___Quando um livro ou filme resolve falar do passado, costuma-se tentar retratar o período da maneira mais fiel possível. O resultado pode nunca chegar ao ideal, mas é bem bacana ver aqueles que realmente se esforçam para chegar perto disso. Fazer um exercício de apontar os erros históricos dessas obras costuma ser bem interessante. Manjado, porém interessante.
___É manjado exatamente porque é muito fácil encontrar algum deslize. Até o aclamado filme O Nome da Rosa, que contou com a supervisão histórica de Jacques Le Goff, o melhor medievalista vivo do mundo, não deixou de escorregar. Na famosa cena de sexo, a moça escolhida não apenas tinha padrões de beleza da nossa época, como também estava com as pernas depiladas.* Aí, quando um ex-aluno (que disse que gostava muito quando eu analisava historicamente algum documento em sala) pede para que eu analise um texto que ele publicou, como posso ralhar se um dos erros foi exatamente esse padrão de beleza contemporâneo, com pernas depiladas e tudo? É difícil ultrapassar certas barreiras.
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___Claro que imperfeições não são apenas históricas. Se o texto não está muito bem fechado, se um diretor não prestou bastante atenção ao seu trabalho, é sempre fácil deixar escapar uma falha.
___Vou dar um pequeno exemplo. Recentemente, o pessoal da Parafernalha publicou um vídeo com o Jean Wyllys.
___Dessa vez eu apreciei o trabalho da turma da Parafernalha. Entretanto, logo no início do vídeo, acontece um furo. Assim que começa, o jornalista fala:
___– Deputado Jean Wyllys, primeiro eu gostaria de dizer que é uma honra recebê-lo aqui na revista Cronus...
___Atrás do entrevistador o cenário já era um incomodo. Após a fala transcrita acima, o vídeo corta para o Jean Wyllys e, então, o incomodo se transforma em um erro. Ou a revista Cronus decidiu entrevistar o Jean Wyllys na sala do jurídico da empresa, ou, mais provavelmente, o vídeo foi gravado em algum lugar como o gabinete do deputado. A estante cheia de livros jurídicos, a mesa pesada e o entrevistado preso no canto mais apertado, com toda certeza não combinam com a organização do local em que uma revista recebe seus convidados para uma entrevista.
___Tudo bem, eu entendo que deve ter sido dificílimo para o pessoal da Parafernalha conseguir uma hora com um deputado ativo e sério como o Jean Wyllys, entendo que deve ser difícil ficar cagando regra e dirigindo alguém tão importante – “Senta aqui.”, “Não, não... vamos tentar filmar naquele canto.”, “Fica um pouco de pé...”. No entanto, se havia pouco tempo para a filmagem, se não dava para ficar abusando da boa vontade do deputado, um roteirista, o diretor ou, no máximo, um continuísta deveria ter resolvido.
___Toda a questão seria facilmente resolvida com uma pequena mudança no texto, com um “Deputado Jean Wyllys, primeiro eu gostaria de agradecê-lo por ter recebido a revista Cronus...”. Pronto: se não dava para mudar o cenário, que se mudasse a fala inicial, como se o entrevistador tivesse ido até o deputado, não o contrário.**
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___Claro que não é possível acertar sempre. Um caminho para se evitar erros é buscar ajuda, ter mais olhos prestando atenção ao que está sendo feito, saber solicitar críticas. Ou, falando de maneira mais profissional, deixo o meu vídeo preferido da Porta dos Fundos.
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* Ficar brincando de encontrar erros históricos em obras, obviamente, não é o único caminho que pode ser percorrido por um historiador ao analisar um filme. Para ver outros caminhos (mantendo O Nome da Rosa como base), recomendo o artigo “O Cinema em Sala de Aula: representações da Idade Média em O Nome da Rosa de Jean-Jacques Annaud”, de Edlene Oliveira Silva.
** Como provavelmente aconteceu na gravação, vale dizer.
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