11 de maio de 2008

Psicografando

_____O texto sagrado de que melhor se conhecem as condições em que foi escrito é o Corão. Entre a totalidade e o texto, os intermediários eram pelo menos dois: Maomé escutava a palavra de Alá e a ditava a seus escribas. Um dia – contam os biógrafos do Profeta – Maomé ditava ao escriba Abdullah quando interrompeu a frase no meio. O escriba, instintivamente, sugeriu-lhe a conclusão. Distraído, o Profeta aceitou como palavra divina o que dissera Abdullah. Esse fato escandalizou o escriba, que abandonou o Profeta e perdeu a fé. (Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno, p. 186).

_____Outro dia, em uma de minhas viagens pelo metrô, sentei-me ao lado de uma moça muito bonita que estava lendo um livro. Curioso que sou, estiquei os olhos para descobrir o que ela estava lendo: mais um dos novos livros da Zibia Gasparetto.

_____Mal eu havia disfarçado uma careta, paramos na próxima estação e uma velhinha sentou no assento que estava vago à nossa frente. Qual não foi minha surpresa quando vi que ela é que primeiro puxou papo com a moça:

_____– Nossa, você também está lendo Onde está Teresa?? – E, tirando outro exemplar da bolsa, completou: – Olhe, estou bem no fim do meu.

_____Poderia ser uma introdução de história bacana se o objeto do papo não fosse o livro de uma escritora de qualidade tão duvidosa. Será que o espírito que “dita” os livros relê? Fico abismado com a velocidade com que essa mulher consegue matar árvores escrever.

_____Pena que os leitores de auto-ajuda espírita não têm o mesmo bom senso do Abdullah, do livro do Italo Calvino, nem a Zibia, o discernimento da personagem da tirinha abaixo, do Rafael Sica.

Ordinaria 1901

P.S.: Aproveitando o assunto, indico a divertidíssima “historinha com moral espírita” do Rafael Galvão.

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