professor de Física:
I – Pois ninguém gosta de Física.
II – Porque ninguém quer ser professor.
III – Pois existem ofertas melhores.


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I – Ninguém gosta de Física
___Talvez ninguém queira ser professor de Física, pois esse é, sem dúvida, um assunto sobre o qual nenhuma pessoa quer saber.
___Se essa hipótese for verdadeira, provavelmente não será possível encontrar nenhum blog sobre Física na rede. No entanto, entrando na mais importante comunidades de blogs científicos do Brasil, o ScienceBlogs Brasil, já se acha, sem precisar procurar muito, um blog que fala sobre Física já no título, o Universo Físico. Uma rápida pesquisa no Google também já desmente esta hipótese.
___Existem outros fatores que tornam a hipótese errônea:
- Físicos, tanto nacionais (como Marcelo Gleiser), quanto internacionais (como Stephen Hawking), são conhecidos e vendem muito bem seus livros.
- A relação de candidatos é bem maior do que o número de vagas nos cursos de Física das boas universidades brasileiras.
___Sendo assim, com mais de um exemplo de que existem pessoas interessadas em Física, creio que essa hipótese pode ser descartada.


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II – Ninguém quer ser professor
___A segunda hipótese é a de que ninguém quer se tornar professor.
___Descartá-la também é simples. Não só a brincadeira de procura por blogs funciona, como, também, rápidas pesquisas sobre cursos universitários trazem interessantes resultados. Os cursos universitários de licenciatura e pedagogia existem em uma abundância absurda e, mesmo assim, existem mais candidatos do que vagas nas boas universidades.
___A hipótese pode ser deixada de lado. Porém, existe um dado interessante sobre ela que vale a pena ser exposto: mesmo com um bom número de pessoas que tentam seguir a carreira de professor, mais de um terço abandona a profissão nos primeiros cinco anos de cátedra.** Os motivos para esse número bizarro está, em grande parte, na hipótese derradeira.


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III – Ofertas melhores
___As péssimas condições de trabalho (salas superlotadas, ausência de apoio aos profissionais, falta de materiais), estão entre as principais causas para o abandono da profissão. Elas causam desgastes físicos e mentais e acabam por impossibilitar o trabalho dos professores.*** Além disso, os salários irrisórios servem como cereja desse bolo vergonhoso.
___Portanto, as péssimas condições de trabalho, aliadas a salários baixíssimos, fazem com que aqueles que queriam ser professores escolham outras profissões. A título de exemplo, vou fazer uma pequena comparação entre professores estaduais e procuradores do estado.
___Sabem o que faz um procurador? Grosso modo, os procuradores públicos são aqueles que defendem o governo. Pois bem, além de gozarem de ótimas condições de trabalho e de vantagens perante a sociedade, um procurador estadual recebe mais de 12.000 reais.**** Já um professor estadual, menos de R$ 1.900.*****
___Além disso – dado interessantíssimo –, um procurador geral do estado tem o direito de gastar 5 mil reais extras, por ano, em livros. Lindo, não? O governo, que já paga mais de dez mil para um profissional que serve para defender o governo, ainda fornece cinco mil reais extras para que os procuradores possam comprar livros para se atualizarem. Sabem quanto dinheiro extra ganha um professor, por ano, para comprar livros? Zero real. Vou colocar em numeração indo-arábica para quem não entendeu: por ano, um professor ganha R$ 0 como extra para comprar livros, enquanto um procurador ganha 5000 reais. Ficou claro ou querem que eu desenhe?
___Sem a menor sombra de dúvida, os professores são bem menos valorizados do que os procuradores. Eu poderia ter feito o mesmo com outras profissões, mas, acredito, meu ponto já está bem claro. Sendo assim, é fácil imaginar porque muita gente escolhe outra carreira que não a de professor, não?
___Acredito, portanto, que a hipótese “Ofertas melhores” forneça um bom material para explicar porque ninguém quer ser professor de Física. Não que esta hipótese abarque tudo, mas, com certeza, abrange um bom grupo.******


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Protesto contra os altos cachês pagos pela Prefeitura
Sei que a imagem acima é do Rio de Janeiro. Mesmo assim, acredito que ela é ilustra bem alguns dos pontos levantados aqui.
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___Agora diga-me, senhor quase-ex-governador Alberto Goldman: com a hipótese que eu levantei você já consegue pelo menos imaginar um motivo para alguém não seguir a profissão de professor de Física hoje? Se você conseguiu, explique para o seu sucessor, que assume hoje, e, quem sabe, depois de 16 anos governando, o PSDB passa, finalmente, a tratar bem os professores (talvez até tão bem quanto vocês tratam os procuradores). Aposto que, se isso acontecer, daqui alguns anos, será possível encontrar mais professores de Física pelo estado.


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* Folha de São Paulo, 26/V/2010, p. C1.
** Flavinês R. Lapo e Belmira O. Bueno, “Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério”. In.: Cadernos de Pesquisa, número 118, 2003. p. 72.
*** Dá vontade de nem citar nada, de tão banal que é a informação, mas, já que eu comecei esta nota, vale olhar, novamente, o artigo da Lapo e da Bueno e esta reportagem.
**** Dados da assessoria de imprensa da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, para o concurso aberto em VII/2009.
***** Procurei pegar mais ou menos o mesmo momento, meio do ano de 2009. Dados aqui, em meio a uma reportagem oficial sobre um aumento que nunca chegou a existir.
****** Vale lembrar que as salas de aula não carecem apenas de professores de Física. Usei o exemplo dos físicos porque foram eles os citados pelo quase-ex-governador.

7 comentários:

  1. [...] This post was mentioned on Twitter by O Pensador Selvagem, Laura Viana. Laura Viana said: ótimo texto sobre a falta de professores e seus porquês: http://incautosdoontem.opsblog.org/2011/01/01/por-que-faltam-professores/ [...]

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  2. Cara, acho que sou o único que conheço da minha idade (22) que quer ser professor de escola. Mas morro de medo de me iludir e acabar indo fazer outra coisa.

    Ser professor, pra mim, é a mais nobre das profissões, e sinto uma vontade imensa de compartilhar conhecimento (ou qualquer outra denominação que se queira dar), só espero ter força suficiente pra superar esse descaso.

    No mais, lindo blog!

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  3. Muito obrigado, Otávio.

    Só uma coisinha: saiba q, mesmo com todos os problemas, eu nunca me arrependi de ter virado professor. É, de longe, a melhor profissão do mundo. Esforce-se por se tornar um bom professor q os alunos vão fazer com que tudo valha muito à pena.

    Abraços.

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  4. E ainda por cima, o governo ainda gasta fazendo anúncios na TV aberta, solicitando que interessados entrem no site e se inscrevam para serem futuros professorem, pois faltam professores no mercado.
    Mas será que eles já pararam para pensar as razões para essa falta???

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  5. Jurian Souza Nogueira Pinto9 de janeiro de 2011 às 08:44

    Campanha do MEC: Seja você também um professor!
    Esqueceram de falar sobre as vantagens oferecidas. Para facilitar, resolvi publicá-las a seguir: a) Violência física e moral gratuita; b) Um salário de fome com direito a uma carga horária abusiva; c) Maravilhosos pais hostis, protetores e extremamente permissivos que irão à escola somente para defenderem seus filhos das faltas horrendas que cometerem, dizendo que se tratam apenas de crianças; d) Bullying proferidos pelos alunos e direcionados a você; e) Muita falta de respeito por parte de seus queridos discípulos; f) Ticket de R$ 4,00 (ainda quando o governo resolve pagar); g) Progressão continuada, ou melhor, promoção automática (onde o aluno passa de ano sem saber nada); h) Supervisores, diretores e coordenadores idiotas (pois sofrem “lavagem cerebral”), que ferram com o professor com seus assédios morais; i) Centenas de provas e trabalhos para corrigir nos finais de semana; j) Escolas sem condições mínimas de funcionamento; k) Tapa na cara (no sentido pejorativo) de ver o Sr. Alkimim recebendo um aumento de 26% em seu salário, sem nem ter entrado ou assumido o cargo, enquanto que o professor faz greve, apanha da polícia hipócrita e é extremamente mal tratado pela mídia, inclusive sendo responsabilizado pela decadência do ensino público; l) Além de fazer concurso com provas dificílimas, o professor que quiser aumentar seu salário defasado há anos, terá que ser submetido a uma nova avaliação, priorizando ainda, apenas 20% da categoria (será que o governador e os parlamentares fizeram provinhas de promoção salarial por mérito para terem esse gordo aumento nos vencimentos?); m) Aguentar classes lotadas de alunos; n) Parlamentares dando aumento de 60% em seus salários, perfazendo um total de R$ 26.000,00 (enquanto um professor ganha 1.012,00 de salário base e olhe lá!); o) Ausência total do poder de compra, o que não deveria acontecer aos profissionais de nível superior; p) Inversão de valores e intolerância por parte de uma sociedade psicologicamente doente, violenta e hipócrita; q) Stress, Síndrome de Burnout, humor irritadiço, perda da memória, queimação estomacal (azia), ulcera, cânceres, derrames e infartos por motivo da baixa autoestima, fator que ocasiona fragilidades na defesa do sistema imunológico do mestre; r) Contas atrasadas, luz e água cortadas, despejo do imóvel por não conseguir pagar o aluguel, em suma, morarás em um bairro paupérrimo, favela, de favores e assim por diante; s) Andarás a pé; t) Terá que engolir, sem questionamentos, a inclusão, de uma maneira geral e sem preparo algum; u) Resoluções que partem para a caça as bruxas e perseguem o professor que fica doente por motivo de exaustão e desgaste total por advento das intempéries acima listadas; v) Terão que lançar mão das soluções paliativas, para driblar a falta de dinheiro, como empréstimos bancários e cartões de crédito (futuramente estourados); w) Desvalorização social acentuada; x) Nome no SPC e no SERASA; y) Políticos que não vão dar a mínima para suas reivindicações; z) Viverão no inferno ainda em vida!
    Não, meu caro amigo que deseja futuramente ser professor, não precisa vomitar. Você ainda tem tempo para desistir dessa presepada armada, intencional e malévola que é o ofício do magistério público neste país cujas camadas populares são propositadamente preparadas para serem aculturadas filosoficamente pelos seus governantes!

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  6. O que mais me intriga é como os tucanos de São Paulo conseguem alguma mágica que faz com que todomundo, notadamente a oposição (uma olhada rápida nas postagens e comentários no Nassif são ótimo exemplo), atribua suas eleições e re re re reeleições como uma fatalidade - nada a ver com os eleitores, suas vontades, seus votos. Inclusive alagados mas felizes.

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  7. [...] trabalho como professor; estou é muito feliz. Insatisfeito eu estou com o salário e com gente – como os políticos do PSDB – que utiliza escolas como a minha para fazer propaganda de como o governo é capaz de [...]

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