20 de dezembro de 2008

Educadores?

_____Todo ano a cena se repete.
_____Em meados de dezembro vou para alguma das escolas em que trabalho para o Conselho Final. O objetivo da reunião é ver quais alunos foram aprovados e decidir, entre aqueles que não passaram na Recuperação Final, quais irão para a série seguinte. Antes mesmo do trabalho começar já é possível ouvir comentários como “Só vim trabalhar hoje. Já estou de férias antecipadas faz uns 15 dias. Você acha que eu iria perder parte das minhas férias de final de ano deixando alguém de recuperação?” ou “Ah! É hoje que o bicho pega.” seguidos de risinhos sem graça.
_____Depois que o Conselho oficialmente começa dá para perceber, de longe, quais professores deixaram (ou não) alunos de recuperação e os motivos. São basicamente dois grupos: os que acreditam no próprio trabalho e na importância dele e aqueles que dão aula por qualquer outro motivo. Nos dois grupos existem professores que aprovam e que reprovam alunos.
_____Entre os lentes que acreditam na Educação, os que passam os alunos o fazem por filosofia. Eles realmente acreditam que a reprovação vai prejudicar os educandos e, portanto, distribuem notas altas o ano todo. Não concordo com esse modo de ver a cátedra, mas respeito. Os mestres que não aprovam quem não conseguiu aprender algo, também crêem verdadeiramente que aquela atitude vai auxiliar os estudantes. É bonito ver o embate entre dois pontos de vista tão antagônicos com um mesmo ideal: Ensinar.
_____Em compensação, dar uma olhada nos professores que não acreditam na própria profissão causa, no mínimo, asco. Quem reprova o faz por vingança ou maldade – “Ela é uma burra, tem que reprovar.”; “Aquele moleque ficou bagunçando em todas as minhas aulas, nunca prestou atenção. Dei essa nota para ferrar o idiota. Agora ele vai ver quem manda.”. Quem aprova o faz por preguiça ou incompetência – “Eu sou prático, eles não querem aprender mesmo. Por que eu vou me dar ao trabalho de correr atrás?”; “Passei mesmo. Ia ficar corrigindo provas até hoje? Haja saco!”.
_____A política educacional vigente, vale dizer, dificulta a reprovação que nem uma crente virgem dificulta o coito. Essa excrescência educacional conhecida como “Aprovação Automática” acrescenta ao repertório dos professores a desculpa de que ninguém vai ficar retido na mesma série, não importa se os alunos tenham adquirido algum conhecimento ou não. “A Secretaria da Educação e as Delegacias de Ensino não deixam reprovar. Então vamos aprovar logo para evitar a fadiga.”.
_____Para os professores que não vêem sentido no próprio trabalho e, portanto, aprovam todos por pura preguiça ou incompetência, sempre tenho vontade de perguntar:
_____– No primeiro dia de aula você já anuncia para os alunos que é um vagabundo?
_____Ou:
_____– Quando as notas saem, você fala para os alunos: “Viram como eu sou bom? Todos vocês aprenderam.”?
_____Para os que reprovam por maldade, digo um simples:
_____– Você não se sente mal fazendo isso?
_____Certo ano, de mau humor, eu cheguei a fazer as três perguntas em uma mesma reunião. Irritado, um professor retrucou:
_____– E você acha que todos os alunos que passaram com você aprenderam mesmo?
_____Juro para vocês que o meu “Tenho certeza.” foi sincero.

__________
Nota: Texto escrito atendendo aos pedidos da leitora Danda.

5 comentários:

  1. Essas histórias me arrepiam. Tive uma professora na faculdade que dava aula de direito penal que por causa de meia dúzia de alunos deixou a sala inteira de dp. Ela deu uma prova dificílima e ainda ficava na porta da sala conversando com a faxineira dizendo que estava ferrando a sala.
    E porque ainda pode ser pior: ela é promotora a mais de quinze anos na cidade... deprimente.
    Forte abraço, Ulisses.

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  2. Oi Ulisses!
    Nem acredito que cheguei atrasada para meu próprio post... Mas gostei bastante! Mesmo sendo a última a propor um tema, este saiu primeiro, que honra!
    Interessantemente você confirmou o que eu já pensava, é muito cômodo para o professor tomar para si o crédito das boas notas do aluno e passar a responsabilidade do aluno que não alcançou notas altas para o próprio, até por que exime o professor de ajudar os que tem mais dificuldade. Concluindo que se o aluno não aprendeu só pode ter sido por sua falta de interesse criando um ciclo vicioso.
    Mudei de idéia quanto a importância de determinadas matérias no colégio. Em parte, continuo achando que algumas matérias deveriam ter sua relevância reduzida no ensino médio dependendo do interesse do aluno. Mas ao mesmo tempo, percebo agora que isso seria dar relevância demais a um exame só, o vestibular, em detrimento da educação, até por que 16-17 anos é muito cedo para escolher um campo de interesse e se privar de outros conhecimentos. Talvez por que em boa parte do segundo grau senti que estava sendo mais treinada para o vestibular do que efetivamente aprendendo, nesse caso, qual seria a serventia da reprovação se as notas não significam conhecimento. Assim, ou muda-se o foco do sistema ou não reprova-se ninguém, porque dá na mesma.
    Parabéns por afirmar com tanta convicção que seus alunos aprendem, mesmo que não fosse verdade, seu empenho já significaria muito. E acredite, os alunos notam e faz muita diferença.
    Estou curiosa para saber como você irá abordar o tema alimentação proposto por outra leitora.
    Adorei o texto!

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  3. Opa!

    Conheci seu blog hoje pelo Uêba e gostei muito, parabéns! É muito bom ver pessoas que ligam e dão importância para a educação.

    Já estou assinando o RSS :)

    Abraços

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  4. Eu nunca dependi de professor para aprender alguma coisa, pois ninguém pode "enfiar" coisas na cabeça de ninguém. Cada um é responsável pelo que aprende ou não. Na minha opinião, o papel do professor é apresentar um caminho para se chegar ao conhecimento, é dar a base. Mas o aluno é responsável pelo resto. Se o aluno não se interessa e não busca, deve sim ser reprovado. Mas se ele é esforçado e mesmo assim vai mal, aí sim merece uma ajuda do professor.
    Não adianta ficar empurrando os alunos de série em série, sem que eles precisem fazer nenhum esforço para isso. Desta maneira eles aprendem apenas uma coisa: não importa o que fizerem ou deixarem de fazer, não haverá consequências ruins e tudo vai dar certo no final. Já imaginou uma pessoa assim no "mundo real"? Que desastroso.

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  5. [...] extremamente positivos. A preocupação com os alunos é constante (nunca havia visto uma reunião pedagógica com mais professores interessados em ajudar os alunos a aprender do que interessados em [...]

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