24 de setembro de 2019

A leitura de Matadouro 5 e o massacre vietnamita

___Vivo experimentando livros diferentes em minhas aulas de História. Alguns funcionam e fazem sucesso com os alunos, outros me fazem questionar a capacidade de convencimento da minha lábia – tanto quanto a moça da padaria que nunca me deu bola. Matadouro cinco, de Kurt Vonnegut, está na categoria de grande sucesso. Adotei o livro e a maioria dos alunos se interessou sem que eu precisasse fazer o menor esforço. 
___Aproveitando que, neste ano de 2019, completam 50 anos da primeira edição da obra, vou compartilhar uma atividade que passei para os estudantes. 

###

___“As pessoas que conheci com o passar dos anos frequentemente me perguntavam com o que eu estava trabalhando, e eu normalmente respondia que o principal era um livro sobre [o massacre de] Dresden.
___Um dia disse isso a Harrison Starr, o cineasta. Ele ergueu as sobrancelhas e perguntou:
___– É um livro de guerra?
___– É – respondi – Acho que sim.
___– Sabe o que digo às pessoas quando fico sabendo que elas estão escrevendo livros antiguerra?
___– Não. O que é que você diz, Harrison Starr?
___– Eu pergunto: ‘Por que você não escreve um livro antigeleiras?’.
___É claro que o que ele quis dizer foi que sempre haveria guerras, e que elas eram tão passíveis de serem evitadas como as geleiras. Eu também acredito nisso.” (Kurt Vonnegut,
Matadouro cinco).
a) O livro
Matadouro cinco pode ser classificado como um livro antiguerra/pacifista? Justifique sua resposta citando um trecho da obra – diferente do citado acima.
b) Dê sua opinião sobre a utilidade (ou não) de se tentar evitar guerras com livros. Um livro assim pode mesmo ser útil? Justifique sua resposta.
c) Explique como o livro
Matadouro cinco pode ser utilizado como documento histórico para se entender os Estados Unidos na época da Guerra do Vietnã (1955-75).  

###

___As questões “a” e “b” foram respondidas com certa facilidade. O interessante mesmo foi ver a dificuldade que alguns estudantes tiveram ao responder a “c”. 
___Um número considerável de alunos respondeu que o livro de Kurt Vonnegut não estava ligado à Guerra do Vietnã, que ele falava da II Guerra Mundial, achando que eu havia apenas feito uma pegadinha, para ver quem havia lido. Outros, ignoraram tão solenemente o Vietnã que provavelmente entristeceriam Lyndon Johnson. Responderam direto sobre a ligação do livro com a II Guerra e só. 
___Para minha felicidade, alguns estudantes perceberam a dica da introdução, lembraram das minhas aulas sobre os protestos contra a Guerra do Vietnã, demonstraram terem lido a biografia de Vonnegut, retomaram nossas conversas sobre os filmes Rambo e Forrest Gump... e conseguiram associar o estranho modo como Matadouro cinco fala sobre a II Guerra Mundial com a época em que o livro havia sido escrito (o auge do movimento pacifista norte-americano). É sempre gostoso ver estudantes conseguindo enxergar além do óbvio. Mais gostoso ainda foi ajudar aqueles que não haviam visto nada além da narrativa básica da obra. 

#####

P.S.: Harrison Starr talvez achasse bem interessante o que algumas pessoas hoje falam sobre geleiras. 
P.P.S.: Apenas a título de curiosidade, aproveito para citar mais alguns livros que fizeram um bom sucesso com os estudantes: K. – relato de uma busca, de Bernardo Kucinski; A autobiografia do poeta-escravo, de Juan Francisco Manzano (na ótima edição feita pelo Alex Castro); Outrofobia, do próprio Alex Castro; Apologia a Sócrates, de Platão; Epopeia de Gilgámesh. Neste ano, para minha surpresa, parece estar funcionando muito bem a leitura dO Príncipe, de Nicolau Maquiavel. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário