___Uma aluna estudiosa e participativa, atenta e responsável, carinhosa e educada me mandou um e-mail, agora, em meio à greve da escola em que ela estuda. Reproduzo-o abaixo e, logo em seguida, colo a minha resposta.
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Olá professor.
Sou a C. do 3º Ômega. Eu estou escrevendo para falar uma coisa sobre a greve.
Começo agradecendo ao senhor por tudo o q vc me ensinou. Adoro as suas aulas e aprendi muito com vc desde o 1º ano. Vc é um dos melhores professores q eu já tive, sem dúvida o melhor de História (com h maiúsculo kkkk). Foi por sua causa q eu me tornei feminista, q eu aprendi a lutar pelo q eu acho certo. Por sua causa li mais livros nos últimos 3 anos do q em toda a minha vida. Vou sempre lembrar de vc com todo carinho do mundo.
Acho q os professores são realmente mal remunerados. Vcs trabalham em condições péssimas e ganham muito pouco. Mesmo assim alguns professores como o senhor dão ótimas aulas. Acho q a greve de vcs é muito justificada e torço muito para q vcs consigam até mais do q querem. Acho q não deveriam ser só vcs, acho que toda a sociedade deveria lutar por isso.
Só q agora eu estou no 3º ano. Tenho vestibular neste ano e quero muito passar. Estou estudando muito desde o ano passado para conseguir entrar na USP. Queria estar apoiando vcs, indo para as manifestações, mas não dá. Estou aproveitando o tempo sem aulas e estou em casa estudando (tb estou faltando as aulas dos professores pelegos). Tenho q estudar muito. Não posso lutar agora. Queria me desculpar.
Professor, eu estou errada? Estou sendo uma pessoa ruim? Agindo assim eu estou decepcionando vc?
Sei q parece um e-mail bobo e sentimental. Responda por favor. Quero muito ouvir a sua opinião.
Obrigada por tudo. Espero q quando acabar a greve vc continue sendo um professor atencioso comigo.
Beijos.
C..
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Oi, C..
___Como está?
___Para começar, obrigado pelos elogios. É sempre muito bom ouvir esse tipo de coisa.
___Agora vamos às suas perguntas.
___Em primeiro lugar, é claro que você não está me decepcionando. Como professor eu quero fazer com que meus alunos sejam pessoas livres, que pensem e tomem decisões por eles mesmos. Quero que usem os conhecimentos históricos que adquiriram comigo para escolher os caminhos que irão seguir. Se você refletiu, pesou todos os pontos e decidiu que, mesmo achando a greve correta, não poderia participar de uma manifestação, respeito a sua escolha. Quem deve decidir o rumo que a sua vida deve tomar, quais as suas atitudes é você. E você decidiu.
(Mais do que isso, nem tinha como eu estar decepcionado. Como você mesma disse, você está boicotando as aulas dos professores que estão furando a greve. Acho a atitude admirável e corajosa, não decepcionante.)
___Não é errado não participar de algum movimento que você concorde, não lutar por algo que você acha importante. O motivo simples: não dá para lutar por tudo. Tive uma professora na faculdade chamada Zilda Márcia Grícoli Iokoi. Além de dar ótimas aulas, a Zilda era uma pessoa engajada em inúmeras causas. Certa vez, em meio a um debate, perguntaram para ela:
___– Por que a senhora não está lutando por tal outra coisa?
___Ela fez uma cara triste, suspirou e disse que gostaria de lutar por aquilo também, que achava a causa justa, mas não tinha como, naquele momento, dedicar-se a mais aquela luta, que ela não tinha tempo. O ponto, C., é exatamente esse: não existe tempo hábil para se lutar por tudo o que você acha certo.
___Se agora você não pode lutar porque está se dedicando ao vestibular, eu entendo perfeitamente. Torço para que consiga passar e, como sempre, pode vir tirar dúvidas ou pedir indicações de livros sempre que precisar. Só um porém: cuidado para não deixar todas as lutas que você acha importantes para depois.
___“Acho lindo adotar animais de abrigos. Mas, agora não posso porque o meu emprego ocupa muito do meu tempo.”; “No meu próximo apartamento eu vou conhecer melhor os porteiros.”; “Quero muito acompanhar o político que eu elegi, só que não dá porque tenho de cuidar do meu filho. Depois que ele crescer eu faço isso.”; “Assim que eu terminar o meu doutorado, juro que vou fazer trabalho voluntário.”; “Quando eu comprar a minha casa, pode apostar que vou ajudar os moradores de rua da região.”; “Ano que vem eu vou libertar a princesa Peach das garras do Bowser.”.
___Não importa qual seja a luta que você acha importante, C., ruim vai ser se você nunca conseguir se dedicar a ela de nenhuma maneira. Alguns momentos da sua vida podem impedir você de fazer determinadas coisas e isso é completamente compreensível. Só cuidado para não deixar sempre para segundo plano aquilo que você acha que merece atenção.
___Espero ter ajudado um pouco.
Beijos.
Ulisses.
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P.S.: Como extra, deixo um vídeo do Rafucko sobre um viciado em protestos.
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