1 de outubro de 2010

O Auto da Barca da Censura

Entra o artista e, chegando ao Barco da Censura, diz:


Auto-retrato matando George Bush


ARTISTA: Esta barca, para onde vai?
CENSURADOR: Talvez ninguém saiba, é um mistério misto,
pois o que entra aqui nunca mais é visto.
ARTISTA: Então, por qual motivo algo aí há de entrar?
CENSURADOR: Entra porque alternativa não tem.
Nos anos 60 e 70, no Brasil, obras mil, nesta barca,
foram levadas para o além.
ARTISTA: Cruzes! Ficarei distante, então.
Meus quadros neste vazio não entrarão.
CENSURADOR: Difícil vai ser escapar. Meu barco –,
com seus “Os”, principalmente “As” e seus “Bs” –,
não costuma ter suas empreitadas jogadas ao charco.
ARTISTA: Não entrarei
e, quanto mais você gritar,
mais atenção receberei.
CENSURADOR: Ó Inferno! Entra cá!
ARTISTA: Ò Inferno?... Era má...
Hiu! Hiu! Barca do cornudo.
Pêro Vinagre, beiçudo,
rachador d'Alverca, huhá!
Sapateiro da Candosa!
Antrecosto de carrapato!
Hiu! Hiu! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Tua mulher é tinhosa
e há-de parir um sapo
chantado no guardanapo!
Neto de cagarrinhosa!


Furta cebolas! Hiu! Hiu!
Excomungado nas erguejas!
Burrela, cornudo sejas!
Toma o pão que te caiu!
A mulher que te fugiu
per'a Ilha da Madeira!
Cornudo atá mangueira,
toma o pão que te caiu!


Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha!
Dê-dê! Pica nàquela!
Hump! Hump! Caga na vela!
Hio, cabeça de grulha!
Perna de cigarra velha,
caganita de coelha,
pelourinho da Pampulha!
Mija n'agulha, mija n'agulha!


Vade Reto, censurador!
Inimigos seremos se minha arte eu não puder expor.

O artista se afasta da Barca da Censura e corre para o outro lado do palco, próximo à Barca da Salvação Exposição:

Auto-retrato matando Ariel Sharon


ARTISTA: Hou da barca, podes aí minha arte receber?
CURADOR: Demoro dous anos para aparecer,
mas, quando aqui estou,
tenho prazer em obras diversas acolher.
ARTISTA: Mesmo quadros como os meus,
que, dizem por aí,
violência incita,
tal qual o fogo de Prometeus?
CURADOR: A arte serve para que o público reflita;
violência, a própria realidade incita.
Se a Tradição, a Família e a Propriedade ou
o Zé Colméia quer tirar sua liberdade,
quem nesta barca está, vai defender sua dignidade.
ARTISTA: Ouvi dizer que a instituição do da censura
já defendeu a liberdade também.
Triste encontrar agora esse canhestro moralismo,
tratando criações com desdém.
Bem Farias saber que tenho em outra barca
Anjos que concordam com minha marca.
CURADOR: Não preciso concordar com uma palavra do que dizes,
para defender até a morte o teu direito de dizê-las.
Entra logo nesta barca para que mines
qualquer tentativa de escondê-las.


E, assim, o artista embarca.

Auto-retrato matando Bento XVI

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