25 de dezembro de 2013

O inferno é a falta de atenção dos outros

___Neste natal eu doei muitas das minhas roupas. Não que o espírito natalino tenha feito de mim uma pessoa melhor – digna de aparecer em um conto de Dickens –, simplesmente as férias permitiram que eu arrumasse o meu armário. Peguei algumas roupas que eu não usava desde que casei, coloquei-as dentro de uma mala de viagem e fui pegar o metrô para comer a ceia de natal com o meu irmão. 
___Como eu bem sabia, na plataforma da estação Trianon-Masp, ao lado da cabine dos funcionários, havia uma caixa para doações de roupas. Parei ao lado dela, abri a mala e, antes de colocar algo lá dentro, olhei. Para o meu espanto, vi que alguém havia jogado um sanduíche dentro da caixa. E não era um sanduiche novo, deveria estar lá há algum tempo. Coloquei umas três, quatro calças na parte limpa da caixa e peguei o metrô.
___Na estação Sumaré havia outra caixa perto das catracas. Nessa alguém havia jogado um chiclete. Resoluto, coloquei um saco plástico em cima do chiclete e depositei o restante das roupas. 
___Será que confundiram as caixas de doações com o lixo? Uma delas está posicionada ao lado das lixeiras, a outra a uns vinte passos de distância. Será que, mesmo com as palavras “Doações de roupas” escritas em letras grandes, alguém não percebeu e jogou um sanduíche? Penso na hipótese da distração porque me parece quase inconcebível que alguém, de propósito, jogue lixo em uma caixa de doações. 
___Também me parece inconcebível que alguém cuspa em uma criança de rua, chute um cachorro, dê uma garrafada em uma garota de programa ou taque fogo em um mendigo. Só que isso acontece. Existem pessoas que fazem isso. Por que, então, alguém não jogaria, de propósito, um sanduíche em uma caixa de doação? Mas, como eu nem imagino o que fazer com um imbecil desse tipo (ou com agricultores ricos que querem tirar terras de indígenas), vou voltar à hipótese da falta de atenção. 
___Eu entendo que a distração pode atrapalhar. Seu problema pessoal pode ser tão grande que você nem olhou direito para aquela caixa do metrô. Só viu a caixa, pensou que já era hora de parar de mastigar o seu chiclete e cuspiu. Não passou muito mais coisas pela sua cabeça. Assim como você não pensou em mais nada antes de jogar fora aquele sanduíche que não queria mais. Simplesmente você não prestou atenção. 
___E também não pensou naquele homem maltrapilho passando fome. Diga-se de passagem, você nem o vê direito, porque se você pensasse mesmo nos problemas dele e de todos os outros maltrapilhos que existem pelo caminho seria quase impossível andar por São Paulo.
___A falta de atenção com os outros é apenas um sintoma das doenças que fazem a nossa sociedade ser mais podre ainda. Inclusive a minha falta de atenção com as roupas no armário. Se não fosse a minha preguiça, elas poderiam ter sido arrumadas – e doadas – faz muito tempo. Alguém que estava precisando daquela calça poderia já estar com ela. Outras pessoas poderiam estar até com algumas das roupas que ficaram no armário após a arrumação. Só que eu não pensei nelas na hora que eu organizei o armário. Não dei a devida atenção aos problemas que não eram meus. Assim como a pessoa que jogou o sanduíche na caixa de doações de roupas. 


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