21 de maio de 2012

Novilíngua – e a ausência de Sociologia e Filosofia

Obediência: a função das palavras
___Você sabe qual é a função das palavras? Esqueça aquelas ideias bonitinhas de que as palavras existem para nos ajudar na comunicação, para expressar o que sentimos, para cantar axé ou sei lá mais para quê. A função das palavras é simples: servir quem as comanda. Normalmente, existem três tipos de seres que mandam nas palavras: burocratas, advogados e bons escritores. E digo mais: as palavras são obedientes e não importa qual o seu significado, esses artífices conseguem, sem grandes esforços, distorcer esses significados ao seu bel prazer.
___“Que maluquice!”, talvez você esteja pensando, “As palavras têm seus significados e não é um advogado ou escritor que poderá mudar isso.”. É mesmo? Pois, então, vá ler Guimarães Rosa ou enfrentar um advogado talentoso para ver como eles vão carinhar ou espancar as palavras até elas não parecerem mais o que um dia foram.


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Semana Paulo Freire
___Em um lindo lampejo de preocupação com o livre pensamento, a criticidade e o bem estar da população, em 2 de junho de 2008 o Governo Federal, por meio da Lei número 11.684, transformou Filosofia e Sociologia “disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”.
___Infelizmente, alguns colégios desrespeitam a lei até hoje. Entre elas está a ETESP, escola administrada pelo Centro Paula Souza. Nela, apenas o segundo e o terceiro ano do Ensino Médio contam com aulas de Sociologia e Filosofia. No primeiro ano, segundo o que é dito aos estudantes, “todo” o conteúdo das duas matérias é teoricamente “ensinado” junto às outras disciplinas e em cinco dias alcunhados de “Semana Paulo Freire”.


Onde foi parar Sociologia e Filosofia?


___Aí está um exemplo de como os burocratas, facilmente, conseguem manipular as palavras. Escolheram exatamente o nome de Paulo Freire, o maior estudioso da Educação de toda a história do Brasil, para nomear uma semana que nada mais é do que um engodo pedagógico. O resultado é que, na ETESP, a Semana Paulo Freire é sinônimo de mentira, enganação, não de aprendizado.


Paulo Freire se revirando no caixão
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Homenagem de Laerte a Leandro Narloch
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Enrolando publicamente
___Incomodado por não ter disciplinas obrigatórias no primeiro ano, @PaulinhoTrii, um estudante da ETESP, twittou para o @paulasouzasp:


Tweet - @PaulinhoTrii


___Demonstrando atenção (pelo menos nisso), o perfil oficial do Centro Paula Souza respondeu:


Tweets - @paulasouzasp


___Infelizmente, apesar na presteza da resposta, ela se enquadra no campo das mentiras e das manipulações dos discursos. Vou demonstrar em três itens.
___(1) O caso mais básico de maquilar as palavras foi o doce “Etecs têm Filosofia e Sociologia no Ensino Mèdio como componentes curriculares e não como disciplinas”. São “componentes curriculares e não... disciplinas” pareceu até a assessoria de imprensa do governador Alckmin, depois do acidente do metrô (causado por uma placa eletrônica que deveria ter sido renovada, mas não foi por conta da falta dos investimentos prometidos), dizendo que não executar o orçamento não é o mesmo que deixar de investir.
___(2) Filosofia e Sociologia são “disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”. A resposta do @paulasouzasp de que são componentes curriculares e não disciplinas, seria porcamente aceitável para o Ensino Técnico. Entretanto, a ETESP conta com Ensino Técnico e Ensino Médio completamente separados, plenamente independentes. Em outras palavras, para o Ensino Médio, o caso do aluno @PaulinhoTrii, Sociologia e Filosofia são obrigatórias.
___(3) A desculpa de que o parecer do MEC de janeiro do 2012 permite uma enganação pedagógica dessas também não cola. Sou professor na ETESP desde 2009 e durante 2009, 2010 e 2011 Sociologia e Filosofia também não foram disciplinas do primeiro ano.


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Sofismo
___Para ninguém achar que a manipulação discursiva desonesta terminou aí, o @paulasouzasp ainda soltou um argumento extremamente escroto que costuma ser disseminado pelos inimigos da Educação.


Tweet - @paulasouzasp


___Essa desculpa de que o conhecimento das áreas de Filosofia e Sociologia (ou de alguma outra área) “pode ser abordado em qualquer matéria e/ou de maneira interdisciplinar” é de uma desonestidade tão grande que chega a dar nojo. Ao invés de investir na contratação de profissionais ou no aumento do número de aulas, joga-se a responsabilidade para outras disciplinas. O principal perigo desse argumento é que ele pode ser usado para eliminar qualquer matéria ou campo de conhecimento. É uma arma muito poderosa para deixar nas mãos de burocratas.




___– Então, por meio deste novo decreto – anuncia o secretário da Educação – conseguimos eliminar mais uma disciplina. A partir de agora, os estudantes de Ensino Médio deverão ir à escola apenas para aprender Educação Física.
___Ao ser questionado pelos jornalistas, o secretário detalha um pouco mais:
___– Aprofundados estudos educacionais foram feitos e percebemos que Educação Física consegue suprir todas as outras disciplinas. Ao contar os pontos nas partidas, os alunos estarão estudando Matemática; ao arremessar uma bola, Física; ao suar, Química; ao trabalhar o corpo, Biologia; ao ouvir as instruções do professor, Línguas; ao interagir com os colegas, Sociologia; ao refletir sobre uma derrota, Filosofia; ao utilizar o solo das quadras, Geografia; ao jogarem esportes centenários, como o futebol, obviamente estarão estudando História. E mais, tudo isso de maneira interdisciplinar! Sem dúvida, os alunos não estarão perdendo nada. E mais, sem gastar com os especialistas desnecessários das outras disciplinas, os cofres públicos terão muito mais dinheiro para investir na Educação. Inclusive, já está em andamento a licitação para a compra de mais bolas...



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Palavras obedientes


O contrário de "vazio", por Laerte


___“Ah, mas quem me garante que você não está, aí, manipulando as palavras?”. Ninguém lhe garante isso, querido Padawan. E, para falar a verdade, não há a menor dúvida: eu também estou manipulando as palavras. Entretanto, entre o escritor e o burocrata, eu prefiro levar a sério o discurso do escritor. Quanto a você, aconselho que reflita, busque mais informações, estude Sociologia e Filosofia e chegue às próprias conclusões.


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Texto dedicado ao @PaulinhoTrii, ao Grêmio Estudantil Bertold Brecht e a todos os estudantes com algum senso crítico.

Um comentário:

  1. Eu fui estudante da ETESP e vou ser bem sincero. Não gostei das aulas de filosofia e sociologia que eu tive nos dois últimos anos. Eu acho que essa escola não devia apenas colocar as matérias para o primeiro ano, eu acho que também devia revisar a didática dessas disciplinas. Não sei se aqui é um lugar propício para falar, mas vou arriscar a falar de minha experiência. E, claro, tudo é MINHA opinião. Em sociologia, sei lá, o professor estava mais interessado em exibir conhecimento do que explicar a matéria. A maior parte do que me lembro de suas aulas era ele falando "Sociologia é complexa, sociologia é difícil, sociologia é isso, é aquilo...". Ok, entendi, é difícil. Mas quanta bajulação! Eu confesso: não aprendi sociologia. Em filosofia eu tive dois professores. Um deles era excelente, mas o outro nem tanto. Este também exibia conhecimento. O mais irritante é que 50% de todas as aulas dele era ele copiando coisas do papel pra lousa. Muitas das frases não tinham sentido algum. Eu pesquisei e vi que várias de suas frases foram retiradas da internet. É como se ele pegasse frases aleatórias de um texto enorme de filosofia e copiasse na lousa, desconectando do devido contexto. Volto a falar que isso é minha opinião e ESPERO DE CORAÇÃO que eu é que esteja errado. Mas ainda acho que uma revisão geral disso tudo é necessária, ainda mais na ETESP, um lugar cujo ensino de humanas é bastante forte.

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