1 de junho de 2019

Não conhecendo o inimigo: de Napoleão aos colégios militares brasileiros

___Napoleão Bonaparte, liderando o exército francês, conseguiu subjugar a Europa continental. Porém, ao invadir a Rússia em 1812, Bonaparte demonstrou não conhecer bem seu inimigo e acabou derrotado. Teve de sair do vasto território russo com o rabo e o orgulho entre as curtas pernas. 
___Sabendo da superioridade militar dos franceses, os russos decidiram evitar os conflitos diretos. Por onde quer que as tropas napoleônicas avançassem, os russos recuavam. Não apenas recuavam, recuavam e não deixavam nada. Destruíam o local, queimavam as plantações, envenenavam a água: uma tática de terra arrasada. Eles destruíram, inclusive, Moscou, sua própria capital. 
___Enquanto Bonaparte ocupava uma Moscou destruída por mais de um mês, os russos se mantinham longe, apenas se preocupando em atacar as linhas de abastecimento. Mal abrigados em uma cidade arrasada e sem conseguir renovar seus suprimentos, inclusive nos locais conquistados, os franceses foram se enfraquecendo. E o tempo foi passando... E – let it go, let it go –, o inverno chegou. 

A retirada de Napoleão de Moscou, de Adolph Northen

___Com a chegada do inverno, as tropas napoleônicas, mal abrigadas e mal alimentadas, começaram a ser atacadas pelos russos. Bem mais acostumados aos rigores do inverno do próprio país, os russos expulsaram os franceses. Não conhecer o próprio adversário custou muito caro para Napoleão Bonaparte, que, bem enfraquecido por conta da campanha russa, acabou, pouco tempo depois, exilado na Ilha de Elba. 

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___Sempre vi com certa desconfiança as competições entre estudantes. Da mesma forma que podem servir para empolgar e estimular os alunos, elas podem acabar descambando para uma violência e um trato com o próximo bastante problemático. Entretanto, quase qualquer crítica que eu tivesse a fazer contra competições estudantis acabaram sendo vencidas pela maravilhosa Olimpíada Nacional em História do Brasil, da Unicamp. 
___Meus estudantes são convidados a participar da Olimpíada de História desde a sua primeira edição (atualmente, está acontecendo a 11ª). O evento é riquíssimo e proporciona um aprendizado ímpar, que dificilmente um professor sozinho poderia proporcionar aos seus estudantes. 
___Por conta das Olimpíadas de História, os meus alunos fizeram trabalhos de História Oral, analisaram documentos históricos obscuros, tentaram ler textos escritos à mão em outros séculos, descobriram formas diversas de montar linhas do tempo, conheceram melhor o patrimônio histórico das próprias cidades, leram textos de historiadores importantes e diversas outras atividades que permitiram que a formação deles fosse ainda melhor. Tudo é tão bem montado, com uma diversidade tão grande, que eu não poderia imaginar que alguma instituição de ensino poderia ser contra um evento tão bacana. Só que, nos obscuros dias de hoje, até isso é possível encontrar.
___Neste ano, no meio da primeira fase da Olimpíada de História, os alunos de colégios militares acabaram sendo proibidos de participar do restante da atividade. A justificativa do Sistema Colégio Militar do Brasil é que a Olimpíada “não atende à proposta pedagógica do sistema”. Em outras palavras, a tal desculpa de que os estudantes estão sendo “doutrinados” e o exército quer evitar isso com os seus indefesos e frágeis alunos. 
___Acho que seria muito mais produtivo que o Sistema Colégio Militar do Brasil confiasse nos próprios professores. Entretanto, como não parece ser o caso, creio que é recomendável permitir que os alunos participem no próximo ano, nem que seja para conhecer um pouco mais o próprio inimigo.*

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* É óbvio que não acho que as pessoas fofas que montam a Olimpíada de História são inimigos de alguém. Porém, dada a visão obtusa do exército, talvez seja bom usar esse termo.  

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