___Ir para uma exposição e ficar analisando pinturas, fotografias, esculturas e afins é uma delícia. Só que existem Análises e análises. Algumas pessoas Analisam tentando entender as ideias do autor, relembrando sua escola e as precedentes, comparando uma obra com outra, prestando atenção ao que está aparecendo mais com o que não está, ligando o título à imagem e, até, citando boas Análises que já foram feitas da obra. Outras pessoas caem na fácil análise vazia.
___Toscas, pobres e vazias são aquelas frases feitas que de nada servem, que parecem existir para que as pessoas simplesmente tenham algo a dizer – tal qual uma conversa de elevador. Não se analisa, não se presta real atenção na obra, apenas se vomita uma ideia geral que, teoricamente, pode servir para tudo.
___Só para citar alguns clássicos dessa anti-análise, é possível lembrar “Vê a sensação de tristeza que o quadro passa?”, “Nossa! Que riqueza de detalhes...” e “Meu, olha esse olhar!”.
___Não estou dizendo que, por exemplo, um quadro não possa expressar tristeza, alegria ou vontade de ser jogado na parede e chamado de lagartixa. Pode, claro. Mas, citar a todo o momento as sensações que os quadros passam, faz da análise algo tão pessoal e subjetivo que qualquer reflexão sobre a obra acaba degringolando naquela imbecilidade de que cada um tem a sua opinião e pode ver a obra como quer.
___Cada um só pode ver a obra como quer, se quiser ser bobo. Ou alguém aqui vai me dizer que eu posso encarar Romeu e Julieta como um livro a favor da Bomba Atômica? Ou as fotografias de Sebastião Salgado como uma defesa ao cinema da Antiguidade Oriental? Quem diz que cada um vê o que quer em uma obra, está acabando com o diálogo, está inviabilizando qualquer ideia de análise.
___Falar da “Riqueza de detalhes” de uma obra é quase tão tosco quanto. Digam-me, é necessário ter quantos detalhes para uma escultura ser rica? 10? 20? Abaixo de 10 “detalhes” é uma escultura pobre? E um quadro? Acima de Brueghel tem detalhes demais? Abaixo de Mark Rothko é pobre? Ou o expressionista abstrato é a personificação da “Pobreza de detalhes”? As pessoas que falam barbaridades como “Riqueza de detalhes” nunca pensam que, talvez, Rothko (e Brueghel) trabalhasse com outras formas de detalhes?
___Agora, atenção. Eu não disse que falar de olhares, expressões, sensações e afins é algo inválido. Só disse que é bom ficar atento para não usar esses elementos de maneira desmedida e irracional. El tres de mayo de 1808 en Madrid, de Goya, por exemplo, é um quadro em que apontar o olhar a e expressão do pobre infeliz de camisa branca é algo extremamente válido.
___Se quiserem outro exemplo, um não tão clássico, está em cartaz, aqui em Sampa, a mostra Maureen Bisilliat: fotografias, gratuitamente, na Galeria de Arte do Sesi (Av. Paulista, 1313). Tenho a ligeira impressão de que as expressões das primeiras fotografias da exposição não são mero acaso. De onde tirei isso? Provavelmente da repetição do mesmo tipo de expressão em mais de um quadro. Os leitores que forem à exposição e quiserem discordar, estou aberto para o debate. Só, por favor, venham com análises minimamente sérias.
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P.S.: Aproveito para agradecer ao pessoal da Fiesp, principalmente ao Tiago Cordeiro, que tão gentilmente tem de convidado para peças e exposições da instituição.
Ae professor que quadro que vc viu que te deu 'vontade de ser jogado na parede e ser chamado de lagartixa'? ;D
ResponderExcluirÓtima discussão, Ulisses.
ResponderExcluirPrimeiramente, a-do-rei a imagem de abertura do post, narrando a história da arte ocidental. Salvei.
A questão dos detalhes é uma faca de dois gumes. Muitas pessoas preferem pinturas figurativas a pinturas não-figurativas, e pinturas figurativas anteriores ao pós-impressionismo, porque as consideram fáceis de ser compreendidas, como se se dessem a ver de uma maneira que tornasse prescindível a interpretação. O problema é que essas pinturas, com frequência ricas em detalhes, são, como todo artefato, codificadas. Em alguns quadros europeus dos séculos 16, 17 e 18, o espectador pode ver, por exemplo, representações de jarras ou vasos, facilmente identificáveis, mas não saber que, nessas telas, tal detalhe pode significar o útero ou, se a jarra ou o vaso estiver quebrado, a perda da virgindade. (Não, eu não retirei essa informação de "O código da Vinci".)
Um bom exemplo de uma pintura escassa em detalhes é o afresco "A anuciação" (1440-1441) [http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fra_Angelico_049.jpg], de Fra Angelico, no Convento de São Marcos, em Florença: há apenas São Pedro, que observa a cena, um anjo e Maria, em uma corredor abobadado. Muitos críticos e historiadores da arte consideraram essa pintura uma obra menor do artista, por causa de seu desequilíbrio, causado pelo espaço vazio entre o anjo e Maria. Em um texto dedicado a essa pintura, Georges Didi-Huberman faz uma interpretação fascinante: o espaço vazio iluminado não é uma falha de execução, tem um significado: representa o Espírito Santo.
Abraços, Ulisses!
Muito boa a tabelinha que abre abre o post. Debates sobre arte parecem verdadeiros discos em looping, uma discussão eterna. Mas não é daí que vem a graça? Concordo com a abolição, ou melhor, a ponderação do uso de impressões subjetivas na análise de uma obra, como se sua única serventia fosse ser vista, e não como todo um conjunto de fatores que levam o artista em questão a expressar-se daquela maneira.
ResponderExcluirE assim que puder vou dar uma checada na exposição de fotografias. Obrigada pela recomendação.