4 de agosto de 2014

Ciência Apolítica

___Em um colégio paulista, professores de História, Sociologia e Geografia discutem, na sala dos professores, sobre a Questão Palestina e suas atuais repercussões. Em meio a um momento mais acalorado da conversa, a professora de Química passa por perto e fala com certo ar de superioridade: “Ainda bem que a minha disciplina não é ensinada segundo as tendências políticas da professora.”. O grupo de professores que debate faz que não ouve e continua a discutir. 
___Algum tempo depois, naquele mesmo dia, este professor de História que vos escreve passa, por acaso, à frente de uma sala em que aquela professora de Química estava dando aula. Como a porta estava aberta (e eu sou um futriqueiro), parei para assistir um pouco da aula. 
___– ... e assim se forma a chuva ácida. –, concluiu a professora. 
___Após alguns segundos de silêncio, a química voltou a falar:
___– Aproveitando que eu estou falando de chuva, acho importante dizer que a falta de água que está assolando São Paulo é culpa da falta de chuvas. Tem gente que culpa o governo, mas o que é que o governo poderia fazer para resolver o problema da falta de chuvas?
___Uma aluna no meio da sala toma a palavra e responde:
___– O governo não poderia fazer obras para melhorar a captação de água e ter consertado vazamentos, professora? Ou quando chove demais e dá enchente a culpa também é da chuva e não do governo que não fez as obras de prevenção necessárias?
___– Não – responde a professora alguns tons mais fortes –, minha querida, são casos completamente diferent...
___Nesse momento, a química “apolítica” percebe que estou à porta e engole o resto da fala. Eu apenas sorrio e sigo meu caminho assoviando a “Internacional”, pronto para doutrinar mais pobres estudantes com a minha Ciência Política. 

4 comentários:

  1. Caro Mauricio:
    Meu comentário não está diretamente ligado a este post. Cheguei até aqui graças (mais uma vez - sempre descubro coisas incríveis nele) ao blog da Lola.
    Há uma quantidade incrível de coisas que eu gostaria de dizer a você agora, após a leitura de alguns posts seus, rapidamente, roubando minutos do meu trabalho, mas acho que só uma palavra consegue dar uma ideia do que eu sinto: obrigado!
    Quantos posts carregados de lucidez, de clareza, de empatia, humor fino e boa ironia, tolerância e vontade de alcançar o outro, solidariamente.
    Foi como um sopro de ar fresco no meio dos vapores biliosos que pululam na internet, com comentários agressivos e cheios de brutalidade verbal.
    Fiquei feliz, também, em saber que você é professor de História - uma das minhas matérias preferidas na vida inteira. E que não perdeu o gosto pelo magistério, mesmo com todas as dificuldades que vemos na área hoje, principalmente o desrespeito.
    Ano que vem espero concluir minha graduação (em língua inglesa) e pretendo voltar a dar aulas - lecionei durante 10 anos antes de abraçar o mundo corporativo, que acabou me dando a chance de voltar. depois dos 40, a estudar o que quero.
    Caso consiga, espero poder trocar ideias com você. Penso que aulas não são só sobre as matérias que lecionamos, mas sobre a vida. Uma aula de inglês não é só sobre a língua inglesa, mas sobre toda a (olha ela aí) história da língua, sua formação e influência; da mesma forma, uma aula de História não é só História - e só isso já seria um universo, rs), mas sobre nossa compreensão de mundo e de como ela é influenciada ao longo do tempo.
    Enfim, não quero me estender, mas obrigado por esse espaço e por partilhar suas ideias.
    Virei mais vezes, com calma.

    Um grande abraço,
    Flávio

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    1. Puxa, Flávio, muito obrigado. É sempre bom "ouvir" esse tipo de comentário. Valeu mesmo. Abraços.

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  2. Caro, Ulisses. Como forma de incentivá-lo a postar mais coisas na internet, eu vou lhe pagar 30 mil dólares para cada nova postagem nesse blog e 120 mil dólares para cada vídeo novo no Youtube. Mas você não verá a cor do dinheiro. Irá tudo para instituições de caridade. Pode confiar. Sou um anônimo confiável. hihi

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    1. Obrigado, Anônimo.

      Mas, só para dizer, acho q texto dá muito mais trabalho q vídeo. :-)

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