28 de maio de 2013

Mas não se matam cavalos?

___Os acadêmicos mais puristas não costumam ver traduções com bons olhos. Quando o assunto vem à baila, usam e abusam do chiste de que “Toda tradução é uma traição.”*. Eu sou um pouco mais indulgente. Considero rejeitar traduções sem nem se pensar no assunto um problema. A traição com aqueles que não falam a língua do autor e que perderiam a chance de conhecer a obra é muito mais grave.
___Isso não significa, claro, que aceito qualquer tradução. Se for para ler uma tradução, que seja uma boa.


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___Dia desses, preparando uma aula, eu estava cotejando duas traduções do Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam. Logo na primeira frase, encontrei um tropeço tradutório interessante.
___O Elogio começa com Erasmo justificando a obra para o seu amigo Tomás Morus. A primeira tradução, feita por Paulo M. Oliveira, em 1972, para a coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, é assim:




“Achando-me, dias atrás, de regresso da Itália à Inglaterra, a fim de não gastar todo o tempo da viagem em insípidas fábulas, preferi recrear-me, ora volvendo o espírito aos nossos comuns estudos, ora recordando os doutíssimos e ao mesmo tempo dulcíssimos amigos que deixara ao partir.”.



Elogio da Loucura


___A segunda, pertencente a Paulo Neves, foi publicada pela L&PM em 2003:




“Voltando recentemente da Itália à Inglaterra, para não perder em devaneios inúteis o tempo a que me obrigava a viagem a cavalo, entreguei-me várias vezes ao prazer ora de recordar nossos estudos comuns, ora de entreter-me na agradável lembrança dos caros e sábios amigos que eu ia rever.”.



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___As diferenças entre as duas traduções são gritantes. O divertido é que a diferença que me chamou a atenção na primeira leitura foi o cavalo. Em uma tradução Erasmo viaja; na outra, viaja a cavalo.
___Esse pequeno detalhe me entreteve bastante. Estaria o cavalo presente no texto original? Se não estava, por que Paulo Neves o acrescentou? Não estava ciente de que era possível viajar de muitas outras maneiras? Se o cavalo já estava no original, por que Paulo M. Oliveira não o explicitou? Será que não pensou que a palavra “viagem” poderia ser utilizada de outra forma?** Não cogitou que Erasmo talvez quisesse deixar claro como viajou?
___Não que eu ache que a presença ou a ausência do cavalo tenha estragado alguma das traduções. Só achei que poderia valer uma crônica divertida. Talvez não tenha valido nem isso e o problema é que eu viajo demais. Sem cavalo, vale dizer.


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* A maior ironia de se usar “Toda tradução é uma traição.”, é que não se trata de uma expressão originalmente cunhada em português; a própria frase já é uma tradução-traição.
** Talvez até algum tipo de viagem psicotrópica que facilitaria bastante ouvir o Elogio da Loucura... ;-)


25 de maio de 2013

Sociologia, uma Ciência Exata

___Será mesmo necessária uma análise muito profunda para entender o que há de comum nos protestos ocorridos em Paris (em 2005), Londres (em 2011) e, agora, em Estocolmo?


Stockholm riots, por Carlos Latuff
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___Segundo a BBC, o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt disse que a Suécia não se deixará intimidar por “desordeiros” e que os suecos não serão intimidados pela violência. Pergunto: será que o primeiro-ministro considera a desigualdade uma violência?


11 de maio de 2013

Eu tenho razão, Einstein concorda comigo!

___Há mais de um ano, um aluno religioso me mandou um texto com um pretenso diálogo entre um professor e Albert Einstein, seu aluno. De lá para cá, recebi várias versões da mesma mensagem. Acho que vale a pena deixar aqui uma resposta pública.


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___Eis o texto religioso.




Professor: Você é um cristão, não é filho?
Aluno: Sim, senhor.
Professor: Então, você acredita em Deus?
Aluno: Absolutamente, senhor.
Professor: Deus é bom?
Aluno: Claro.
Professor: Deus é todo poderoso?
Aluno: Sim.
Professor: Meu irmão morreu de câncer, embora ele orou a Deus para curá-lo. A maioria de nós iria tentar ajudar outras pessoas que estão doentes. Mas Deus não o fez. Como isso é um bom Deus, então? Hmm?
___(Estudante ficou em silêncio.)
Professor: Você não pode responder, não é? Vamos começar de novo, meu rapaz. Deus é bom?
Aluno: Sim.
Professor: E satanás é bom?
Aluno: Não.
Professor: De onde é que satanás vem?
Aluno: A partir de ... DEUS ...
Professor: Isso mesmo. Diga-me filho, existe o mal neste mundo?
Aluno: Sim.
Professor: O mal está em toda parte, não é? E Deus fez tudo. Correto?
Aluno: Sim.
Professor: Então quem criou o mal?
___(Estudante não respondeu.)
Professor: Existe doença? Imoralidade? Ódio? Feiúra? Todas estas coisas terríveis existem no mundo, não é?
Aluno: Sim, senhor.
Professor: Então, quem as criou?
___(Estudante não tinha resposta.)
Professor: A ciência diz que você tem 5 sentidos que você usa para identificar e observar o mundo ao seu redor. Diga-me, filho, você já viu DEUS?
Aluno: Não, senhor.
Professor: Diga-nos se você já ouviu o teu Deus?
Aluno: Não, senhor.
Professor: Você já sentiu o seu Deus, provou o seu DEUS, cheirou o teu Deus? Alguma vez você já teve qualquer percepção sensorial de DEUS?
Aluno: Não, senhor. Me desculpe mas eu não tive.
Professor: Mas você ainda acredita nele?
Aluno: Sim.
Professor: De acordo com empírica, Protocolo, Testável demonstrável, da Ciência diz que o vosso Deus não existe. O que você acha disso, filho?
Aluno: Nada. Eu só tenho a minha fé.
Professor: Sim, fé. E com o que a Ciência tem problema.
Aluno: Professor, existe tal coisa como o calor?
Professor: Sim.
Aluno: E existe tal coisa como o frio?
Professor: Sim.
Aluno: Não, senhor. Não há.
___(O auditório ficou muito quieto com essa sucessão de eventos.)
Aluno: Senhor, você pode ter muito calor, e ainda mais calor, superaquecimento, mega calor, calor branco, pouco calor ou nenhum calor. Mas não temos nada que se chame frio. Podemos atingir - 236º graus abaixo de zero que não é calor, mas não podemos ir mais longe que isso. O frio não existe. Frio é apenas uma palavra que usamos para descrever a ausência de calor. Não podemos medir o frio. O calor é energia. Frio não é o oposto de calor, senhor, apenas a ausência dele.
___(Havia silêncio no auditório.)
Estudante: E sobre a escuridão, Professor? Existe tal coisa como a escuridão?
Professor: Sim. O que é a noite, se não existe a escuridão?
Estudante: Você está errado novamente, senhor. A escuridão é a ausência de algo. Você pode ter pouca luz, a luz normal, luz brilhante, luz piscante. Mas se você não tem luz constantemente, você não tem nada e você a chama de escuridão, não é? Na realidade não é. Se isso fosse correto, você seria capaz de fazer mais escura a escuridão, não seria?
Professor: Então, a qual ponto você quer chagar, rapaz?
Aluno: Senhor, o meu ponto é que a sua premissa filosófica é falha.
Professor: Falha? Você pode explicar como?
Aluno: Senhor, você está trabalhando na premissa da dualidade. Você argumenta que há vida e há morte, um Deus bom e um Deus mau. Você está vendo o conceito de Deus como algo finito, algo que podemos medir. Senhor, a ciência não pode explicar um pensamento. Ele usa eletricidade e magnetismo, mas nunca viu, muito menos completamente compreendeu qualquer um. Para ver a morte como o oposto da vida é ser ignorante do fato de que a morte não pode existir como algo substantivo.
___A morte não é o oposto da vida: apenas a ausência dela. Agora me diga, Professor, você ensina a seus alunos que eles evoluíram de um macaco?
Professor: Se você está se referindo ao processo evolutivo natural, sim, claro, eu faço.
Estudante: Você já observou a evolução com seus próprios olhos, senhor?
___(O professor balançou a cabeça com um sorriso, começando a perceber aonde argumento estava indo.)
Estudante: Como ninguém jamais observou o processo de evolução em trabalho e não pode sequer provar que este processo é um empreendimento em curso. Você não está ensinando a sua opinião, senhor? Você não um cientista, mas um pregador?
___(A classe estava em alvoroço.)
Aluno: Existe alguém na classe que já viu o cérebro do professor?
___(A classe explodiu em gargalhadas.)
Aluno: Existe alguém aqui que já ouviu o cérebro do professor, sentiu, tocou ou cheirou? Ninguém parece ter feito isso. Assim, de acordo com as regras estabelecidas de protocolos empiricos, estável, comprovada, a Ciência diz que você não tem cérebro, senhor. Com todo o respeito, senhor, como então confiar em suas palestras, senhor?
___(A sala ficou em silêncio. O Professor olhou para o aluno, com o rosto insondável.)
Professor: Eu acho que você vai ter que toma-las pela, fé filho.
Aluno: É isso senhor ... Exatamente! O elo entre o homem e Deus é fé. Isso é tudo o que mantém as coisas vivas e em movimento.
___Acredito que vocês tenham gostado da conversa. E se assim for, você provavelmente vai querer seus amigos / colegas para aproveitar o mesmo, não vai?
___Transmita isto para aumentar seu conhecimento ... ou fé.
___A propósito, o aluno era EINSTEIN.
#SemPalavras



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___Eis a minha resposta.
___Uma das coisas legais da Ciência, é que ela gosta de ser questionada. Por isso mesmo, pode ficar à vontade para me questionar e enviar o texto que você quiser, mas tome cuidado. Na última vez que me mandaram um textinho religioso assim, respondi escrevendo este texto aqui.
___Também aconselho cautela, porque o texto que você mandou, além de mal escrito, apresenta tantas falhas, mas tantas falhas, que conta mais contra o seu deus do que a favor dele. Tá na cara que foi escrito por um crente que não entende lhufas de Ciências. Para começar, qualquer professor com um mínimo de competência responderia, sem qualquer dificuldade, quase todos os questionamentos do aluno-cristão, mesmo que estivesse com as mãos amarradas em um tronco de pira inquisitorial.
___Rapidamente, sem me deter muito para escrever um texto literário (como o que eu linkei acima), vou só apontar algumas falhas:
- Sobre frio e calor e sobre morte e vida, o professor poderia ter respondido explicando como conceitos são criados.
- Sobre escuridão, o professor poderia falar de maneira bem interessante sobre buraco negro, sobre as propriedades dos olhos se adaptarem...
- Se o professor explica que “o homem evoluiu de um macaco”, o professor explica errado e realmente não sabe nada sobre Evolucionismo. Ele deveria estudar mais. Para que você, não repita uma bobagem dessas, acho que vale a pena dar uma lida neste texto aqui.
- Quando questionado sobre observar a evolução, qualquer estudante de Ensino Fundamental teria respondido que valia a pena o aluno-cristão descobrir o que é Paleontologia.
- Sobre o cérebro do professor... já que ele não conseguiu responder essas perguntas bobas do aluno-cristão, acho que eu já o vi, sim. Tá aqui uma imagem dele:


Cérebro


___Agora, falando sério, é tão fácil provar a existência do cérebro de alguém com a tecnologia que usamos hoje na Medicina que eu tenho sérias dúvidas sobre o quão ignorante é o autor do texto.
___Deixando as bobagens do texto de lado, você pode me dizer “Tá bom, o autor do texto é um ignorante mentiroso, mas o ponto principal do texto é válido: ‘Você sabe que existem certas coisas, você acredita em certas coisas mesmo sem provas.’.”. Minha resposta será um sonoro “Não!”. Para um cientista, se não existir uma forma de provar, se não for possível observar, repetir o experimento, etc., etc., não é um conhecimento válido cientificamente e ponto. E, mais do que tudo, mesmo os “conhecimentos válidos cientificamente” podem ser questionados e novas pesquisas podem provar que as anteriores estavam erradas. Os cientistas adoram isso, pois poderão descobrir coisas novas a partir daí.
___Por fim, a parte mais engraçada dessa história toda está no início e no fim do texto.
___No começo, o professor começa questionando o aluno, “Você é um cristão, não é filho?”, e o estudante responde: “Sim, senhor.”. No fim do texto, o coitado do autor, achando o próprio texto ficcional excessivamente genial, diz “A propósito, o aluno era EINSTEIN.”. Pobre crente ignorante... Se tivesse pesquisado um pouquinho, ele descobriria que a relação de Einstein com as religiões era um pouco atípica. Mais do que isso, se o físico fosse se rotular com alguma religião, Einstein se diria judeu, não cristão.
___Além de engraçado, esse ponto também é triste. Triste porque o maluco autor do texto sabia que estava defendendo a “Verdade” dele com uma mentira. Sério mesmo, quão válido pode ser isso? E falo isso com o aval de Stephen Hawking, Bárbara Gordon e Isaac Newton, que estão aqui no quarto, comigo, enquanto eu escrevo este texto.


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P.S.: Pessoas que compartilham esse tipo de texto deveriam muito ler O mundo assombrado pelos demônios, do Carl Sagan. Fica a indicação.
P.P.S.: O Daniel Vieira Lopes, do canal D-Dimensões, também deve ter passado por uma situação como a minha e acabou fazendo um ótimo vídeo sobre esse tema.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=TdZ6QNHEMNk[/embed]


9 de maio de 2013

Não produza uma capa pela sinopse

___Eu bem imagino que deve demandar muito esforço para se fazer um trabalho bem feito de escolha da capa de um livro. Imagino que deve ocupar muito tempo e que, muitas vezes, o reconhecimento não deve ser dos maiores. Quase consigo ver a pobre infeliz que escolhe as capas lendo um livro chato, que, se não fosse pelo trabalho, ela largaria antes da vigésima página; após terminar a obra, horas e horas pesquisando, pensando e escolhendo para tentar representar bem a obra toda (sem revelar o mais importante) apenas com uma capa . Por fim, ninguém, nem o chefe, nem o público e nem a autora, ninguém sequer comentam a capa. Deve ser mesmo um trabalho inglório.
___Sem dúvida, existem muitas maneiras de fugir do trabalho duro. Capas quase sem nada além do título e do nome do autor já resolvem o problema. Uma ilustração abstrata, então, é praticamente impossível de errar. E, claro, dá para ler bem por cima uma sinopse do livro e escolher uma figura genérica qualquer. Imagino que foi essa última opção que levou à capa de Maigret se diverte, publicado pela L&PM.


Maigret se diverte


___Quem já leu os mistérios que Simenon escreveu, vai estranhar um pouco esse Maigret se diverte. Ao contrário do habitual, nessa obra o comissário Jules Maigret não está à frente de uma investigação, tentando resolver algum crime; Maigret está de férias e a estória se passa com o comissário acompanhando a resolução de um crime pelos jornais.
___Pobre Ivan Pinheiro Machado, devia estar com pressa, cheio de livros para resolver. Simplesmente passou o olho rapidamente pelo início de um resumo do livro, soube que tratava de uma historinha em que Maigret estava de férias, viu o ano em que a obra foi publicada, pegou uma fotografia de praia tirada mais ou menos na mesma época por algum fotógrafo famoso, colocou um filtro e mandou publicar. O problema é que a história toda se desenrola com Maigret saindo de férias e resolvendo não ir à praia ou a qualquer outro lugar, o comissário e a esposa resolvem ficar descansando em casa, em Paris.


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___Eu sei que alguém esperto facilmente deve conseguir justificar a capa, sei que podem falar que eu estou sendo chato, mas a verdade é que o trabalho de escolher capas de livro, mesmo sendo trabalhoso, deve também ser bem legal (ainda mais para as obras do Simenon). Se for para fazer malfeito, melhor arrumar alguém que leia a obra e faça bem feito. Ou escolher uma capa abstrata.
___De qualquer modo, esta postagem serve como adendo ao ditado de que não se deve julgar um livro pela capa.


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P.S.: Nem precisam me lembrar de que não é muito inteligente escrever um texto escancarando um erro do Ivan Pinheiro Machado. Para quem não sabe, Pinheiro Machado é o PM da editora L&PM* e, portanto, esta postagem intrometida pode me fechar muitas portas por lá. Mesmo assim, achei que valia o toque (ainda mais porque, verdade seja dita, mesmo com esse pequeno escorregão, é bom ressaltar que a L&PM é, de longe, a melhor editora de livros de bolso do país).


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* O L é de Paulo de Almeida Lima.


1 de maio de 2013

Como escrever para o seu chefe

___Você tem dúvidas sobre como escrever um e-mail para o seu chefe? Não sabe se dirigir a uma autoridade? Tem medo de usar as palavras erradas ao falar com um superior? Não se preocupe, o Laerte pode ajudá-lo.


Como escrever para o seu chefe, por Laerte