23 de junho de 2011

Aplauda com moderação

___Imaginem como deve ser horrível terminar uma peça e ninguém aplaudir. Ou uma palestra sendo concluída sem nem um simples bater de palmas. Horrível, não? Dificilmente palestrantes ou atores não sairiam arrasados do lugar. Porém, admitam, por mais chata que seja a situação, ela é minimamente plausível.
___Agora, como um simples exercício, vamos inverter a situação. Concebam o absurdo que seria se, durante toda a palestra, o público resolvesse aplaudir descontroladamente. O pobre professor se matando para tentar explicar o complicadíssimo conceito de como é possível interpretar o Mito da Caverna sob um viés foucaultiano e as pessoas batendo palmas e berrando sem parar. Nem o palestrante conseguiria ouvir a própria voz, imaginem o resto da platéia.
___O mesmo para o teatro. Primeira Cena, do Terceiro Ato, de Hamlet. Por um lado do palco saem o Rei e Polônio; do outro, entra Hamlet. Como os aplausos ainda estão fortes pela saída dos outros dois atores, aquele que interpreta Hamlet espera um pouco antes de começar seu famoso monólogo. Assim que finalmente o silêncio se instaura, ele começa:




Ser ou não ser... Eis aUUUUUUUURRRRUUULLLL! Clap, clap, clap... É isso aí, Hamlet!... e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer... dormir... mais nadCLAP, CLAP, CLAP, CLAP, CLAP!...lução para almejar-se. Morrer.., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não SabFIIIIIIIIIIIIIIUUUUUUUU! Tá mandando muito, ô birutinha!... faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resoluçãoClap, clap... GATÃÃÃÃO! Clap, clap...... reflexões, e até o nome de ação perdem. Mas, silêncio! Aí vem vindo a bela Ofélia. EmGOSTOSAAAA! Clap, clap, clap... Quebra tudo, Ofélia! Se joga!



___Bruta falta de respeito, não? Ao fim da peça, não vai dar para saber nem se tinha algo fora da validade no Reino da Dinamarca.
___“Ah, Ulisses, mas é uma homenagem a quem está lá na frente.”. Homenagem maior seria prestar atenção e, depois, aplaudir – respondo eu. “Ah, Ulisses, ninguém faz isso em uma peça ou palestra.”. Fazem sim (não de maneira tão exagerada) e eu sempre acho desrespeitoso. “Ah, Ulisses, palestrantes e atores têm como contornar isso. É só esperar que o público pára e aí o cara continua a fala.”. Minha grande questão é: e se eles não puderem esperar?


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___Na dança de salão existe o péssimo costume de se assistir coreografias como se as pessoas estivessem em um jogo de futebol. Aplausos e gritos são ouvidos o tempo todo. Só falta alguém desenrolar uma bandeira. Em uma partida, entretanto, a visão resolve.
___Ao dançar – é sempre bom lembrar –, os dançarinos estão interpretando uma música. Uma música contínua, que não pára e espera os aplausos, que começaram no meio dela, pararem. Abafar o som da música com barulhos ensandecidos só destrói parte da beleza do que está sendo feito. Uma dança não é composta só de movimentos ao léu.
___Olhem uma coreografia de samba de gafieira com Jimmy de Oliveira, Suellen Violante, Leo Fortes e Robertinha.


httpv://www.youtube.com/watch?v=o9H8__KBZV8


___A coreografia foi toda montadinha, cheia de brincadeiras com a música. Movimentos clássicos de samba foram cuidadosamente escolhidos para se encaixarem com o que estava sendo tocado. Porém, infelizmente, muito se perde. Toda a gritaria do público acaba abafando a música e impedindo que se perceba grande parte do que foi trabalhado pelos dançarinos.
___Os aplausos, gritos e afins estimulam quem está dançando? Claro. Só que um coreógrafo obviamente não fica nada estimulado em trabalhar com cada detalhe de uma música se sabe que ninguém vai conseguir ouvi-la. Estímulo maior – para dançarinos e coreógrafos – seria prestar atenção ao que está sendo mostrado, entender a coreografia e, então, quando a apresentação terminar, aplaudir até as mãos sangrarem.
___Discordam de mim? Acham que eu sou um chato idiota por escrever isso? Se quiserem, agora, é só encher os comentários de vaias. Entretanto, fico satisfeito por imaginar que vocês leram o texto até o fim – e em silêncio.


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P.S.: Aproveitando o assunto, mostro mais um vídeo. Agora de West Coast Swing.


httpv://www.youtube.com/watch?v=pTDIuwYvyDk


___Eu vi essa coreografia antes que ela fosse mostrada para o grande público. Toda redondinha, cheia de firulas fundidas com a música, mas que se perdem por conta da gritaria. Só para dar um exemplo rápido, revejam o começo: o Edson Modesto e a Cintia Fiaschi não só mexem as pernas em perfeita comunhão, eles o fazem em uníssono com a música (17”) –; só que apenas é possível perceber isso no vídeo quando o footwork já está no meio (24”). É uma pena, originalmente era um belo efeito.
P.P.S.: Já que eu falei de West Coast Swing, da Cintia Fiaschi e do Edson Modesto, vale citar que hoje começou o congresso de dança que eles estão organizando, o West em Sampa. Vai até dia 25 de junho. Mais informações aqui.

4 comentários:

  1. Juro que li até o fim e só aí eu aplaudi.

    Até minhas mãos sangrarem. Mentira. Mas achei genial a imagem.

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  2. Sou estudante de música (violoncelo) e sempre me deparo com essa questão. Uma das coisas mais gostosas após o término de uma peça é apreciar o silêncio e o que a música deixou no nosso interior, e as palmas quebram essa contemplação. Por mim, nesses casos, as palmas deveriam acontecer progressivamente uns 10 segundos depois da última nota. Utopicamente falando, claro.

    Por outro lado, há momentos em que, mesmo no meio de uma música, dá uma vontade imensa de aplaudir, o que num concerto clássico é inconcebível. E como executante, mesmo tendo ensaiado a peça que nem doido, é gostoso ouvir manifestações durante uma apresentação, mesmo que isso atrapalhe a obra em si.

    Porém não são todos que pensam assim, tem gente que quer matar o tio do lado fez a cadeira ranger.

    E depois de tanto refletir, vi que nunca iria chegar num consenso.

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  3. Eu acho que você tem razão tudo depende de como, onde e com que intensidade é feito. Eu acho que em algumas atividades talvez o público até atrapalhe, alguém lendo num recital por exemplo. No entanto, eu acho que tem certas atividade que é meio impossível conter a reação do público, uma cena cômica ou surpreendente sempre causa uma reação involuntária.

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  4. [...] * Sei que em um dos meus últimos textos sobre dança eu critiquei as reações exageradas do público – que acabam impedindo que se escute direito a música e, portanto, que se aprecie completamente [...]

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