31 de dezembro de 2018

A necessidade das leis trabalhistas: relato pessoal

___No final de um ano em que deputados, governadores e até o presidente eleito vociferam contra os direitos trabalhistas, achei que valia a pena contar um pequeno caso pessoal. Isso não significa, claro, que minha história encerra a questão ou algo do tipo, mas vale para se refletir um pouco mais sobre o assunto. 

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___De meados de 2008 até dezembro de 2017, eu ensinei História em um colégio particular chamado Rumo. Tratava-se de uma escola bastante boa, com muito mais pontos positivos do que negativos. O colégio oferecia plantões de dúvidas, suporte para os professores, atividades extras e contava com alguns funcionários fabulosos, que realmente se preocupavam com a educação dos alunos. 
___O dono do Rumo costumava ser muito presente. Ex-professor de Física, ele sempre aparecia na sala dos professores e conversava com todos sobre os mais variados temas. Entre seus assuntos preferidos, no entanto, figuravam os direitos trabalhistas. Ou, sendo mais claro, o problema, o empecilho que eram os direitos trabalhistas.
___Assim como um deputado recentemente eleito, meu ex-chefe dizia o quanto os direitos trabalhistas atravancavam as relações entre patrões e empregados, como era necessário pagar um monte de impostos, que ter empregados no Brasil era muito caro, que falta fazia não ser chamado mais de sinhô, que isso não era o verdadeiro capitalismo, que diversos direitos pagos a empregados não faziam sentido, que patrões e empregados deveriam negociar livremente e coisas do tipo. Uma ou outra vez cheguei a responder, citando exemplos históricos de como a situação dos trabalhadores era infinitamente mais precária antes desses direitos, mas, vale lembrar, ele era meu chefe. Ficar discordando do patrão não é das atividades mais salutares. Então, na maior parte das vezes, eu simplesmente ouvia, meneava com a cabeça ou respondia com grunhidos e monossílabos. 
___Opiniões do meu ex-chefe à parte, o colégio estava indo por um bom caminho. Tanto que, no final de 2016, meu ex-patrão resolveu ampliá-lo. Literalmente, ele dobrou o espaço físico da escola com uma enorme reforma. O problema é que a reforma custou mais caro do que ele pensava e, no final de 2017, meu ex-chefe estava completamente endividado. Se dobrar o tamanho do colégio tivesse dado certo, os lucros, como bem prega o capitalismo, seriam todos do meu ex-chefe. Como as coisas não deram certo, o prejuízo foi dividido entre todos. Como bem prega o capitalismo?
___Em dezembro de 2017, meu chefe anunciou a falência da escola e não pagou o que devia para quase ninguém. Muitos funcionários foram pegos de calças curtas e contas longas. Acabaram tendo um final de 2017 dificílimo. Além disso, saindo à procura de emprego só a partir da desagradável surpresa, o 2018 de muitos dos meus ex-colegas de trabalho também não foi dos mais fáceis. 
___Férias, 13º, a grana que viria com uma demissão e até algumas parcelas do FGTS nunca pingaram na minha conta. Os adversários dos direitos trabalhistas talvez olhem com desprezo para essa minha reclamação. O ponto é que nem os últimos salários de meses completamente trabalhados foram pagos. O único dinheiro que eu vi foi do FGTS, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que foi depositado durante os vários anos em que trabalhei no colégio. 
___Em suma, meu ex-chefe criticava os direitos trabalhistas, mas quando ele não conseguiu pagar nem o salário dos seus funcionários, foi apenas um direito trabalhista que ajudou financeiramente os trabalhadores caloteados. E, vale lembrar, não foram os direitos trabalhistas que fizeram o colégio falir, foi um erro de cálculo dele. Meu ex-patrão pode até não apreciar minhas justificativas históricas para a necessidade dos direitos trabalhistas, mas, para mim, ele só ajudou a demonstrar a necessidade desses direitos. 

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P.S.: Eu não processei meu ex-chefe, mas outros professores fizeram. O resultado foi esse aqui:

Telegrama - processo 1

Na qualidade de advogada nos autos da reclamação trabalhista movida em 2018 contra Rumo Vestibulares LTDA ... [este telegrama] tem a presente finalidade de informar-lhe que estamos com dificuldade em dar seguimento à execução de seu processo devido a não localização de bens da empresa e de seus sócios.

___E, como uma demonstração de que a situação dos trabalhadores frente aos patrões só tem se tornado mais dura, alguns parágrafos depois a advogada escreve:

Telegrama - processo 2

Ademais, cumpre informar que com o advento da Lei 13.467/2017, reforma trabalhista, se dentro de 2 anos, do despacho do juiz que solicita indicação de bens do executado, não for apresentado nenhum bem será decretado a prescrição intercorrente, ou seja, o processo não poderá mais ser executado.

___Resumindo: o trabalhador foi à empresa e trabalhou, fez a sua parte. O patrão não pagou, não fez a sua parte, e, por conta da mudança das leis em 2017, em apenas dois anos do fim do processo ele estará livre e perdoado pela lei brasileira. Só mesmo alguém muito escroto para defender esse tipo de coisa. 
P.P.S.: Para não ficar apenas em um relato pessoal, recomendo o texto “Leis trabalhistas, pra quê?”, do meu querido Alex Castro

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