18 de dezembro de 2011

Eles não são como Nós

___A versão paulistana dos movimentos de questionamento da situação de desigualdade que o Capitalismo tem causado, como o Occupy Wall Street, é o Acampa Sampa/Ocupa Sampa. Só o fato de questionarem situações de desigualdade, por tentarem fazer algo, já me faz olhar para o movimento com olhos mais simpáticos.
___Foi exatamente por isso que, enquanto o Ocupa Sampa esteve acampado no Vale do Anhangabaú, toda vez que eu passava pela região, eu esticava o meu caminho para olhar o acampamento. Agora, infelizmente, isso não é mais possível, pois, primeiro, o movimento resolveu tornar-se itinerante e, pouco depois, foi “desacampado” pelas forças policiais (que, mais uma vez, chegou a agir irregularmente).
___Expressa minha simpatia pelo Acampa Sampa, também acho importante fazer uma reflexão. Reflito, vale dizer, relatando minha mais longa visita ao acampamento do Anhangabaú. O dia foi 14 de novembro; a desculpa para sair de casa foi a aula pública do professor Pablo Ortellado.


Acampa/Ocupa Sampa - Aula
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___Bem acompanhado de meu amigo Caio (e tendo visto por lá um moço que eu posso jurar que era o Renato Rovai), aproximei-me do local em que a aula aberta iria acontecer. A ideia da palestra foi bem interessante, Ortellado associou o que tem acontecido na USP com o livro Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, de Nicolau Maquiavel. Mesmo com alguns problemas, como a falta de eletricidade que impediu o uso do microfone, a aula valeu bem a pena.
___Minha crítica não é, obviamente, a uma aula aberta. Acho fabuloso que o Ocupa Sampa organize eventos como esse. Queria, sim, falar de algo que aconteceu depois da palestra.


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___Assim que a aula terminou, Ortellado abriu para perguntas. Mal tinham sido feitas as primeiras perguntas, uma senhora veio, bastante exaltada, falar com o público. No início da aula, policiais começaram a chegar ao local e essa senhora foi uma das pessoas que saiu do acampamento e passou todo o tempo discutindo com eles. Agora, bastante exaltada, ela vinha pedir o apoio do restante do grupo.


___– Gente, ajudem. A Polícia veio aqui retirar o pessoal de lá!


___O “pessoal de lá” eram os moradores de rua.  O grupo do Ocupa Sampa montou suas barracas debaixo da ponte, em uma extremidade do Viaduto do Chá. Por conta da companhia, da distribuição de comida ou com a esperança de que a Polícia não os importunasse, alguns moradores de rua montaram, do outro lado do Viaduto, alguns barracos.


___– Gente, eu não sei qual é a opinião de vocês; a minha é que eles estão conosco e que não podemos deixar a Polícia levá-los. –, continuou a senhora.


___Quem estava vendo a aula aberta começou a levantar. Iniciou-se uma mobilização de pessoas prontas para reagir para defender o próximo de alguma forma. “E aí?”, “Vamos lá!”, “Junta todo mundo!”. Quando todos já estavam de pé e parecia que algo iria acontecer, uma moça veio do meio das barracas falando alto:


___– Peraí! Palavra de ordem! Os moradores de rua não fazem parte do nosso grupo. Aqui nós estamos lutando contra o Capitalismo. Eles não estão aqui por isso. Além do mais, a Polícia já avisou que não pode ter madeira por aqui – por conta do risco de incêndio – e os barracos deles têm madeira. Sem contar que entre os moradores de rua vivem crianças e nós não podemos ter crianças em um movimento como o nosso, é crime, seria aliciamento de menores. Ah... e não esqueçam que vocês sabem que com eles rola drogas, têm uns dependentes sérios, é complicado. Defendê-los iria sujar o nosso movimento. Não podemos nos meter.


Apartidários


___Assim que ela acabou de falar, ninguém mais questionou. Quem eu achei que iria reagir, pareceu ter mudado de ideia; inclusive a senhora que veio pedir ajuda. Sem muita demora, as pessoas voltaram a sentar e as perguntas sobre a aula aberta voltaram como se nada tivesse acontecido. Uma aquiescência silenciosa.


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Capa da invisibilidade


___Acompanhar essa cena muito me entristeceu. Mesmo dividindo o mesmo espaço, ainda que fisicamente um pouco separados, ficou claro que grande parte das pessoas que estavam por lá pensam que existe uma boa diferença entre “Nós” e “Eles”. “Nós”, os revolucionários, os politizados, aqueles que estão lutando contra o Sistema. “Eles”, que estão perto, mas não partilham da nossa luta. “Eles”, os ignorantes. “Eles”, os pobres. “Eles”, que não são como “Nós”.
___Perceber a existência de uma mentalidade classista, que também exclui os que mais sofrem na luta de classes, é um tanto estranho para pessoas que estão lutando contra o sistema capitalista. Talvez fosse importante que grupos como o do Ocupa Sampa tivessem bem claro por quem eles estão lutando antes de derrubar um mundo de desigualdades para, simplesmente, estabelecer outro.


Papai Noel não existe
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P.S.: Aproveito para contar algo que, para mim, foi um mezzo happy end. Quando os moradores de rua viram que não teriam apoio do pessoal do Acampa Sampa, rapidamente, sem grande alarde, aproveitaram a distração dos policiais, organizaram-se e desapareceram, deixando os barracos para trás. Achei impressionante a organização (ou o costume) deles para resolver problemas com policiais e voltarem rapidamente ao nomadismo.

4 comentários:

  1. hoje, eu e o caio (o mesmo), fomos ao teatro, ver "o grande inquisidor". de alguma forma, teu texto me fez voltar a pensar no texto da peça. nos cinqüenta minutos de texto de dostoiévski, milhões de reflexões se sobrepõem, umas sobre as outras. não sobre a rússia do século xix ou sobre a espanha do xvi (uma vez que era praticamente um monólogo de um inquisidor espanhol que condena jesus por heresia em seu retorno à terra), mas sobre como a autoridade emprega uma subjetividade imensa para garantir que a liberdade seja cerceada. e como os humanos aceitam isso. aceitam em troca de um pouco. e se essa autoridade consegue dominar o pão e consegue dominar as consciências, já não há liberdade, mas também não há revolta.

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  2. e porque você não falou nada?

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  3. Por mais de um motivo, Plabo. A princípio, eu fiquei sem reação, embasbacado, pq eu realmente não achava que eles agiriam assim. Depois do choque, eu vi os moradores de rua se organizando para se livrar do problema e achei q não era necessário fazer mais nada. Mas, parando e pensando sobre o assunto com calma, eu não falaria nada mesmo pq acredito que ficar batendo boca por lá não resolveria nada. Preferi escrever um texto que os membros do Acampa podem ler com calma, sem a cabeça quente, refletir e, quem sabe, no futuro, tomar atitudes mais dignas.

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  4. O movimento foi ponderado. Jw

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