29 de outubro de 2010

Serra e a educação

___Vocês já viram que linda a ideia do “Pacto pela Educação” sugerido pelo candidato José Serra?








___Já puderam ver suas propostas para a Educação?








___Lindo, não? Não!


Serra e a Educação Pública, por Carlos Latuff


___Não é lindo. É nojento. Causa asco. O Serra falando que vai fazer algo para melhorar a Educação é algo extremamente ofensivo para alguém que, como eu, adora ser professor. E, saibam, posso dizer isso com conhecimento de causa, com muito conhecimento de causa. Não só sou professor de Ensino Médio de uma escola estadual, como sou professor da melhor escola estadual de São Paulo. Sim, é isso mesmo, eu sou professor de uma das escolas que o PSDB usa para esfregar resultados na cara dos outros. Eu sou professor da ETESP, da Escola Técnica Estadual de São Paulo.
___Ótimo centro educacional, a ETESP tem o processo seletivo mais disputado das escolas estaduais paulistas. Os alunos, portanto, costumam ser bem inteligentes e preparados. Além disso, parte do corpo docente é extremamente dedicada e a ativa Associação de Pais e Mestres faz muitos dos investimentos que o estado deveria fazer. Por fim, os resultados acadêmicos dos alunos superam o de qualquer escola estadual paulista, seja no vestibular, seja em outros critérios.
___O porém é que nenhum desses méritos da melhor escola estadual de São Paulo existe por conta do governo do PSDB, nenhum existe por conta do Serra. A escola se mantém com ótimos resultados graças aos alunos inteligentes e esforçados, a uma Associação de Pais e Mestres participativa e a um punhado de professores-sonhadores-idiotas que se matam para fazer tudo funcionar.
___Faz muito tempo que o governo estadual não faz grandes investimentos na ETESP, inclusive, nos mais de três anos em que José Serra foi governador do estado, a escola só viu seus recursos minguarem (novas salas foram abertas, sem que a escola recebesse estrutura para tanto). As salas são superlotadas (quantas vezes já não tropecei em algum aluno enquanto dava aula) e com pouquíssima manutenção (janelas quebradas, goteiras). O número de funcionários é bizarramente limitado, a ponto dos alunos terem de protestar para conseguir mais uma (UMA!) funcionária para a limpeza.
___O material fornecido pelo governo também é parco. Giz, mais de uma vez faltou. Variedade das cores de giz, falta sempre. Além disso, as máquinas que a escola tem, falham (retroprojetores que não funcionam, televisores sem som) ou existem em qualidade limitada (pouquíssimos datashows, número deficiente de computadores).
___Como acreditar nas promessas de um candidato que trata assim sua melhor escola?
___As mazelas, infelizmente, não terminam aí. Sabem a historinha de dar “ao filho do pobre as mesmas oportunidades que se dá ao filho do rico”? Pois bem, as escolas técnicas contam com um número de aulas limitado; as manhãs do Ensino Médio possuem apenas 5 aulas. Não é possível separar as aulas de Língua Portuguesa e Literatura, História do Mundo e do Brasil. Completamente diferente de qualquer boa escola de elite.
___Por fim, vale falar do salário. Eu sei que dá um pouco de medo de falar do assunto, pois José Serra e o PSDB contam com um admirável histórico de reagir com violência contra professores que tocam nesse tema; mesmo assim, vou em frente. O salário pago pelas escolas técnicas estaduais é de meros 10 reais. Se eu for de metrô ou ônibus à escola para dar uma aula, mais da metade do que eu ganhar fica na tarifa das passagens.


Serra e a Educação, por Carlos Latuff


___A história de dobrar o número de vaga nas escolas técnicas não resolve de nada se não existem professores para ocupar essas vagas. Participei de várias bancas de contratação, até para as novas escolas técnicas, mas, com um salário tão baixo, são poucos os bons professores que se interessam pelas vagas. Quantas tardes não passei reprovando punhados de professores semianalfabetos – praticamente os únicos que se interessavam por aulas com salários tão baixos.
___São por esses e por milhares de outros motivos que eu não consigo olhar sem asco às promessas de José Serra para melhorar a Educação. E, caro candidato, se quiser arrumar um modo de me demitir, como reza a lenda você já fez por aí, vai fundo, manda demitir. Só terei a dizer que a ETESP perderá um dos seus melhores professores (um dos poucos otários que aceita se matar para fazer a escola manter o seu grau de excelência) e o senhor, então, estará provado que o seu “Pacto pela Educação” não é mais do que uma promessa vazia. Acho, sinceramente, que a Educação tem mais chance de melhorar se fizer um pacto com o demônio do que com o senhor.


Serra, por Carlos Latuff

20 comentários:

  1. trida, já faz um tempim que eu sigo seu blog, mas achei importante comentar nesse post em especial (ah, tô acabando meu relatório de estágio, quero te mandar até quarta-feira ;)). O debate que acabou de acontecer garantiu que votarei na Dilma por convicção, coisa que venho alimentando há não muito tempo. É meio como a sua história com o Ivan Valente. Eu precisava de coisas que me convencessem de que eu votarei em alguém por crença, e não por um "vou no menos pior!". Tive medo, confesso!, quando o Serra introduziu o assunto da bonificação. Tive medo de que a Dilma sustentasse esse discurso. Aliviei quando ela optou por outro caminho: o do aumento do piso salarial. CLARO, salário não é o essencial nessa carreira (é importante porque sou a favor do aboliscionismo, mas imagino que nenhum de nós foi para a licenciatura imaginando apenas o ordenado), mas acho que o debate sobre bonificação x aumento do piso salaria pontua um debate mais amplo sobre a relevância social do professor e qualidade da educação. Talvez você esteja cansado de discutir o que o 'bônus' traz pras políticas para a educação, mas acho um debate atual e que mostra como as provas padronizadas tornam-se a única referência da qualidade do ensino, e que a desmobilização sindical dos docentes tende a aumentar com medidas paliativas que priorizem o indivíduo e não a classe.
    Espero tempos melhores para nós; ou para outras pessoas, já que aqui vamos tem 20 anos (minha idade hoje!) de PSDB no governo do estado.

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  2. * ah, só pra citar datas: minha convicção quanto ao meu apoio à dilma veio durante o simpósio de guerra e história, em setembro, depois de ouvir outros envolvidos na luta armada.

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  3. [...] This post was mentioned on Twitter by amanda veiga , Gustavo Almeida and Laura Viana, J M Machado de Assis. J M Machado de Assis said: @donabieh @Dep_IvanValente Já q falamos do assunto no outro debate, deem uma olhada nesse relato: http://lc4.in/6Ac5 [...]

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  4. Em 2006, o Alckmin declarou que o dinheiro da APM da Etesp era utilizado para trocar uma ou outra lâmpada da escola. Na época eu era aluno da escola e sabia que não era (e não é) assim. O dinheiro da APM era utilizado, por falta de investimento do governo, para contratar funcionários, manter serviçoes de limpeza, entre outras coisas que envolviam grandes gastos.

    Não falarei mais, seu post me contempla. Como ex-aluno da Etesp, atual estudante de História (de uma universidade que foi recentemente invadida pelas tropas do querido candidato Serra) e futuro professor que quer trabalhar na rede pública, não voto neste senhor e tenho por ele repulsa irreversível.

    Seu blog foi um dos melhores que conheci nos últimos tempos (junte às descobertas o Alex Castro e a volta do Idelber). A menina aí de cima que me passou. =)

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  5. Excelente Artigo Ulysses, já está no meu Face. Beijo, Tati

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  6. Incrível post. Serra nem fodendo. Dilma também não, mas Serra nem fodendo mesmo.
    E o final é genial, eu ri alto aqui!

    Parabéns, professor!

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  7. Professor, Boa Noite!
    Fico muito contente em ter esse espaço e em suas aulas para podermos debater.
    Contra fatos não há argumentos. É verdade (e eu, como militante do PSDB me sinto extremamente triste com essa área) que há muito a se fazer na educação em SP, após 16 anos de governos tucanos. Mas muito foi feito também! Me concentrarei na ETESP, que foi sua principal base de argumentação:

    Vou começar falando sobre o corpo docente, já que é a categoria que mais critica a administração do Centro Paula Souza: O salário é baixo, é claro. Sempre dá pra melhorar. Porém, são pouquíssimos professores que mereceriam um salário melhor, sinceramente. Fora o senhor, que deve saber que considero um dos melhores professores que já tive, poderia citar mais três, apenas, que mereceriam estar dando aula.

    Sobre espaço físico, a ETESP tem uma deficiência, como é notório, por estar no campus da FATEC. Sobre isso, as obras para a mudança da ETESP e da Sede Administrativa do CPS estão em andamento, com previsão de conclusão ano que vem, para a Região da Nova Luz, entre as ruas Timbiras e Andradas.

    Sobre o tal 'protesto' do ano passado, já escrevi sobre isso no meu blog na época que ocorreu [http://tinyurl.com/y9kt9d3]. Foi pura motivação política! O pessoal do Grêmio sabia da limitação de contratação imediata por causa da proximidade do processo eleitoral! Naquela época fiz uma espécie de 'mediação' entre o pessoal do PSTU (pseudo-alunos) e o CPS.

    Sobre o número de aulas, a ETEC PJ, por exemplo, tem um número de aulas maior que o da ETESP, por questões de espaço físico. Acredito que com a mudança do campus da FATEC se resolva.

    Enfim, são alguns pontos, espero ter contribuído para o Debate.

    Gabriel - Aluno ETEC SP/ Diretor de Escolas Técnicas da UPES/ Juventude do PSDB/SP

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  8. "Acho, sinceramente, que a Educação tem mais chance de melhorar se fizer um pacto com o demônio do que com o senhor."
    Adorei, Trida hahahahahahah
    Ótimo texto :)

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  9. Bom, eu diria um monte de coisas que iriam no mesmo sentido de tudo o que você já disse, pois concordo com tudo... Mas no momento, acho interessante dizer apenas: calma, ele já fez o discurso da derrota...

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  10. Puxa, Caio, muito obrigado. Tanto pela contribuição ao texto quanto pelo elogio (comparar-me ao Alex e ao Idelber é uma honra sem par).

    Abraços.
    P.S.: A Bárbara é mesmo uma fofa, né? :-)

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  11. hahaha

    Eu não iria mesmo bater em cachorro morto, Mi. Publiquei antes das eleições.

    Ah... e existe um porém horrível: mesmo com o discurso da derrota do Serra, o PSDB venceu para o governo estadual de Sampa. Pobre Educação.

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  12. Gabriel, existe um ponto da sua argumentação que preciso comentar (não vou falar sobre a mudança para a Nova Luz ou sobre aumento do número de aulas, enquanto não acontecer, enquanto não for algo concreto): vc disse que são pouquíssimos os professores que mereciam um salário melhor. Pode até ser verdade para alguns casos, existem colegas que não admiro nem um pouco, porém, com salários tão baixos, fica dificílimo contratar professores melhores.

    Trabalho com um professor da área de Exatas, extremamente competente, em um cursinho em q leciono. Quando falei que havia aberto uma vaga de concurso para professor da ETESP ele perguntou “Qual o salário?”. Quando eu respondi, ele disse que, por tão pouco, ele não iria nem tentar.

    Entende? Muitos dos ótimos profissionais que poderiam ir, hoje, para a ETESP, não vão porque não querem receber aquela mísera notinha de 10 reais (até menos, já q pagamos impostos ;-)) por cada aula.

    Abraços.
    M. Ulisses Trida.
    P.S.: Ah, e um extra: vc citou os professores com quem vc tem aula. Mas, não esqueça q a ETESP conta com alguns professores fabulosos e com quem vc nunca teve aula, como o Fernando, a Glória, a Márcia X...

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  13. Nossa Trida, maravilhoso, tirou todas as palavras da minha boca. Espero sinceramente que o Serra leia isso, e que ele experimente ir na ETESP. (6)

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  14. Bom, venho usar novamente o espaço do seu blog, professor, para esclarecer meu comentário anterior: Em momento algum propus, como alguns entenderam, a separação entre 'classes de professores'. Fico chateado que as palavras que usei tenham sido utilizada fora do contexto exposto no próprio artigo. Comentei, como dito no post, que 'são poucos os bons professores que aceitam dar aulas por um salário baixo'. Quando citei este trecho me referi à qualificação, não às aulas ou especificamente aos professores.
    Mas, enfim, se ofendi algum professor em particular (que foi a impressão que tive), peço minhas sinceras desculpas. Em momento algum minha intenção foi atacar algum professor em particular, visto que tenho boas relações com todo o corpo docente da ETESP, e sei que este se esforça em aprimorar os conteúdos ensinados e nos preparar não só para o vestibular (que prova este sucesso), como para o mercado de trabalho.

    Gabriel.

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  15. [...] Sobre meu comentário no Blog do Trida, que gerou polêmica e repercussão negativa, coloquei um novo explicando e me retratando com quem [...]

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  16. Professor, vc está de parabéns. Disse a verdade nua e crua. Lamento que poucas pessoas assumem esta postura corajosa e critica a este nefasto governo e sua curriola do Centro Paula Souza. São "marketeiros" incautos desta peste que é PSDB para nosso Estado.
    Teremos que continuar lutando..
    Um gde abraço!
    Moacir de Góes

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  17. Caro professor, gostei muito do teu artigo. Sou aluno da Fatec-SP no curso de ADS noturno e parece que por lá a situação não é diferente, o docente que está começando ganha R$ 18,00 hora/aula, isso é muito pouco para um professor do ensino superior com título de mestrado e doutorado, que profissional e sã consciência iria se submeter a um salário vergonhoso como esse? Além disso na Fatec é necessário profissionais não só da Física, Matemática, Química como também de outras áreas do conhecimento, como engenheiros, cientistas da computação e etc, ou seja, mão de obra cara e especializada. Quando os professores antigos, que vieram de uma outra época, projeto de educação e consequentemente de salários melhores, se aposentarem, não haverá profissionais suficientes para substituir, resultado, sucateamento do corpo docente da Fatec-SP. É terrível essa situação, mas pelo andar da carruagem essa faculdade está condenada.

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  18. [...] conta das condições de trabalho precárias, dos salários ridículos, dos direitos não pagos (assunto sobre o qual falei, também, no ano passado), alguns profissionais das Escolas Técnicas e das Faculdades de Tecnologia do estado de São [...]

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  19. [...] pior é que eu não deveria estar aqui dando risada. Neste ano, a ETESP, a escola em que leciono e da qual tanto gosto, também vai ter eleição para diretor e o processo é tão “democrático” quanto o da USP. [...]

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  20. [...] extras: - “Serra e a educação” - “ETESP: mentiras e verdades na melhor escola pública de São Paulo” - “Novilíngua – [...]

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