29 de julho de 2016

Uma dama talentosa e o presidente

___Em março, em meio à visita do presidente Barack Obama à Argentina, a dançarina Mora Godoy o convidou para dançar.* A dança, como qualquer atitude fora do protocolo de Obama, chamou uma enorme atenção da imprensa. Caso alguém não tenha visto, segue o vídeo


___Exatamente porque sou dançarino, inúmeros conhecidos meus me mandaram links do vídeo com a seguinte fala: “Nossa! Olha o Obama!!! Além de ser presidente dos Estados Unidos, ele ainda sabe dançar bem!!!!!!!!!!”. Normalmente as mensagens vinham com mais pontos de exclamação, mas o conteúdo era mais ou menos esse aí. 
___Eu, pessoalmente, achei o vídeo uma graça. Todos os participantes principais foram fofos. Só que, principalmente para quem não entende de dança, eu tenho de dizer: o Obama não dançou bem. 
___Claro, para um leigo, para alguém que nunca dançou tango, a dança do Obama com a Mora Godoy foi bem legal, entretanto não foi uma boa dança. Mesmo que pareça que foi ótima para quem não entende do assunto. 

Detalhe de uma das cenas de tango do filme True Lies

___A dança não foi boa porque o Obama, que devia ter o tango do True Lies como referência,** fez um movimento ao caminhar desconfortável para a pobre dama: caminhou “ao contrário”, deixando o braço da dama em uma posição levemente incomoda (38”). Além disso, quando Mora se aprumou em sua pose final, o Obama, sem querer, tirou seu equilíbrio (1’03”). 
___Eu sei que a Mora Godoy disse que o presidente americano dançou bem, que depois de algum tempo ela começou a segui-lo. Se eu estivesse no lugar dela teria dito o mesmo, mas seria apenas uma gentileza, não a verdade. Afirmo isso porque é possível perceber, aos 43 segundos do vídeo, Obama tentando parar e Mora acrescentando alguns passos chamativos para encorpar a dança.
___Por fim, vale repetir: escrevi essas desritmadas linhas só para mostrar alguns pontos curiosos para quem não conhece dança de salão. Claro, não estou aqui querendo atacar o Obama nem nada do tipo. Foi bacana e corajoso da parte dele, sabendo que o mundo todo estaria olhando, aceitar dançar. Mais bacana ainda foi ver a Mora Godoy ajudando ele a fazer bonito para a maior parte das pessoas que viram a cena.  

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* E seu parceiro, José Lugones, convidou a Michelle Obama.
** Talvez, em alguma reunião política, ele tenha até tomado aulas de tango com algum governador.  

5 de julho de 2016

Índio com celular

Índio com celular

___Todo dia, ao acordar (e para acordar), eu tomo um banho. Sinto que começo o dia muito mais relaxado, saio de casa me sentindo bem. Não tomar banho de manhã é algo que realmente me incomoda. Por vezes, dependendo das minhas atividades diárias, tomo mais de um banho por dia.
___Minha esposa não costuma se maquilar. Porém, sempre que ela vai a um evento importante, não dispensa a pintura.
___Adoro comer mandioca, batata, milho, tapioca, açaí. Não acho que o meu bife ou o meu arroz com feijão ficam completos sem uma farofa por cima. Passei a minha infância adorando tomar guaraná.
___Trabalho como professor. Acho importantíssimo que as pessoas mais velhas passem seus conhecimentos para as mais novas. Acho, inclusive, uma obrigação social. Diga-se de passagem, sentar e contar histórias está entre as melhores coisas da vida.
___Também sou professor de dança. Sei o quanto é difícil ensinar alguém a dançar sem uma percussão bem marcada. E também sei como as danças funcionam bem melhor com muita gente dançando.
___Nos meus dias de folga, se a temperatura permite, passo o dia descalço. Meu cunhado, por sua vez, passa o tempo que pode sem camisa.
___Adoro ler e leio de tudo. Leio em praticamente qualquer lugar: de pé, deitado, andando, na biblioteca, no ônibus, na fila do banco. De longe, o meu lugar preferido para ficar lendo por horas é a minha rede.
___Eu, descendente de europeus, não vivo como as pessoas do “Velho Continente” viviam no século XV. Meus ancestrais adquiriram diversos costumes nesses últimos séculos, muitos desses costumes de gente que morava aqui no “Novo Mundo”. Costumes, vale dizer, que eu gosto. Agora, diga-me: eu tenho o direito de criticar um indígena por usar camiseta, celular ou por estudar Engenharia? 

2 de julho de 2016

A neutralidade do galinheiro

Todo ovo
Que eu choco
Me toco
De novo.
Todo ovo
É a cara,
É a clara
Do vovô.
.
Mas fiquei
Bloqueada.
E agora,
De noite,
Só sonho
Gemada.

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___Dia desses, um professor de Sociologia amigo meu estava tirando sarro do fato de que o dono da instituição de ensino em que ele trabalha reclamou que a aula de Sociologia tinha um viés ideológico. Acredito que vale acrescentar a seguinte estória:
___Era uma vez uma escola que tinha meia dúzia de aulas de Matemática, umas quatro de Física, outras quatro de Química... Essa escola tinha só duas aulas de História; de Sociologia, uma. Mesmo assim, é bom ressaltar: essa escolha do número de aulas para cada matéria era apenas uma coincidência, não havia nada de ideológico nisso. Também não havia nenhuma escolha ideológica em colocar mais de quarenta alunos em cada sala de aula. E, então, todos os empresários viveram felizes para sempre.

Granja - Produção industrial

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A escassa produção
Alarma o patrão.
As galinhas sérias
Jamais tiram férias.
“Estás velha, te perdoo.
Tu ficas na granja
Em forma de canja.”.

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___Sabe aquela frequente pergunta de estudante? 
___– Para que que eu tenho de aprender isso?
___Dependendo da disciplina e de como ela é ensinada, é possível responder: 
___– Pode ser para que você seja um competente e comportado funcionário da empresa em que você for trabalhar. 
___Outras disciplinas (e a forma de ensiná-las) podem fazer com que esses estudantes aprendam a questionar o chefe, pedir melhores condições de trabalho, não aceitar abusos... Essas coisas mais humanas. Podem ensinar que esses estudantes não precisam de chefes, mas, se quiserem ter patrões, que podem ser funcionários extremamente competentes – mesmo sendo menos “comportados”. 

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Ah!!! É esse o meu troco
Por anos de choco???
Dei-lhe uma bicada
E fugi, chocada.
.
Quero cantar
Na ronda,
Na crista
Da onda.

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___Sempre fico chocado com comentários como o do patrão do professor de Sociologia. É impressionante que existam donos de escola que acreditam mesmo em imparcialidade. Será que donos de jornais e revistas também são caras-de-pau ingênuos assim? 

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Pois um bico a mais
Só faz mais feliz
A grande gaiola
Do meu país.

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P.S.: Caso alguma pobre alma não conheça o poeminha citado durante o texto, é de autoria do fantástico Chico Buarque (adaptando o texto de Sérgio Bardotti). Fica o link para uma ótima versão