Incautos do Ontem
31 de outubro de 2025
O bem combate o mal
30 de setembro de 2025
Uma resposta serena a um pai indignado
Uma amiga minha certa vez me acusou de ser uma pessoa calma. Não posso aceitar calado uma acusação desse tipo e me sinto obrigado a postar uma mensagem que tive de enviar para um pai de aluno e para a ouvidoria do meu trabalho em meio às aulas online da pandemia.
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Caríssimas pessoas interessadas,
Como professor,
ensino meus estudantes que é importante saber pensar de diversas formas, ensino
que criticar pontos dos quais eles discordam é salutar. Por isso mesmo, não
fico incomodado ao receber da direção uma reclamação enviada por um pai de
aluno à ouvidoria de ensino. Tendo em vista que só tive acesso à “síntese da
manifestação”, ao resumo das reclamações feitas pelo pai do estudante, já me
desculpo se eu acabar por responder pontos que não foram levantados.
A reclamação foi feita por conta da videoaula intitulada “Leitura
(principalmente) do Canto V da Ilíada” (https://youtu.be/FgOHG4yLtKc),
na qual, como uma atividade introdutória aos trabalhos feitos sobre o Período
Homérico, li alguns trechos da Ilíada, refleti e fiz algumas
pequenas análises. Tal atividade introdutória é de suma importância como
exemplo para as atividades seguintes em que os estudantes tiveram de ler,
sozinhos, trechos selecionados da Ilíada e da Odisseia.
Além disso, o tom jocoso da videoaula normalmente apresenta resultados
positivos no objetivo de evitar certos receios que os alunos podem ter quando
se deparam com uma obra clássica. Por fim, diversos trechos da aula podem ser
justificados facilmente com uma breve olhada nas competências, habilidades e
valores expressos no Plano de Trabalho Docente.
A primeira
reclamação que aparece na “Síntese da manifestação” é sobre o final do Canto I
da Ilíada. Para introduzir o assunto, coloquei o texto entre os
versos 555 e 569 na tela. Com o objetivo de facilitar a compreensão dos
estudantes, utilizei a tradução em prosa de Fernando C. de Araújo Gomes
(HOMERO, Ilíada. Rio de Janeiro: Ediouro/São Paulo: Publifolha,
1998.). Segue o trecho da Ilíada:
– Sabes que receio terrivelmente em meu coração que Tétis, a de pés argênteos, filha do velho mar, tenha te iludido, pois hoje bem cedo ela se sentou ao teu lado e apertou teus joelhos. Creio que lhe fizeste a promessa solene, por um aceno, de honrar Aquiles e destruir muitos homens ao lado dos navios dos aqueus.
Zeus, o ajuntador de nuvens, respondeu-lhe, então, dizendo:
– Louca, és sempre desconfiada, nem eu escapo de ti. Nada poderás, no entanto, fazer: estarás ainda mais longe do meu coração e será pior para ti. Se é como dizes, é que assim quero. Senta-te em silêncio e obedece à minha ordem; os deuses que moram no Olimpo não poderão valer-te, se eu me aproximar para lançar sobre ti minhas mãos invencíveis.
Assim falou ele, e a rainha Hera, dos olhos bovinos, teve medo. Sentou-se em silêncio, dominando o coração.
Depois de ler e mostrar esse
trecho, eu apareço novamente na tela dizendo “Isso mesmo, Zeus vira para sua
esposa e diz: ‘Cala a boca, mulher, ou eu vou encher a sua cara de porrada!’” e
faço, então, cara de desagrado e abro as mãos.
A “Síntese da manifestação”
simplesmente cita essa parte da minha interpretação. Literalmente, aparece um
item escrito “cala a boca mulher vou encher sua cara de porrada”. Se a
reclamação do pai do aluno é porque ele acha inaceitável que se agrida uma mulher,
eu concordo com ele. É inaceitável mesmo. Porém, qualquer pessoa que assistir à
videoaula com atenção vai perceber que eu estou parafraseando o que diz o texto
de Homero, tanto que o início da minha fala após citar a Ilíada é,
literalmente, “Isso mesmo, Zeus vira para sua esposa e diz: ‘Cala a boca,
mulher, ou eu vou encher a sua cara de porrada!’”. Se o pai do estudante não
percebeu que eu estava explicando o que dizia o texto, recomendo que ele veja a
videoaula com mais atenção. E torço para que o filho dele tenha assistido a
aula com mais atenção que o pai.
Agora, se a reclamação é porque
ele acha que, na Ilíada, Zeus não disse “Cala a boca, mulher, ou eu
vou encher a sua cara de porrada!”, recomendo que ele leia, novamente, o trecho
entre os versos 555 e 569. Caso, depois de reler, o pai do aluno ainda não
tenha percebido que esse é exatamente o conteúdo da fala de Zeus, recomendo que
ele encaminhe uma reclamação a quem o alfabetizou, pois ele tem sérias
dificuldades de interpretação de texto.
A segunda reclamação aparece da
seguinte forma na “Síntese da manifestação”: “nossa sociedade escrota aprendeu
tanto com os gregos”, citando o momento seguinte da aula, em que eu leio outro
trecho da Ilíada (os três últimos versos do Canto I),
mostrando que, depois de ameaçada por Zeus, Hera vai dormir com o seu marido. Como
em nossa sociedade mulheres continuam com seus maridos, mesmo em
relacionamentos violentos e abusivos – tal qual na dos gregos –, eu comento
“Clássico, né? Nossa sociedade escrota aprendeu tanto com os gregos...”.
A primeira frase “Clássico, né?”
refere-se ao assunto da aula anterior, sobre o conceito de “clássico” (https://youtu.be/phyELx5hzfk?si=OtSKcFHI-oGsCzd6).
E, tendo em vista que nossa sociedade toma uma atitude parecida com a dos
helenos, achei uma boa forma de – subliminarmente – retomar o assunto.
A frase seguinte, o conteúdo da
reclamação, “Nossa sociedade escrota aprendeu tanto com os gregos...”, conta
com uma palavra considerada de baixo calão. Se é por causa disso que o pai do
aluno está reclamando, aí, porra, eu tenho que me desculpar. Não quis ofender
ninguém falando um palavrão.
A reclamação seguinte é sobre o
momento que eu utilizo um trecho de uma entrevista dada pela ex-Secretária da
Cultura Regina Duarte. O objetivo do trecho era explicar o conceito de anacronismo e
dizer o quanto é importante não cair nesse erro ao analisar um documento
histórico. Como, pelo visto, minha explicação não foi clara o bastante para o
pai do aluno, recomendo esse vídeo aqui que fala do tema de maneira bem mais
detalhada: https://www.youtube.com/watch?v=WjUOCaY4GLI.
Agora, se a reclamação feita pelo
pai é porque ele considerou a citação esquerdista e, portanto, que eu ofendi o
grupo político dele, recomendo que ele veja outros conteúdos disponibilizados
para os estudantes. Por exemplo, foi indicado para os alunos o podcast Café
Brasil, que conta com uma ideologia abertamente à direita. Meu objetivo é
permitir que os estudantes contem com uma grande gama de ideias para formar o
próprio senso crítico. De qualquer modo, a utilização do trecho da entrevista
pode ser respaldada por historiadores de renome como Howard Zinn em seu
livro Você não pode ser neutro num trem em movimento (Curitiba:
L-Dopa, 2005.).
A última reclamação está ligada à
leitura de um trecho entre os versos 289 e 295, do Canto V da Ilíada.
Nela, Diomedes joga sua lança em Pândaro. Com detalhes, Homero explica como a
lança atingiu “o nariz do outro, junto dos olhos, e passou através dos dentes
brilhantes. O duro bronze cortou a língua em sua raiz e a ponta apareceu sobre
a mandíbula.”. Uma cena sangrenta e horrível. Então, eu comento ironicamente:
“Dá para aparecer na programação infantil, né?”. Trata-se de um comentário
jocoso e, principalmente, irônico. Caso o pai do estudante não saiba o que é
ironia, informo que se trata de uma figura de linguagem utilizada para dizer o
contrário do que se está afirmando diretamente. Se ele não percebeu que minha
fala é uma ironia, recomendo, novamente, que ele encaminhe uma reclamação a
quem o alfabetizou, pois sua dificuldade em interpretar textos é realmente
vergonhosa.
Espero ter respondido todos os
pontos.
Atenciosamente.
M. Ulisses Trida.
31 de agosto de 2025
Padre existe é para...
A mais
famosa obra de João Cabral de Melo Neto é o livro Morte e Vida Severina.
Conhecê-la é uma experiência maravilhosa, mas não é nenhum desafio. O poema é
de fácil e gostosa leitura. Já foi recitado em inúmeras peças, já virou filme,
animação, récita em vagão de metrô. Recentemente, tive o privilégio de conhecer
outra obra de João Cabral que gostei tanto quanto: o Auto do Frade.
A obra toda
é linda, mas foi um trechinho que me ganhou. Em meio às explicações do porquê
da condenação do frade, um oficial diz que
“Padre existe é para rezar
pela alma, mas não contra a fome.”
O trecho já
era forte quando foi escrito, em 1984, e continua forte agora, no século XXI. Vivemos
em um momento histórico em que muitos cristãos criticavam um pontífice como o Papa
Francisco e criticam um padre, como o Júlio Lancellotti, exatamente por rezar
contra a fome.
É triste. Ainda bem que um pouco
de arte ajuda a vencer um pouco da tristeza e talvez até abrir alguns olhos. Se
bem que não é difícil encontrar alguém que vá dizer: “Literatura existe é para...”.
31 de julho de 2025
Marcas de quem leu
Eu adoro ler, mas não sou lá a pessoa que tem mais cuidado com livros físicos. Pra mim, livro é para ser lido, não é para ser um objeto intocável como a Mona Lisa no Louvre ou o action figure da princesa Leia, de 1988, ainda na caixa, que meu vizinho do quinto andar deixa dentro de uma redoma de vidro. Meus livros são grifados, com post-its, andam comigo no ônibus. O que me importa é lê-los, não simplesmente preservá-los para a fazendinha de pó (safra automóveis de São Paulo, 2025) no alto da estante.
A exceção, óbvio,
são os livros das bibliotecas. Aquelas obras não me pertencem, elas são de todo
mundo. Têm de estar inteiras e no melhor estado possível para a próxima pessoa
que for ler. Então, por mais que esses livros também me acompanhem no
transporte público, eles nunca são riscados e são sempre abertos com muito
cuidado.
Não é à toa
que as pessoas que trabalham em bibliotecas deixam registrados os danos que os
livros já sofreram. Peguei um livro certa vez que a filipeta da biblioteca
dizia “manchas de umidade a partir da página 50”. Eram manchas pequenas, mas o
aviso servia para nenhum usuário tomar uma bronca injusta por algo que não
havia feito. Se bem que, também, já peguei livros em mau estado, sem nenhuma
marcação feita pela biblioteca e fiquei receoso de tomar algum pito no balcão
de devolução.
Esta
semana, depois de meses tentando, consegui retirar o A amiga genial, da
Elena Ferrante. A biblioteca perto do meu trabalho só tem um exemplar e ele estava
sempre alugado. Exatamente por passar por muitas mãos, o livro não está lá no
seu melhor estado de conservação. Sem ligar para isso, fiquei feliz por encontrar a obra e a levei até o balcão. A bibliotecária me atendeu, registrou tudo e me
entregou:
– Devolução
até dia 8 de agosto.
Agradeci e,
saindo da biblioteca, conferi a filipeta.
Atenciosa e
sincera, a bibliotecária escreveu: “livro com muuuuuitas marcas de uso”.
Achei a atendente muuuuuito fofa.
Com certeza não vou tomar bronca na hora de devolver o livro.
9 de junho de 2025
Puladinho: origem
Videoaula ensinando uma das versões do puladinho, um passo
clássico do samba de gafieira, e pensando um pouco sobre sua origem.
Como no vídeo eu só mostro como
fazer o puladinho, mas acabo utilizando outros passos de samba, segue, também,
um vídeo mostrando como fazer os outros passos utilizados.
Bibliografia, fontes e materiais utilizados:
- Vídeo dos bailarinos Valéria Seki e Jaime Arôxa. 2021.
Disponível em https://youtu.be/E8JxfHkXj2Q?si=zLxkauruMfFwny7D.
- Trecho do clipe “A Cara do Crime ‘NÓS INCOMODA’ (MC Poze
do Rodo, Bielzin, PL Quest e MC Cabelinho)”. 2021. Disponível em https://youtu.be/2PRAiVs3MVc?si=Ahj7C0zq8Kf3LoW0.
- EFEGÊ, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Rio de
Janeiro: Gráfica Lux, 1974.
- GONZALEZ, Lélia. Festas populares no Brasil. Rio de
Janeiro, Índex, 1987.
- MOREIRA, Quincas. “Malandragem” (música). 2019. Disponível
em https://www.youtube.com/@QuincasMoreira
e https://www.youtube.com/audiolibrary.
- TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vêm da rua.
São Paulo: Editora 34, 2013.


