10 de junho de 2007

Estragando o filme alheio

_____A graça de ir ao cinema não está só em assistir um filme com uma antecedência maior ou ver toda a história em uma tela grande. Todo o ambiente é que faz a graça de ir ao cinema. Sim, o ambiente. Não estou falando da “graça de sair de casa”, mas de toda a montagem que prepara o filme para ser apreciado da melhor forma possível. A tela é grande – ocupa, se possível, todo o campo de visão –; as cadeiras (confortáveis, de preferência), voltadas diretamente para a tela – procurando impedir distrações em outros cantos da sala (tal qual o ambiente escuro) –; o som, alto (um aparelhamento sonoro que ainda dê a impressão de que algumas coisas estão acontecendo de um lado e não do outro, melhor ainda); não existe interrupções (os comerciais passam antes do filme); a reunião de pessoas que permite uma interação maior (quando eu falo de interação, estou falando que existe muito mais graça em uma comédia assistida por muita gente, por exemplo. O riso público contagia e faz com que as pessoas se divirtam mais com o filme. Não estou falando de algum imbecil falando durante a exibição). É a mesma coisa de se dançar “sozinho” em uma danceteria (para quem gosta desse tipo de coisa). Muita da graça de se dançar está ligada com aquele ambiente. A música é alta, o local, escuro e esfumaçado e todos estão fazendo movimentos parecidos. Se não fosse por isso, todo mundo ficava em casa, a dançar (algo que muita gente não faz por achar ridículo). O ambiente da danceteria que torna todo o dançar muito mais divertido. Mesma coisa com um motel.

_____É exatamente por saber como a experiência de se ir ao cinema pode ser tão fantástica por causa do ambiente é que as pessoas que atrapalham a sessão alheia me parecem tão desprezíveis. Excetuando raríssimas exceções, fazer barulho durante o filme é extremamente mal-educado. Deixar tocar um celular, atender o celular, conversar com a pessoa ao lado, fazer comentários altos são atitudes, no mínimo, dignas de castigo corporal. O cinema é um local público (mesmo sendo um cinema privado, antes que algum engraçadinho aproveite a deixa) e, portanto, muitos dos que estão lá querem, simplesmente, aproveitar tudo que a sala de cinema tem a oferecer. O que a SALA DE CINEMA tem a oferecer. O celular de uma pessoa está, oficialmente, fora do ambiente, não deve ser utilizado, não faz parte da sala de cinema. Não é a toa que pedem para desligar celulares no começo da sessão.

_____Comida e bebida no cinema, entretanto, não costuma ser algo que me incomoda. Eu achava até um certo exagero do pessoal do Cinemark proibindo a entrada com latas e garrafas. Sempre imaginei que o motivo fosse a segurança. “Será que a direção do Cinemark tem receio que algum louco na sala que resolva tacar uma latinha em alguém?” – pensava eu, ingenuamente. Até a última virada de sexta para sábado.

*****

_____Na última sexta-feira, eu e minha namorada fomos ao HSBC Belas Artes para o maravilhoso “Noitão”. O Noitão é um evento organizado pelo Belas Artes em que você paga um ingresso e, na madrugada da sexta para o sábado, assiste a três filmes (grosso modo, um da meia-noite às 2h, outro das 2h às 4h e o último das 4h às 6h), com direito a sorteio de brindes entre as sessões, algumas amostras-grátis variadas e um lanchinho de café da manhã para quem ficar até o fim. Chamado de os “Melhores do Noitão”, o evento desse mês comemorava os três anos de brincadeira cinéfila no Belas Artes. Além de um filme inédito e outro surpresa, nas outras salas seriam exibidos alguns dos melhores filmes que passaram nos Noitões anteriores.

_____Fui dessa vez querendo ver como primeiro filme o Casa vazia, de Kim Ki-duk, que eu já tinha visto em um Noitão anterior. O filme é lindo. Entretanto, como em outros filmes do Kim Ki-duk, o filme trabalha com os silêncios. O herói do filme, por exemplo, passa a história toda sem dizer nenhuma palavra. Um formato atípico de filme, com uma história muito bem contada. Imperdível. Fica, inclusive, como dica para se ver no dia dos namorados.

_____O problema é que no HSBC Belas Artes é permitido entrar com latas de refrigerante nas salas e, como eu disse, o Casa vazia é um filme que trabalha com silêncios. Estava, então, a sala inteira vidrada no filme, em silêncio e, em uma cena particularmente tensa (e silenciosa) do filme, alguém abre uma latinha que ressoou pela sala toda: TTTTSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS...

_____Poxa vida. Muito do clima se desfez. Até acredito que o dono da latinha não fez por mal, mas não era o momento (nem o filme) certo para se fazer barulho. É o mesmo que alguém bater na porta do quarto durante uma transa. Estraga muito o clima daquele momento. Agora eu sei o motivo para algumas salas proibirem as latas. Espero não descobrir o porquê das garrafas.

P.S.: Aproveitando que o assunto é barulho nas salas de cinema, o Cri Crítico, colunista fictício do Estadão, escreveu o seguinte no último guia de final de semana:

Deu na ‘New York’

Avaliação de cinemas

A edição de maio da revista ‘New York’ trouxe uma avaliação das salas de cinema da cidade (...). O que me chamou a atenção na reportagem, porém, foi o texto dedicado à etiqueta na sala de cinema. Concordei com quase todas as indicações. Mas acho que foram muito bonzinhos na questão de “falar durante o filme”, abrindo uma exceção para o “comentário brilhante e breve em um filme idiota”. Ok, até eu preciso me controlar para não zoar de algumas cenas estúpidas. Só que a piada precisa ser realmente genial para justificar a interferência. E acho que a maioria das pessoas não tem autocrítica suficiente para discernir isto.

Um comentário:

  1. Concordo com tudo que vc disse sobre a interferência nos cinemas, tenho até evitado salas e sossões cheias de tanto pavor que tenho disso... porém o motivo do cinemark proibir a entrada com latinhas e outras comidas e bebidas é puramente econômico, eu ouvi uma entrevista de uma cara do cinemark numa rádio, eles fazem isso para que vc compre o combo pipoca+coca deles que custa uma puuuta grana.

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