25 de dezembro de 2010

Sebastianismo: à espera de um milagre

___Portugal foi uma das maiores potências européias nos séculos XV e  XVI. Rico, dominador dos mares, dono de terras na América, entrepostos comerciais na Ásia. Não se questionava a força do Império Lusitano. Por conta dos revezes da Fortuna, a dinastia de Avis, quando acabou, levou todos aqueles tempos gloriosos consigo.

Retrato de Dom Sebastião, o Encoberto

___Aconteceu o seguinte: o jovem rei Dom Sebastião I, o Desejado, antes de se casar, foi à África, batalhar contra os muçulmanos. Infelizmente (para ele e para os lusitanos), na Batalha de Alcácer-Quibir (ou Batalha dos Três Reis), as tropas portuguesas apanharam mais do que massa de pão. A sova foi tão grande que o rei morreu em batalha. Vale citar, morreu sem deixar herdeiros.

Batalha de Alcácer-Quibir ou Batalha dos Três Reis

___Quem assumiu o trono, no mesmo ano de 1578, foi o Cardeal Dom Henrique, tio-avô do morto. Henrique I, já velho, morreu dois anos depois, levando Portugal a uma grave crise de sucessão. Tanto que quem acabou por ficar com o trono português, no fim das contas, foi Felipe II, rei da Espanha – dando início à conhecida União Ibérica (1580-1640). Isso rendeu, inclusive, uma divertida quadra popular que diz



“Que o cardeal-rei Dom Henrique
fique no Inferno muitos anos,
por ter deixado em testamento
Portugal, aos castelhanos.”.


___Depois de ter passado pelas mãos da Espanha, Portugal nunca mais voltou à sua glória anterior. Não foi à toa que por lá cresceu o sebastianismo.
___A sova que os portugueses tomaram na Batalha dos Três Reis foi tão grande que, como eu já disse, o próprio rei, por lá, foi morto. Mais do que isso, a zona era tanta que não tiveram mais certeza do corpo do rei após o conflito. Isso tudo, mais a pindura em que Portugal caiu após a morte de Dom Sebastião, fez com que surgisse o sebastianismo, a crença de que o rei não estava morto, mas, sim, apenas desaparecido. Mais do que isso, a fé de que, um dia, Dom Sebastião voltaria e, quando isso acontecesse, Portugal voltaria à sua maravilhosa época de bonança.

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___Ensinar isso em sala de aula é uma diversão ilimitada. Existem mil lendas para se contar, histórias de batalhas, conflitos políticos. É um assunto que atrai atenção com facilidade.
___Nos últimos anos, tenho conseguido uma diversão extra com o tema, exatamente quando vou falar sobre a existência do sebastianismo. A brincadeira funciona mais ou menos assim:
___Explico o que é sebastianismo, leio poemas sobre o assunto. Falo sobre o crescimento da crença. Relato os casos de pessoas que diziam ter visto o Desejado, sobre os corpos que afirmavam ser de Dom Sebastião e dos caras que se diziam o próprio rei. Nisso alguns alunos já riem ou fazem pequenos comentários sobre pessoas que acreditam em qualquer coisa.
___Vou em um crescente. Falo que décadas se passaram e que a crença se mantinha. Os alunos riem. Conto que, mesmo depois da época em que não seria mais viável que Dom Sebastião estivesse vivo, ainda existiam muitos a propagar a crença de que o rei voltaria. Nisso já começo a ouvir, em meio a risadas, comentários do tipo “Isso tinha que ser coisa de português.”, “Só português mesmo para acreditar, depois de tanto tempo, que o rei morto pode voltar.”.
___Mudo de continente. Começo a contar que, mesmo com Dom Sebastião tendo “desaparecido” em 1578, aqui no Brasil, durante o século XIX, mais de um movimento messiânico-sebastianista surgiu. Como um pregador empolgado, falo mexendo as mãos para chamar o máximo de atenção, “Imaginem a bizarrice das pessoas seguindo um doido que fala que um rei, que morreu, que ‘desapareceu’ no século XVI, lá no norte da África, vai reaparecer, aqui no Brasil, no século XIX! O que essa gente fumava?”. Os alunos gargalham, a classe vai ao delírio.
___Aproveitando esse apogeu da animação dos alunos com o assunto, paro, sento na mesa, faço uma cara sarcástica e, elevando um pouco o tom de voz, digo: “Imaginem, então, que tem gente que acredita que um cara que morreu crucificado pode, três dias depois, ressuscitar. Mais do que isso imaginem que essa crucificação aconteceu no século I da Era Cristã e, hoje, em pleno século XXI, tem gente que ainda acredita em um disparate desses.”. As risadas vão desaparecendo. Alguns alunos ficam de olhos arregalados, outros sorriem e alguns olham com rancor. Na classe reina um silêncio sepulcral.

Jesus Cristo crucificado

___Aproveitando a quietude, baixo o tom de voz, “Vocês acreditam que existem pessoas que creem que um cara conhecido como Jesus Cristo morreu crucificado e, mesmo assim, conseguiu ressuscitar três dias depois? Acreditam que esse tal Jesus Cristo morreu no século I da Era Cristã e, hoje, em pleno século XXI, existem pessoas que acreditam que ele voltará? É verdade, gente! O nome dessa crença é Cristianismo.”.
___Sem um só ruído na sala além da minha voz, concluo:
___– Contem para mim, queridos: vocês ainda acham o Sebastianismo, a crença de que um rei que morreu no século XVI vai retornar para salvar Portugal, tão absurdo assim? Vocês nunca pensaram que absurdo pode ser o que vocês e os seus conhecidos acreditam?
___Ser professor é fantástico, não?

15 comentários:

  1. Hahahahaha, um dos seus melhores textos, sem dúvida
    Tenho que admitir que não parei de soltar risos desde que comecei a ler e isto foi crescendo com o decorrer do texto.

    E, com certeza, um ótimo texto publicado em uma ótima época.

    P.S.: JC é de Julio Cesar (aluno seu aliás), e não do JC das crenças.

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  2. Me lembrei do Monstro do Spaghetti voador que criaram para zombar do fato do criacionismo ser ensinado na escola.

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  3. Fez lembrar Mário Quintana...

    Dos Milagres
    O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
    Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
    Nem mudar água pura em vinho tinto...
    Milagre é acreditarem nisso tudo!

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  4. É. Ser professor é fantástico mesmo!
    Abraços
    (ai que saudade das minhas aulas de história no colégio, as únicas em que eu prestava a atenção...)

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  5. [...] This post was mentioned on Twitter by O Pensador Selvagem, Diângeli Soares. Diângeli Soares said: Sebastianismo: à espera de um milagre – Incautos do Ontem http://ow.ly/1rYKH9 [...]

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  6. Me convida qdo vc for dar essa aula?

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  7. :-)

    Qdo quiser assistir alguma minha, Di, é só falar.

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  8. Hahahaha, demais Ulisses, parabéns por abrir a cabeça dos alunos, nada vale tanto a pena!

    Abraços!

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  9. a terra é plana, o àtomo é indivizível, não a vida fora da terra, toma banho depois de almosçar fais mau, manga com leite mata, passa limão em ferroada de abelha melhora... e agora esse tao de JC.
    Isso tudo é ignorânsia do povo! Maudita ingnorânsia que alimenta tantas besteiras!
    Imaginam o esforço dos cientista matemáticos biólogos e físicos pra ilumina a cabeça desa gente!

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  10. Perfeito! Milagre mesmo não é a ressureição, isso é historinha, milhagre é acreditarem. Nunca pensei dessa forma, agora acredito em milagres, ou na estupidez/ignorancia humana.

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  11. Muito bom!Parabéns precisamos é de mais professores assim.

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