14 de junho de 2015

Não coma anima

___Entro no vagão do metrô lendo, desatento ao que se passa à minha volta. Paro de ler e procuro um lugar. Encontro, no canto do vagão, ao lado de um rapaz magro, branquelo, cabelo raspado. Assim que me sento, em um movimento rápido, ele recolhe a mão para junto do corpo. Pelo visto, o rapaz estava rabiscando uma das paredes do vagão. Até aquele ponto, ele havia escrito “Não coma anima”. 
___Depois de alguns segundos, peguei meu livro e voltei a ler. Encorajado pela minha falta de foco nele, o rapaz continuou a rabiscar a parede do vagão com uma chave. Acrescentou o “is” à palavra “animais” e se recostou, relaxado. 
___Como sou um problemático maluco, falei:
___– Aproveite e escreva também: “Não deprede o transporte público.”.
___– Ah, vai tomar no seu cu! Todo mundo faz isso. 
___– É... –, respondi. – E “todo mundo” come animais. 

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P.S.: Antes que apareça por aqui algum ataque desmedido, recomendo a leitura da minha série “Muros, ironia e espaço público”: parte I, parte II e parte III

7 de junho de 2015

Propaganda que funciona

___O objetivo de uma propaganda é convencer as pessoas a comprar determinado produto. As propagandas de dia dos namorados, entretanto, não costumam funcionar comigo. Mesmo se forem muito convincentes, fofas e com o público inteiro fazendo ooooooohhhhuuumm
___Já faz dez anos que eu e minha esposa estamos juntos e, pela graça da boa Clio, nós nunca ligamos muito para datas. Não jantamos em restaurantes chiques no dia dos namorados, não trocamos presentes no natal, nem nada do tipo. Sendo assim, as propagandas açucaradas apenas me entretêm, nunca me convencem a comprar. 
___Neste ano, o Boticário fez uma propaganda saindo um pouco dos padrões: não mostraram apenas casais heterossexuais.* Confiram.


___Mesmo sendo bacana a iniciativa, a propaganda não foi o bastante para que eu, que nunca compro nada no dia dos namorados, ficasse minimamente tentado a comprar um perfume do Boticário. Então, veio a segunda parte. 
___Como era de se esperar, os grupos mais reacionários começaram a zurrar contra a propaganda. Mais ainda, o pastor Silas Malafaia veio a público pedir para que outros preconceituosos, outros que pensam como ele, boicotem a marca. Tá aqui um link para o vídeo, caso alguém queira ver. 
___Eu sei que foi uma propaganda negativa, sei que, infelizmente, ele vai convencer muita gente a boicotar o Boticário e, também, sei que o número de pessoas que seguem o Malafaia é grande. Porém, para mim, a propaganda negativa foi positiva. Até deu vontade de comprar alguma coisa do Boticário. 

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P.S.: Para quem viu o vídeo do Malafaia e quer ver algum outro para desanuviar, recomendo este vídeo do Estêvão Slow.

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* Quando eu digo “saindo um pouco dos padrões”, não se trata de uma força de expressão. Por mais bacana que seja fazer uma propaganda mostrando casais homossexuais, queira ou não é uma propaganda de dia dos namorados só com abraços, sem nenhum beijo. Sem contar que outros tipos de namoros (como os poliamorosos), como sempre, são ignorados.